Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
sexta-feira, 30 de setembro de 2005
Ontem, chegou-me às mãos o último número da revista Comunicação e Sociedade (nº 7, 2005), do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (Universidade do Minho). O grande tema do volume é Economia política da comunicação e dos media e a sua organizadora é Helena Sousa, docente daquela universidade.
Da introdução, escrita por Helena Sousa, lê-se: "O desenvolvimento dos mercados associados às indústrias culturais e a crescente internacionalização das indústrias mediáticas e das tecnologias da informação têm demonstrado a relevância teórica da Economia Política e têm apresentado igualmente um conjunto de novos desafios que importa realçar".
Os três textos iniciais competem a Graham Murdock, Janet Wasko e Vincent Mosco, todos em torno da economia política, a partir de cruzamentos teóricos. Murdock, autor que tenho trabalhado com alguma insistência, traz, no seu texto, uma curta secção onde se propõe redefinir o conceito de indústrias culturais. Também Denis McQuail publica um texto, a aula aberta proferida em 5 de Maio de 2004, com o título "Publication in a free society: the problem of accountability".
A segunda parte deste volume de Comunicação e Sociedade releva estudos portugueses nos diversos media. Assim, Lurdes Macedo escreve sobre políticas para a sociedade de informação, Helena Sousa e Manuel Pinto sobre a economia do serviço público de televisão, Dora Mota sobre a televisão regional e local, Paulo Ferreira sobre a imprensa local e regional, Elsa Costa e Silva sobre concentração dos media e legislação e Manuela Espírito Santo sobre a Alta Autoridade para a Comunicação Social. O autor deste blogue tem um texto sobre rádio (o agradecimento a Filipe Jorge, então animador do blogue com o endereço http://www.jornalradio.com/, pelas informações que me prestou, as quais foram muito importantes para a construção de alguns addos).
Volume indispensável para os estudos da comunicação, do jornalismo e das indústrias culturais, tem uma outra característica: vários dos trabalhos editados pertencem a alunos(as) do mestrado de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho, princípio muito louvável (os alunos vêem trabalhos seus publicados). O volume tem 268 páginas e custa €12.
quinta-feira, 29 de setembro de 2005
Está disponível, para quem quiser assinar, a petição para a reposição do canal ARTE, retirado do pacote de base da Netcabo. A primeira assinatura pertence a Anna Collongues Bensassy.
Enquanto a TMN anda numa roda viva a mudar de imagem (e a inventar o consumo multimedia dos celulares), a Optimus lança a banda larga portátil. Tecnicamente ambas estão a trabalhar no mesmo futuro, mas não será pouco ousada a campanha da Optimus (mesmo com o indivíduo em cartão a usar o computador e a sair do mupi)?
Só ao fim-da-tarde de hoje é que me dediquei a ler os blogues de jornalismo e verificar que todos falaram ontem dos jornais vestidos de azul: Jornalismo e Comunicação, Blogouve-se, Atrium e Contrafactos.
Lê-se em post de Luís António Santos, do Atrium: "Curiosamente, uma marca que se renova em busca de uma postura mais jovem, mais actualizada, optou por não alargar a campanha aos sites online dos diários seleccionados".
Eu tenho outra opinião. Quando se lança publicidade com slogans como Gostamos de fado, Gostamos de saltos altos, Gostamos de yuppies, Gostamos de almoços de graça, Gostamos de cozido, Gostamos de improvisar - como se lê nos post-its num dos anúncios -, isso quer dizer massificação. Da terceira geração de telemóveis. Os cibernautas já estão nessa onda, não precisam de saber o que já dominam. O Até já significa continuidade (de conversa) mas também necessidade (imperiosa) de mudar de equipamento para a geração UMTS. O slogan Gostamos de fotos desfocadas aponta para o serviço de imagem, o Gostamos de derbies evoca simultaneamente um serviço de mensagens e a internet.
Observação 1: mantenho a minha opinião de ontem - não gostei de ver os jornais com as capas e páginas opostas tingidas de azul. Mas reconheço que se trata de uma ideia engenhosa. Além disso, o jornal não é apenas informação. Também precisa de publicidade. Um jornal é uma empresa que vive de rendimentos (no caso dos media, venham da publicidade, das vendas ou das assinaturas). Os jornais gratuitos também se mancharam de azul. Foi um dia grande para os jornais em termos de publicidade. E não podemos esquecer que os investimentos publicitários nos jornais não têm sido famosos nos últimos anos. Não se pode ser hipócrita e querer bons jornais mas sem publicidade. Os jornais de ontem - apesar de não ter gostado, repito - estavam embrulhados, como se fosse o artista de instalações Christo a embrulhar uma ponte ou a estátua da Liberdade.
Observação 2: em 2004, o sector que mais investiu em publicidade foi a indústria alimentar (12,3% do total), seguindo-se a higiene pessoal (9,8%) e serviços e equipamentos de comunicação, onde se inclui a TMN (9,4%) (Anuário de Comunicação, 2004-2005, Obercom, p. 352). Ainda em 2004, a TMN foi a quarta empresa em termos de investimentos publicitários (€63 milhões), a seguir à Vodafone (primeira, com €82,7 milhões), Procter & Gamble e Modelo Continente (mesmo anuário, p. 355).
Os meus agradecimentos prévios ao dr. Vítor Cabeça, da Marktest, pela sua exposição hoje na minha aula de Públicos e Audiências. Ele falou, com muita clareza, de audiências na rádio, imprensa e internet e do modo como são medidas em Portugal pela sua empresa.
O Bareme Rádio realiza-se três vezes por ano, resultado de 24024 entrevistas telefónicas feitas por vagas de 6006 entrevistas cada. O inquérito avalia a audiência dos sete últimos dias. De entre as variáveis, destaque para a idade e o género. A líder de audiência é a RFM, seguindo-se a RR (mesmo grupo) e a Rádio Comercial (Media Capital). O prime-time da rádio é de manhã (à volta das 8:30/9:00), significando uma escuta enquanto se conduz. Ao fim da tarde há outro pico de audiência radiofónica, mas não tão acentuado. Tal ilustra um perfil de audiência muito diferente do da televisão.
A metodologia do Bareme Imprensa também é semelhante ao da rádio. Ele permite quantificar as audiências dos jornais nacionais e regionais. Por ano, fazem-se 15120 entrevistas, perguntando fundamentalmente se leu ou folheou jornais de véspera (diferente da pergunta: comprou jornais). Como na rádio, o universo inquirido tem acima de 15 anos (na televisão e na internet os inquiridos são-no acima de quatro anos). No campo da imprensa, a liderança de mercado cabe ao Jornal de Notícias [que tem alternado com o Correio da Manhã]. Vítor Cabeça salientou, ainda quanto à imprensa, o fenómeno relativamente recente da expansão de nichos de mercado (revistas especializadas). E destacou haver mais pessoas a lerem jornais que revistas.
Quanto às audiências de internet, foi referido o "roubo" de investimentos publicitários que o novo meio está a fazer à televisão, no caso dos Estados Unidos (tendência que se tornará possivelmente universal). A Marktest desenvolve dois tipos de estudo de audiência, o primeiro deles centrado nos utilizadores ou usuários (user-centric). Assim, há 1000 lares em que os computadores têm incorporado um equipamento electrónico que permite saber o tráfego e os sítios visitados. O perfil de cibernautas é útil para as empresas comerciais e fornecedores de conteúdos (casos da SIC online e do Sapo). O outro tipo de estudo é o centrado no sítio (site-centric), capaz de medir o tráfego por sítio. Estes dados, publicados semanalmente, apenas medem lares (e não cibercafés ou espaços de computadores em universidades ou outros locais), pelo que a representação real da audiência de internet não é ainda total.
quarta-feira, 28 de setembro de 2005
Uma das páginas de hoje do gratuito Destak é praticamente ocupada por publicidade de astrólogos (como não sou leitor deste gratuito, ignoro se é habitual). São todos professores e têm consultórios em vários sítios, caso do professor Bambo (Lisboa, Porto, Faro e Funchal), o qual aparece ainda todos os dias no canal televisivo Viver e na estação de rádio Romântica.
Se o astrólogo mencionado faz consultas gratuitas, já o professor Karamba dá facilidades de pagamento, sendo este efectuado apenas quando os resultados são os esperados. Na apresentação do meu vizinho (ele tem consultório na avenida de Roma, 35, 4º dir., em Lisboa), lê-se: "Grande conselheiro com 42 anos de experiência. Especialista em todos os trabalhos ocultos, conhecido por grandes personalidades no Mundo inteiro". O professor Karamba [repare-se no simbolismo do nome, como aliás o do outro astrólogo] resolve problemas de amor, negócios, família, droga, impotência sexual. Na realidade, um autêntico poder mágico o deste homem.
O curioso de tudo isto é vir num jornal gratuito, distribuido na rua e em sítios próximos das estações do metro (o concorrente Metro é distribuido no interior das estações). Há um grande conjunto de população afro-lusa que é apanhada por este jornal. Nada mais fácil do que os astrólogos africanos ou dessa ascendência publicitarem os seus préstimos em tal jornal. Interessante ainda o facto dos três astrólogos aparecerem com a sua fotografia, ao passo que outros dois médiuns surgem com o nome de mestre, ocupando apenas uma coluna do jornal. Haverá uma hierarquia de nomes consoante a dimensão do anúncio?
Isto é, azuis, dos jornais pagos aos gratuitos. Disseram-me que sujaram as mãos e a roupa com a tinta dos jornais. Li num desses jornais ser azul petróleo (terei lido bem?).
O azul é da TMN que mudou de imagem. A operadora de celulares tem cerca de 200 lojas, a maioria delas franchisadas (eu desconfiava disso, depois de um mau atendimento há um ano atrás, resolvido depois de muita insistência). Nem a página do Sapo escapou, embora com um azul a fugir para o verde: "Até já", diz o novo slogan.
Do mesmo modo que não simpatizo com alguns suplementos dos jornais, também não gosto destas campanhas publicitárias. Os jornais, com títulos distintos, ficam nestes dias todos iguais.
Segundo a newsletter Newscenter., da Universidade de Ball State, com data de 23 último, cada americano gasta mais tempo no consumo de media que em qualquer outra actividade, para além das horas de descanso. Os media incluidos no estudo da Ball State University foram 15, tais como televisão, rádio, iPods, telefones celulares, livros, revistas, internet, mensagens instantâneas e e-mail. O estudo, que traça uma previsão para 2006 em termos de consumo de media, englobou 400 participantes num total de cinco mil horas de uso de media, em Muncie e Indianapolis. Grande parte dos respondentes - pessoas normais e não indivíduos sofisticados em termos do último grito do media - é, inclusive, adepta do uso simultâneo de dois ou mais tipos de media.
Como sociedade, todos somos consumidores de media, disse um dos responsáveis pelo trabalho agora tornado público. Cada pessoa gasta em media cerca de nove horas diárias, o que excede as previsões de dez anos atrás.
As principais conclusões do estudo sobre o consumo dos media são: 1) cerca de 30% do dia é gasto como actividade isolada, contra 20,8% que o fazem enquanto trabalham e 39% o faz como outra actividade; 2) em qualquer hora, um mínimo de 30% dos participantes estava a ver televisão, percentagem que podia subir a 70% em determinadas horas; 3) embora a televisão continue a ser o meio dominante em termos diários de consumo dos americanos (240,9 minutos), o computador surge como o segundo meio de comunicação mais significativo (120 minutos); 4) cerca de 30% do tempo médio é gasto em exposição a mais que um meio em simultâneo; 5) os indivíduos com idades entre os 18 e os 24 gastam menos tempo on-line que qualquer outro grupo etário excepto o de idade acima dos 65 anos; 6) os níveis de exposição a media concorrenciais são mais elevados em pessoas entre 40 e 65 anos que entre as pessoas dos 18 aos 39; 7) as mulheres desempenham actividades múltiplas em dois ou mais tipos de media em comparação com o maior monolitismo dos homens; 8) o uso da internet, e-mails e telefones é mais elevado às sextas-feiras que em outro dia da semana.
O estudo conclui ainda que a introdução do computador no local de trabalho criou uma classe de trabalhadores apta a múltiplas tarefas em simultâneo. Se se pensa que os mais novos são os mais aptos a este desempenho, os computadores obrigaram os mais velhos a seguir a mesma regra, como forma de manter o seu posto de trabalho. Finalmente, o estudo fala de um aumento de controlo de consumo de media através da maior escolha e interactividade.
terça-feira, 27 de setembro de 2005
O último domingo foi fatal para a SIC e, em especial, para o seu director de programas. O primeiro programa da SIC (Esquadrão G), com 8,7% de audiência média, ficou a larga distância da 1ª Companhia (TVI), com 14,0%. E, no share, a SIC desceu para 3º lugar, depois da TVI e da RTP.
Manuel Fonseca entrara na SIC no momento do seu arranque. Era director de programas desde o Verão de 2001, "com a missão de reparar os estragos provocados pelo Big Brother e novelas como Olhos de Água", escreve hoje Miguel Gaspar (Diário de Notícias).
[créditos: Diário de Notícias e Público, de hoje]
Os novos media interactivos possibilitam uma relação diferente em termos de formas culturais. O cinema permitira a produção de um imaginário cultural no espectador que se movia entre o texto e as formas de identificação (Marshall, 2004: 44). As tecnologias dos novos media levam à produção de uma maior subjectividade na cultura contemporânea. A recepção, central na experiência fílmica, torna-se um elemento na cultura dos novos media. Em última instância, conduz o utilizador ou o espectador para a produção própria.
Reformulo a ideia: os novos media apontam para a produção, caso dos sítios da internet, participação em jogos vídeo, envolvimento no estilo de vida e na televisão da realidade, uso doméstico do vídeo digital e de máquinas fotográficas, e manipulação digital e downloading de música. Em vez de vender programas de televisão e publicidade, os novos media vendem software para a realização de vídeo e de imagens. Em si, a produção torna-se um novo nível de consumo. Ao simplificar a tecnologia de produção - ao desenvolver software amigável -, alargam-se as dimensões da produção do amador aficionado e alarga-se o mercado das tecnologias de produção.
Afinal, esta é a base de construção do blogue - a máquina fotográfica digital e o scanner que eu liguei ao computador foram tecnologias que adquiri para me tornar produtor de um novo meio (e eu sou um básico no uso das tecnologias).
Leitura: P. David Marshall (2004). New media cultures. Londres e Nova Iorque: Arnold, 120 páginas, £14,99 (aproximadamente €22)
segunda-feira, 26 de setembro de 2005
A administração da SIC e o director de programas Manuel S. Fonseca anunciaram a rescisão, por mútuo acordo, do contrato que os unia há treze anos, lê-se numa notícia de hoje do Diário Digital. Para ocupar o lugar, foi nomeado Francisco Penim, estando ainda por constituir o resto da nova equipa de dirigente. Tudo começou com a demissão de Vítor Moura Pinto, director-adjunto da SIC, a semana passada, e continuou com uma entrevista dada ontem por Emídio Rangel ao Diário de Notícias.
Respigo apenas uma pequena parcela da entrevista de Rangel, o antigo homem forte da SIC (e também da RTP) sobre o novo licenciamento dos canais privados: "A SIC do meu tempo não tem nada que ver com o projecto que foi a concurso. A TVI, que era uma estação da Igreja, muito menos". E sobre a rentrée televisiva: "A situação é catastrófica para a SIC. A TVI foi feliz no reality show que escolheu, que está muito bem feito. Está ali um trabalho de grande qualidade da Endemol. Chapeau. Tem os tradicionais problemas que às vezes os reality shows colocam, podem chocar com direitos humanos e valores sociais".
Do blogue Jornalismo e Comunicação, em texto assinado por Felisbela Lopes, uma das académicas mais conhecedoras de programação de televisão, retiro a seguinte reflexão: "Porquê [esta demissão]? Porque os novos «reality shows» colocam em causa determinados valores ou estereótipos da sociedade portuguesa? Porque esses produtos não conquistaram a audiência que se esperava, tal como num passado recente «O Bar da TV» não conseguiu suplantar o «Big Brother»? Porque, nos bastidores, perfilam-se novos protagonistas para o lugar hoje ocupado por Penim? Que a programação dos canais generalistas se caracteriza por um lenta agonia, já todos percebemos, mas convinha entender melhor certas movimentações. Já imaginaram como seria uma SIC dirigida por Moniz ou por Rangel? E uma TVI coordenada por Rangel? Acho que os próximos tempos podem ser muito movimentados para os lados de Queluz e de Carnaxide".
O que vou escrever não é teoria, mas apenas uma curta reflexão. Para tal, peguei em alguns exemplares de jornais dos últimos dias.
Desde os acontecimentos de Junho em Londres, os jornais ingleses passaram a incluir periodicamente editoriais e reportagens sobre a cultura islâmica instalada no país. Julgo haver de tudo: os que criticam, os que defendem. Uma coisa parece certa: a ideia de multiculturalismo, que se lê nos livros sobre os media (e outras áreas, presumo), precisa de ser retrabalhada. Afinal, a integração multicultural não se estava a fazer, como se julgava.
O texto do Daily Mail, de anteontem, é exemplificativo, a começar pela fotografia. Das duas mulheres adultas, só se vêem uma mão e um espaço para os olhos. Confesso o meu desconforto com este tipo de imagens (uma vez vi uma rapariga assim vestida no Centro Cultural de Belém, aqui em Lisboa; contive-me para não lançar um olhar de incompreensão, dado o seu jovem marido estar com algumas partes do corpo bem à vista). O artigo de Ann Leslie, de origem paquistanesa e correspondente há algumas décadas, mostra um retrato terrível de Bradford, a quem chamam a Islamabad inglesa, tal a quantidade de paquistaneses ali residentes e defensores de um islamismo radical.
Ela começa por falar no número de crianças deficientes no seio daquela comunidade, na taxa de suicídio (três vezes maior que na população branca do país) e no peso do desemprego. Refere um jovem (terceira geração), com um sotaque perfeito do inglês da região, mas que prefere vestir roupa à paquistanês, para marcar a sua ascendência, apesar de não saber uma só palavra de urdu. A jornalista escreveu a peça a propósito de uma intervenção na passada semana de Trevor Phillips, responsável pela Comissão de Igualdade Racial, dizendo que a sociedade inglesa se separara em diferenças religiosas e criara explosivos guetos sociais.
Esta é uma agenda noticiosa de âmbito nacional, em que os jornais vão atrás dos acontecimentos. Já diferente é a posição de Pedro J. Ramirez, director do jornal El Mundo. Para ele, a Espanha está a caminho da fragmentação, tema que retoma recorrentemente. O editorial de ontem (Carta del Director) aborda a situação na Catalunha. Segundo ele, a Generalitat da Catalunha está a ganhar protagonismo e poderes, não permitindo, por exemplo, o transvase de águas do Ebro (desagua na Catalunha) para Valência e Murcia (esta última na Andaluzia). E compara o presidente do governo de Barcelona, Pasqual Maragall, ao relato de Mary Shelley sobre o monstro que Frankenstein criara. A campanha pessoal do director tem-lhe trazido dissabores (recentemente, invadiram uma piscina sua e fizeram destruições), no sentido de ele abandonar o rumo editorial em defesa de uma Espanha unida.
Não devo tomar uma posição definitiva sobre os temas tratados pelos dois jornais: primeiro, porque não tenho poder; segundo, porque isso significa intromissão em assuntos de outros países. Mas não posso deixar de reflectir sobre os temas e as agendas noticiosas. No caso inglês, há uma luta que sopra de dentro para o mesmo interior, podendo conduzir a conflitos de nível perigoso; no caso espanhol, parece haver uma ameaça de implosão por parcelas de território.
Quanto a cadernos de jornais portugueses, e sem perigos tão graves de implosão ou explosão, registo o novo "Dia D", do Público. Fico-me pelas três cartas ao director ali publicadas: duas a favor do suplemento, uma contra. Esta última regista que a substituição dos suplementos "Economia" e "Computadores" foi para pior. Eu também acho (mas não vou enviar qualquer e-mail). O "Dia D" faz-me lembrar as Selecções do Reader's Digest ou a Executive Digest (creio que era esse o nome de uma publicação do grupo de Balsemão). Traz dicas e mais dicas (a lembrar o "Kulto" de domingo) e nada de análises, de coisas cheias que nos ensinem e levem a reflectir. E parece-me tratar-se de uma publicação género outsourcing. Antes prefiro o estilo clássico do suplemento cor-de-rosa DNnegócios: hoje traz 19 páginas de informação importante. É aqui que a agenda de cada jornal se distingue: entre o light e o sério.
[continuação e conclusão da mensagem de 24 de Setembro]
O que se vê, lê e ouve nos media é o produto final de um processo complexo. Filmes, programas de televisão, música popular, publicidade e histórias jornalísticas produzem-se dentro das organizações mediáticas conforme um conjunto particular de actividades e práticas, e por conjuntos diferentes de pessoas. Enquanto o consumidor vê o resultado dos media como simples, os produtores dos media estão envoltos num sistema de produção altamente organizado e de níveis múltiplos. As pressões económicas são uma chave determinante no trabalhar deste processo de produção mas há outros factores importantes.
A estrutura organizacional e a cultura ocupacional dos media também moldam o processo da comunicação de massa. O contexto no qual trabalham os profissionais dos media foi identificado por alguns académicos como central na explicação do conteúdo mediático mas também para compreender a sua relação com outras instituições sociais e as suas audiências.
Para além de nos mostrar os media como actividade económica, esta perspectiva permite ver quem trabalha nos media e como é que se organiza esse trabalho. O conteúdo dos media não é determinado simplesmente pela relação entre patrão e empregado mas por factores organizacionais e ocupacionais, que obrigam os profissionais a regras, rotinas e valores das organizações mediáticas e a relações com outras instituições sociais.
Níveis de análise organizacional
O estudo das organizações mediáticas e do trabalho nelas tem raízes nas observações iniciais dos jornalistas levadas a cabo, por exemplo, por Park (1923). Mas foi no final dos anos 1950 que começou o estudo sistemático das organizações mediáticas. Williams fala de três diferentes níveis:
1) O primeiro foca o profissional mediático individual e as suas preferências, o seu background social e experiência que moldam estas preferências, as ideologias profissionais sob que trabalha e as práticas adoptadas no trabalho diário. Há diferentes factores: atitudes pessoais, valores e crenças; background social e experiência; orientações e práticas profissionais. Os estudos examinam a disposição psicológica e política dos profissionais individuais que actuam como decisores no processo produtivo e editorial, assim como nas características sociais e valores políticos dos que trabalham nos media.
2) O segundo concentra-se nas estruturas e rotinas organizacionais e na sua influência sobre os profissionais e o seu trabalho. O foco reside nos papéis atribuídos a estes profissionais nas suas organizações e ao modo como os indivíduos preenchem os objectivos das organizações para quem trabalham. As organizações mediáticas são entidades complexas cujos objectivos, estruturas e ritmos determinam o processo de produção. O conteúdo dos media é menos moldado pelas acções, empreendimentos e criatividade individuais e mais pelo resultado de rotinas e políticas adoptadas pelas organizações mediáticas para informar e distrair (Manning, 2001: 52). As organizações mediáticas, como outras grandes organizações, são caracterizadas pela hierarquia, divisão de tarefas, e rotinização das operações de trabalho através de regras e procedimentos relativamente estandardizados.
3) O terceiro nível é a interacção entre as organizações mediáticas e o envolvimento social, político e cultural mais vasto em que operam. O foco são as forças externas aos media e que moldam as organizações mediáticas e o trabalho, e o que é produzido. Aqui encontram-se fontes de informação, tecnologia, ambiente político e jurídico e percepções do que querem as audiências. O contexto "cultural" mais vasto é visto como importante em termos de influência mediática extra (Schudson, 2000). Os profissionais e as organizações mediáticas são parte de uma cultura que determina como actuam e como produzem.
A investigação social, na análise da produção dos media, focou inicialmente um tipo de organização mediática, a sala de redacção, e um tipo de profissional dos media, o jornalista. Muito do trabalho inicial sobre a produção mediática concentrou-se na notícia.
Um ponto de partida para muitos dos estudos das organizações mediáticas é que há diferenças entre os media – caso das audiências – mas a produção e distribuição dos media são semelhantes. Apesar de distinguirmos notícia, entretenimento, imprensa e televisão, há semelhanças analíticas nas dificuldades e no contexto organizacional em que operam repórteres, escritores, artistas, actores, directores, produtores e outros, segundo o papel, profissões e ocupações de cada um. Crucial no estudo das organizações mediáticas é o que Manning (2001: 53) designa por autonomia dos profissionais, influenciada pelas estruturas sociais e pelas práticas organizacionais.
Há duas perspectivas de análise das organizações mediáticas. A perspectiva pluralista vê os profissionais mediáticos como indivíduos autónomos cujas capacidades criativas e interpretativas são encorajadas e avaliadas pelas organizações onde trabalham. Outra perspectiva, o modelo de acção social, apresenta um quadro dinâmico das organizações mediáticas, feitas de grupos e indivíduos que concorrem, com diferentes interesses que entram em conflito com o poder dentro e fora da organização. As organizações jornalísticas são locais de luta e o processo de negociação entre grupos e indivíduos diferentes modela o produto mediático.
O resultado deste processo não é pré-determinado mas relativo a um equilíbrio particular e evolutivo de interesses. Perspectivas estruturalistas ou pós-modernistas vêem esta explicação como problemática. Embora não rejeitem que o conteúdo dos media surja da interacção entre pessoas nas organizações, a perspectiva culturalista vê o trabalho das organizações e profissionais mediáticos modelados num conjunto de assunções culturais mais amplas da sociedade em que operam. Schudson argumenta (The sociology of news production, 1989: 275) que há uma diferença entre a construção social das notícias através da interacção dos jornalistas e outra assente entre um contexto organizacional e a produção de notícias dentro de um dado cultural (cultural givens) mais vasto em que ocorrem as interacções diárias. Assim, as imagens e estereótipos generalizados sobre os media noticiosos transcendem as estruturas de propriedade e modelos de relações de trabalho (Schudson, 2000: 189).
Leituras: Manning, Paul (2001). News and news sources – a critical introduction. Londres, Thousand Oaks e Nova Deli: Sage
Schudson, Michael (2000). "The sociology of news production revisited (again)". In James Curran e Michael Gurevitch (eds) Mass media and society. Londres: Arnold
Sobre o livro e o autor. Kevin Williams, director do departamento de Estudos de Media e Comunicação na Universidade de Swansea, foi anteriormente director-adjunto na Escola de Jornalismo, Media e Estudos Culturais na Universidade de Cardiff. Ensinou também nos Estados Unidos, Dinamarca, Holanda, Espanha, Ucrania e vários países africanos. O livro aqui referido foi editado em 2003: Understanding media theory. Londres: Arnold [pp. 96-100; sobre teorias da organização e do trabalho mediático]. Foi co-autor de The Circuit of Mass Communication: Media Strategies, Representation and Audience Reception in the AIDS Crisis (London: Sage, 1998).
domingo, 25 de setembro de 2005
Há quem diga, presentemente, que os jornais gratuitos servem para criar hábitos de leitura a públicos jovens (16 aos 25 anos). Confesso que, apesar de registar a bondade dessa perspectiva, tenho dúvidas. Claro que não me apoio em dados empíricos; logo, a minha visão pode estar errada.
Uma outra faixa etária a ser trabalhada é ainda mais jovem. Daí me parecer interessante a proposta indicada no jornal El Mundo de hoje. María Jesús de la Puerta, licenciada em jornalismo, com 33 anos, começou, dois anos atrás, a editar um jornal, Mi Periódico, destinado a jovens que frequentam 90 escolas na região de Sevilha (dos 12 aos 17 anos).
Qual a razão do arranque do jornal e do seu sucesso? María Jesús de la Puerta estava convenciada que os jovens tinham outros interesses para além da televisão, dos videojogos e da telenovela. Descobriu que os jovens queriam andar informados, mas os jornais tradicionais não lhes explicavam adequadamente as razões do conflito do Médio Oriente, o que aconteceu após a queda do Muro de Berlim ou o que é o plano Ibarretxe (País Basco), o que os obrigava a pedir ajuda aos pais. Além de que o grafismo dos jornais não era atraente.
Desde que começou já editou 30 números, cada um vendido a €0,59. Trabalha com mais oito jornalistas e facturou €70 mil o ano passado. Em breve, espera alargar o seu jornalinho a Huelva e Málaga, para além de Sevilha.
Já aqui registei uma ideia da revista Visão. Recentemente, o Público saiu com um caderno dominical, o "Kulto", certamente orientado para um público ainda mais jovem, para crianças que começaram a ler ou que ainda frequentam os primeiros anos escolares. O grafismo evoca directamente o mundo dos videojogos e das séries animadas para crianças e os textos acompanham o nível intelectual delas, tipo Obélix vs Shrek, como vem na edição de hoje. E onde, a propósito dos telefones celulares, se lê: "Por isso, não vale a pena dizeres aos teus pais que és a pessoa mais infeliz do mundo se eles não te comprarem imediatamente o último modelo [...]. Lembra-te que eles tiveram uma infância difícil e que se quisessem passar os dias a mandar mensagens aos amigos tinham de arranjar um pombo-correio". Na realidade - e o texto aborda isso antes - os telemóveis têm pouco mais de 25 anos, e os pais dos meninos que agora lêem o "Kulto" não os tinham porque não havia.
Para mim, o "Kulto" não é um projecto para informar e manter actualizado os jovens que o lêem, como o projecto sevilhano. Traz algumas informações úteis, como ciência, desportos e muitas dicas. Mas não me parece que prepare uma nova geração para ler jornais. É que, mesmo que estivesse correctamente posicionado para um público etário, ele é muito estreito e não serve para uma banda de alguns anos (pela linguagem e temáticas expressas). Se criar leitores fiéis, perdê-los-á à medida que as crianças cresçam, o que implica arranjar fiéis entre os mais pequenos, num ciclo permanente de conquista. Creio que esse é o falhanço que se pode apontar à publicação.
sábado, 24 de setembro de 2005
Um dia desta semana, quando entrava na livraria Almedina, ao Saldanha (Lisboa), havia dois escaparates com livros de Sudoku. Também nesta semana, li no sítio da CNN (perdi o rasto do ficheiro) que o Sudoku poderia ser a salvação dos jornais. Isto parece-me exagerado; contudo, o sucesso do jogo é insofismável. Por isso trago mais dois exemplares (Daily Mail de hoje, Destak de ontem).
No Daily Mail, a secção chama-se "Coffee break 1" (há uma segunda página com jogos). Nesta, para além de seis tiras de bandas desenhadas (Garfield, Peanuts, The odd streak, I don't believe it, Up and running, Fred Basset), uma rubrica de perguntas (uma delas é sobre quem fora o proprietário da casa Graceland, que pertenceria a Elvis Presley), um jogo de letras e palavras (Code word) e dois Sudokus, um mais simples e outro mais difícil.
No gratuito Destak, na secção "Diversão", para além do horóscopo (no meu signo, cujo período temporal acabou ontem, lê-se que vou receber notícias agradáveis sobre o meu futuro profissional, o que significa dinheiro), havia uma receita (como fazer um pudim de pão light), palavras cruzadas, um jogo de descubra as diferenças, mais a publicidade, e um Sudoku Vodafone (é a marca de celulares que patrocina o jogo).
Acredito que o Sudoku e a secção de jogos e passatempos em geral constituam uma das rubricas mais populares dos jornais, uma daquelas que os leitores não querem perder. Eu, com alguma possibilidade de levar isso por diante, tendo em vista aumentar a minha audiência no blogue e candidatar-me a um patrocínio empresarial, estou a pensar seriamente em dedicar mais espaço a sudokus e receitas de culinária. Afinal, os blogues também são uma moda como os Sudokus. Porque não juntar as modas?
Estejam atentos. E desejos de continuação de bom fim-de-semana.
É exactamente este o título do texto contido na newsletter da Marktest.com, editada anteontem.
Lê-se: "Os resultados relativos ao primeiro semestre de 2005 do Bareme Imprensa indicam que os títulos englobados na categoria de revistas masculinas (Maxmen, Men's Health, FHM) são os que apresentam o maior índice de fidelidade, de 30,1%. Este índice relaciona a audiência média de uma publicação com a sua audiência total. Ele é um indicador do grau de assiduidade dos leitores de um título de imprensa, representando a percentagem média de edições lidas por cada leitor". Ou seja, três em cada dez edições são lidas, em média, pela audiência destas revistas.
Continua o texto, destacando que as publicações dedicadas ao ambiente e divulgação científica (National Geographic, Super Interessante) têm um índice de fidelidade de 28,8%, próximo das anteriores. E também com valores aproximados estão títulos de imprensa regional, como: Jornal da Região, Destak, Dica da Semana, Metro, com 27,2%, e as publicações mensais de economia, negócios e gestão, caso da Exame, Executive Digest, Carteira, com 26,1% de índice de fidelidade.
Para ler o texto todo, consultar a newsletter da Marktest.com.
Em 2003, era publicado um livro de Kevin Williams (Understanding media theory), que poderemos considerar um manual de tanto interesse para a área dos media e da comunicação como o são ainda os textos clássicos de Mauro Wolf (Teorias da Comunicação) e Armand e Michèle Mattelart (História das teorias da comunicação). Só tem a desvantagem de ainda não estar traduzido.
Para Kevin Williams, os estudos dos media são uma área de estudo académico cujas fronteiras não são claras nem discretas (2003: 19). O âmbito temático é vasto, a mudança rápida de tecnologias reduz a distinção entre os meios de massa tradicionais e introduz novos meios de comunicação de massa, havendo um conflito no terreno entre contributos diferentes no estudo do assunto. O seu livro foca os meios tradicionais da imprensa e da televisão, assim como os novos media, que ameaçam mudar a actividade destes media. O cinema e outros media populares são mencionados mas não centrais aos interesses deste livro porque desenvolveram uma base teórica separada dos outros media.
A teoria pode ser aplicada a diferentes etapas do processo da comunicação de massa – produção, conteúdo, recepção e efeitos – do mesmo modo que a relação entre eles e o impacto dos media e a comunicação de massa na sociedade.
Pode também aplicar-se a diferentes níveis, da compreensão comum do papel dos media nas teorias que informam o modo como os jornalistas trabalham, e a teoria académica, que é o principal foco do livro de Williams. O debate central reside nos efeitos dos media, na sua representação do mundo, nos factores que moldam a produção das mensagens dos media, na natureza das audiências que consomem estas mensagens. O impacto mais amplo dos media na sociedade é discutido com atenção particular dada ao papel dos meios de massa nos processos de democracia e globalização.
A compreensão da teoria dos media também exige o conhecimento dos teóricos dos media e as condições em que efectuaram o seu trabalho. As pressões e mudanças que enfrenta a disciplina moldam a natureza do debate e os modos como se teorizam os media e a comunicação de massa. Finalmente, há o papel e o objectivo da própria teoria. A teoria não se isola da vida quotidiana. Pode ter um número de formas e operar num conjunto de níveis mas é uma componente essencial de conhecer o mundo em que vivemos. Sem teoria, a investigação não é possível e reduz-se o conhecimento sobre como actuar no mundo. Entende Williams que as pessoas nas organizações jornalísticas manufacturam o que aparece nos media (2003: 119). Quem são estas pessoas, como trabalham e a natureza das organizações onde trabalham são factores importantes no registo do conteúdo dos media.
A investigação sobre as organizações mediáticas e o trabalho dos media assume-se em três níveis: individual, organizacional e no meio sócio-económico e cultural mais vasto. A cada um destes níveis é possível identificar um contributo teórico correspondente. Há académicos que adoptam um contributo "centrado no comunicador", com realce para o conhecimento geral, a experiência, as crenças e valores, as rotinas de trabalho dos jornalistas, como centrais para explicarem como trabalham os media e o que produzem. Outros académicos aderem a um contributo "centrado na organização", que explica o conteúdo dos media pelos modos como os media organizam o trabalho, os papéis e as rotinas desenhadas pelas organizações jornalísticas e que os trabalhadores individuais seguem. Outros académicos ainda sugerem que factores externos ao trabalho individual e à organização moldam a produção e o conteúdo dos media (Williams, 2003: 120). Vêem as outras instituições sociais, a tecnologia e as fontes de informação do mesmo modo que a cultura mais em geral como cruciais. Todas estas perspectivas contrastam com a compreensão de senso comum que os media reflectem simplesmente o que se passa à volta deles (teoria do espelho).
Central a estas perspectivas é a questão de quem exerce o controlo sobre o que se vê, ouve e lê. Na teoria dos media, o debate é examinar em termos de estrutura e actividade. Qual a autonomia que têm os jornalistas? Que liberdade têm as organizações mediáticas para atingir os seus objectivos? Qual a extensão pela qual os media moldam as estruturas sociais?
As diferentes perspectivas teóricas dão respostas diferentes aos condicionamentos estruturais, opostos à acção humana, ao registo da natureza das organizações mediáticas e ao trabalho dos media. O fornecimento de evidência empírica de apoio a qualquer uma das respostas está limitado pelo vasto conjunto de investigação concentrado num tipo de organização mediática: a organização noticiosa. Apoiada no estudo do jornalismo, muita da teorização na produção mediática realça o papel dos media na manufactura ou construção da realidade. As teorias da organização vêem que o conhecimento que as pessoas adquirem do mundo à volta delas através dos media não é o produto de reprodução do que ali está a acontecer, num modo directo e sem problemas, mas um reflexo de como trabalham as organizações mediáticas e como o fazem individualmente os jornalistas.
Leitura: Kevin Williams (2003). Understanding media theory. Londres: Arnold
[continua]
sexta-feira, 23 de setembro de 2005
Se um dia fechar o blogue, por falta de tempo ou dinheiro (que me levem a procurar outro ramo de actividade), certamente ficarei nas indústrias criativas, seguindo o pensamento de dois autores. Um deles é John Hartley (2005: 5), para quem as indústrias criativas representam a convergência conceptual e prática das artes criativas (talento individual) com as indústrias culturais (escala de massa), no contexto das novas tecnologias dos media (TIC), dentro de uma nova economia do conhecimento, para uso dos cidadãos-consumidores interactivos.
O outro autor é Jinna Tay. Para ela (2005: 220), "As cidades criativas são espaços onde queremos estar, locais para serem vistos. As suas lojas, restaurantes e bares são as manifestações mais superficiais de um ambiente criativo. Para além destas «cenas», as cidades criativas também possuem várias características: a existência de um sector de artes e cultura vibrante; a capacidade para gerar empregos e lucros nos serviços e indústrias culturais; e as iniciativas políticas respeitantes à distribuição de recursos entre as procuras global e local" (tradução minha).
Abrir um restaurante, por exemplo, aceitando reservas on-line. O robalo grelhado - que preparei entre a escrita de uma comunicação para um congresso sobre indústrias culturais e uma reunião com os colegas de uma universidade pública para reconhecer o grau de mestre de uma candidata estrangeira - estava excelente. O acompanhamento era pobre e ficou de fora da fotografia [esclareço que o peixe é melhor que a máquina fotográfica que o registou para a posteridade; a cebola levemente tostada estava saborosa]. O vinho, infelizmente, não entrou na ementa, por questões de dieta. Mas foi servido com música de fundo, tirada do CD vendido ontem com o Público, de magníficas vozes femininas. Lê-se no começo do texto do disco: "Falar sobre as grandes cantoras de Jazz é quase como tentar descrever uma grande colecção de borboletas em poucas páginas".
Aceitam-se encomendas para o menú de amanhã!
Leituras: John Hartley (ed.) (2005). Creative industries. Malden, MA, Oxford e Victoria: Blackwell Publishing
Jinna Tay (2005). "Creative cities". In John Hartley (ed.) Creative industries. Malden, MA, Oxford e Victoria: Blackwell Publishing
Ao ler a peça de Miguel Gaspar de hoje no Diário de Notícias, perdi a veleidade de o I. C. querer competir com um jornal. Onde é que eu arranjava energia, fontes de informação e um arquivo de fotografias fabuloso como um periódico que já atravessa três séculos, para além da competência daquele jornalista?
É verdade: a ITV, no Reino Unido, estreou-se há 50 anos. A 22 de Setembro de 1955, arrancava o primeiro canal comercial. A novidade é, como destaca o jornalista, a publicidade. Pasta dentífrica Gibbs, chocolate Cadbury e não sei que mais abriam um território que apenas os States, do outro lado do Atlântico, exploravam. A segunda fotografia que acompanha o texto de Miguel Gaspar, e que o meu scanner cortou, mostra uma cena de Coronation Street, uma novela em que entram as classes trabalhadoras - vê-se Carlos e Diana, os príncipes encantados de uma dada época.
Por muito que o blogueiro se esforce, não se pode escrever e reflectir em tudo. Comprar o jornal continua a ser fundamental. Quem disse que a internet e os blogues eliminavam a necessidade dos jornais? Ao blogueiro, que não pode competir, resta o sabor de se espantar com o que aconteceu há 50 anos. A televisão portuguesa surgiria, ainda tímida, dois anos depois.
O Público de hoje, pela escrita de Andreia Sanches, dá conta da apresentação, na próxima semana, do Código de boas práticas na comunicação comercial para menores, uma iniciativa da Associação Portuguesa de Anunciantes.
Há já 40 empresas e entidades que aderiram a este código (de auto-regulação), como a Lever, Compal, McDonald's, Danone e Nestlé, algumas delas com campanhas quase contínuas orientadas para os públicos mais juvenis. Por exemplo, não se devem empregar anúncios com personagens de programas ou filmes para crianças logo a seguir à exibição destes, para não haver associação entre uns e outros. E a publicidade a alimentos e bebidas não deve apresentar situações de menosprezo pela saúde ou práticas de vida saudável. Há, aqui, uma nítida imagem de responsabilidade social das empresas assinantes do acordo. Esperemos que mais empresas se juntem às 40 iniciais.
AN INVITATION
I would like to be there, but I'm so far. But you all can read the invitation. And, if you can, go there:
"We're drinking at the Betsey Trotwood [London, UK], 7pm, Wednesday 12 October. Be there, or you'll miss it. Nothing fancy, nothing formal - just me, you and a pub full of journalists. I will try and come up with some good jokes if you run out of things to talk about [...]. And if you want to come, please email us first - clare@journalism.co.uk. See you then!journalism.co.uk drinks evening 7pm, Wednesday 12 October 2005 Betsey Trotwood 56 Farringdon RoadLondon EC1R 3BL. Nearest tube - Farringdon".
Uma informação mais completa pode ler-se na coluna da direita do blogue. Este é o folheto. Os dias dos colóquios são a 13 de Outubro, 10 de Novembro e 7 de Dezembro.
Por favor, anotem nas vossas agendas e encham o pequeno auditório da livraria Almedina, ali ao Saldanha, no Centro Comercial Atrium Saldanha (Lisboa). À hora dos colóquios, haverá, certamente, música de piano ao vivo.
[o texto seguinte, assinado pelo autor, apareceu originalmente na revista JJ – Jornalismo e Jornalistas, nº 13, de Janeiro/Março 2003]
Este não é propriamente um livro sobre jornalismo, mas abrange a grande área de intersecção da comunicação e da cultura, na qual o jornalismo se fortalece. Ao escrever o livro, Isabel Ferin teve como objectivo central analisar de que modo se processa a mercantilização da cultura e ocorre a hegemonia da indústria de entretenimento norte-americana sobre outras formas de cultura. Na posse de tal quadro de referências, a autora analisa os media e as formas como alteram a cultura do quotidiano.
Uma grande preocupação com a inclusão das mais diversas correntes e movimentos, sem se perder em meandros complexos e abstractos, mas num esforço por produzir uma síntese equilibrada e de grande coerência, tornam a leitura do livro um momento de prazer e encantamento. Os capítulos 2 e 3 são paradigmáticos do labor de Isabel Ferin. No primeiro daqueles capítulos, a autora elenca as concepções de cultura, da clássica à antropológica, marxista, estruturalista, sociológica e dos cultural studies. No segundo daqueles capítulos, enumera os contributos das disciplinas das humanidades na comunicação, sempre dentro de uma perspectiva simultaneamente pedagógica e crítica.
A autora e professora universitária aborda e desenvolve os conceitos de comunicação e cultura, estabelece a ligação epistemológica entre a comunicação e as disciplinas das humanidades e analisa a cultura de massas como espaço autónomo face às culturas de elite e popular. Ela parte de dois pensamentos específicos (liberal e marxista) e releva os estudos culturais do Center of Contemporary Cultural Studies (Birmingham).
Segundo Ferin, os cultural studies – modelo que se expandiu, nos anos 1980 e 1990, para o mundo anglófono e também para a América Latina – colocam os media (caso da televisão) e os novos media no centro da compreensão dos fenómenos culturais, a nível interpessoal mas também nas relações e interdependências estabelecidas entre regiões e países. A inter-relação ou interacção é um conceito que perpassa todo o livro. Isabel Ferin analisa, para além da relação interpessoal, as relações mediadas (por instituições ou tecnologias) e mediatizadas (através dos media). A comunicação como interacção identifica relações e estabelece vínculos entre as várias acepções de cultura, em que não existe um pensamento sobre comunicação sem um pensamento sobre cultura e sociedade.
Na autora, detecta-se um gosto pela história, pela sociologia e pela comunicação, enquanto se denota muito bem o seu saber da realidade europeia (portuguesa, francesa e inglesa), da América latina (onde fez parte do seu percurso académico), conhecendo ainda a realidade africana, por trabalho directo e investigação científica. Por outro lado, e embora menos perceptível nesta obra, Isabel Ferin dá atenção especial às metodologias científicas, nomeadamente aos diversos métodos quantitativos que usa na investigação, e que podemos encontrar em textos que coordenou como Media e discriminação: um estudo exploratório do caso português (com Verónica Policarpo, Teresa Líbano Monteiro e Rita Figueiras) e A ficção em português nas televisões generalistas: um estudo de caso (com Catarina Burnay e Leonor Gameiro), ambos publicados na revista Observatório (Observatório da Comunicação) [ela já publicou outros textos, mas que eu não inscrevera no trabalho publicado na JJ].
Isabel Ferin é docente no Instituto de Estudos Jornalísticos da Universidade de Coimbra. Anteriormente, ensinou nas Universidades de S. Paulo (Brasil), Lusófona e Católica. Tem o doutoramento em Ciências da Comunicação. Os seus estudos incidem sobre análise empírica dos media, nomeadamente análise de imprensa e de televisão.
Leitura: Isabel Ferin (2002). Comunicação e culturas do quotidiano. Lisboa: Quimera, 168 páginas, preço: € 13
quinta-feira, 22 de setembro de 2005
O programa Spuiten & Slikken - que se pode traduzir por Injecta e Engole [tradução simpática; há uma outra que não me permito aqui reproduzir] -, a começar no próximo dia 10 no canal holandês BNN (orientado para níveis etários jovens), vai mostrar os participantes a consumir drogas e a praticar actos sexuais, após o que farão comentários sobre essas experiências. O produtor Sjoerd van den Broek afirma tratar-se de um programa de informação e não de choque. A ideia, diz ele, é tratar estes assuntos como se fossem peças de teatro, que se podem voltar a ver se gostarmos delas.
Há uma grande discussão em torno do programa, mesmo se tratando da liberal Holanda. Um porta-voz do ministério da Justiça afirmou que algumas partes do programa serão, possivelmente, ilegais, mas ainda não foi tomada qualquer decisão de processar os produtores do programa.
Ao pé disto, o Big Brother e os novos reality shows que a televisão portuguesa passa, apesar de todos os Frotas, são de uma inocência quase total. Pergunto: e, depois disto, o que nos contará a televisão? Não se pode apagá-la?
Fonte: European Journalism Centre, na sua newsletter de hoje
Jemima Kiss escreve hoje no sítio journalism.co.uk sobre a recente publicação de um manual para blogueiros e ciber-dissidentes, editado pelo grupo de liberdade de imprensa Reporters Sans Frontières (RSF). Os blogues são uma boa plataforma para a discussão da liberdade de expressão em países onde as autoridades exercem um controlo apertado sobre os principais media. O anonimato, neste caso, permite que os jornalistas emitam opiniões e ideias alternativas que alcançam uma audiência internacional.
O manual dos RSF fornece conselhos no modo como iniciar, manter e promover um blogue, bem como linhas de conduta éticas e jornalísticas. Oferece ainda conselhos sobre como preservar o anonimato e escapar à censura. Entre os colaboradores do manual encontram-se o jornalista americano Dan Gillmor, blogueiro do Pressthink, o jornalista Jay Rosen e o especialista em censura electrónica Nart Villeneuve. O manual está publicado em inglês, francês, chinês, árabe e persa (ver no sítio dos RSF).
A newsletter de hoje de Cultura e Mercado traz um dossiê sobre indústrias culturais. A newsletter pertence ao Instituto Pensarte, a funcionar em S. Paulo (Brasil), e é coordenada pela Brant Associados.
Ainda não tive tempo de ler os textos editados, o que farei o mais rapidamente possível. Aconselho a que façam uma visita.
Não gosto do título Profissionalismo é a palavra de ordem da nova direcção do DN. Até parece que antes não havia profissionalismo no Diário de Notícias. Mas, se o título não é feliz, tal é menos relevante que o jornal em si. Lê-se logo no começo da peça assinada por Sónia Correia dos Santos (p. 40): "«A palavra profissionalismo é a mais importante», afirmou António José Teixeira, o novo director". E, na p. 5, o editorial Renovar a confiança - título bem mais feliz - começa por "Reafirmamos hoje o compromisso com os leitores quando se inicia uma nova etapa na história do Diário de Notícias". Mais à frente, escreve a (nova) direcção: "A marca de água do nosso trabalho passa pela independência e rigor da notícia e pela clareza da opinião".
Os desejos de muitas felicidades à nova direcção e ao jornal por parte deste seu leitor. O país precisa de uma imprensa boa.
Já quanto ao Público, os parabéns por dez anos de ciberjornalismo. Dez anos na crista da onda, como titula José Vítor Malheiros, sintetiza muito bem o que se escreve em duas páginas (4 e 5) do jornal de hoje. E Malheiros deve ser homenageado pela sua persistência; li, há muito, que ele insistiu no ciberjornalismo do Público, quando a administração não mostrava muito interesse em tal. Teimosias destas merecem aplausos.
Dez anos são muito tempo. De avanços e recuos, de alegrias e tristezas, de grandes notícias e de coisas nem por isso (ou mesmo muito más). Por falta de tempo, fico-me pela referência às páginas de internet do Público ao longo dos anos, como se vê numa das peças, e pela dicotomia entre conteúdos pagos e gratuitos, como outra das peças aponta.
Hoje é um dia importante para o Público e também para os seus leitores.
[continuação e conclusão do texto editado desde 19 de Setembro, baseado em La pensée communicationnelle, de Bernard Miège, editado em 1995 pela editora Pug, de Grenoble]
Etnografia da comunicação, etnometodologia e sociologia das interacções sociais
Os etnógrafos da comunicação, particularmente John Gumperz e Delleds Hymes, demarcam-se dos contributos linguísticos dominantes, e mesmo dos estudos sócio-linguísticos; o que lhes interessa são os actos da palavra em que constituem a unidade de base da comunicação verbal, que procuram apreender graças a um trabalho rigoroso de observação etnográfica das situações de comunicação.
O sociólogo Louis Quéré parte de uma crítica do que considera como sendo o paradigma principal das ciências da comunicação: o esquema emissor-receptor contribui para esterilizar a investigação sobre a comunicação. Um modo de comunicação não se pode reduzir a uma tecnologia de empacotamento e da transmissão das mensagens. Os enunciados postos em circulação no tecido social não agem como simples vectores de informação.
Quéré, que abandona as perspectivas traçadas por Jürgen Habermas para se colocar na filiação da teoria da sociabilidade de Georg Simmel, da teoria da acção comunicativa de G. H. Mead, da teoria da dimensão cénica da vida social de Erving Goffman e da etnometodologia de Harold Garfinkel e de Alfred Schütz, demonstra que uma análise das interacções comunicativas da vida quotidiana tem um alcance sociológico geral; este autor defende a desconstrução dos conceitos das diferentes teorias da comunicação em benefício da criação de processos concretos da organização interna das interacções, numa perspectiva interna, dinâmica e anti-reificante.
Quanto a Erving Goffman, a sua obra mais conhecida é Asiles, onde o autor mostra que o funcionamento de uma instituição controlada como um hospital psiquiátrico produz nos doentes uma série de "adaptações secundárias", negociadas com o pessoal do hospital: territórios reservados, redes internas de comunicação, actividades comerciais, construção de poderes paralelos. Ao contrário do funcionalismo, que se perspectiva dentro do sistema social, o interaccionismo põe o acento no papel do actor na construção do quotidiano. As investigações de Goffman não dependem todas da mesma orientação e muitas correntes da sociologia reconhecem-se nela.
Mas interessa fazer uma referência ao conceito de "quadro", com o qual a sociologia interaccionista propõe uma classificação dos efeitos de sentido nas interacções quotidianas (permitindo ir além das práticas linguísticas e ter em conta as relações de força estruturando as acções quotidianas); com efeito, o contexto das conversas nem sempre permite precisar o sentido da relação, apenas um "reenquadramento" em volta de estruturas da relação dual de comunicação permite aceder ao conhecimento da complexidade das interacções. As perspectivas da etnometodologia são próximas das de Erving Goffman, tornando-se mesmo difícil distingui-las. É sobretudo no estudo das "implicações sociais", nas actividades linguísticas e nos ritos sociais, a que se ligam, desde há meio século, Harold Garfinkel e outros, com o objectivo de actualizar as lógicas sociais à obra na vida de todos os dias.
O conhecimento social produz-se tacticamente na comunicação corrente, em especial na interacção verbal. Daí, a atenção específica que os etnometodólogos dão à linguagem para aceder ao saber implícito dos actores sociais.
As sociologias da técnica e da mediação
Parece que não se devem dissociar o desenvolvimento das técnicas de informação e da comunicação. A finalidade tecnológica implica que cada objecto técnico se adapte quase espontaneamente e sem deslocamento com a procura que lhe precedeu e às que se adaptam facilmente. O telefone móvel responde hoje a uma procura crescente de "comunicações" profissionais a todo o momento e em qualquer local. Apesar dos trabalhos dos historiadores dos meios, que insistem geralmente na complexidade, a lentidão e os insucessos imprevistos na inserção dos meios de comunicação (o telefone, entre outros exemplos, fora concebido para ser um "teatrofone" que permitisse aceder aos espectáculos de ópera e não para favorecer as trocas interindividuais; as técnicas de transmissão rádio demoraram mais de 20 anos antes de dar nascimento à radiodifusão; as tecnologias da informação para o grande público não foram concebidas para facilitar a troca de mensagens).
A emergência de novas máquinas de comunicar, mas também as modificações intervenientes no seio dos media audiovisuais de massa, levam a um desenvolvimento notável de investigações sociológicas, em reacção à concepção finalista. É em torno da questão das modalidades de difusão das técnicas de comunicação nas sociedades que se organiza a reflexão. Desde 1963, Everett Rogers propõe um modelo de análise difusionista: uma inovação é comunicada segundo certos canais aos membros do sistema social, e a sua difusão é tanto mais sólida quanto mais simples e adaptada aos valores do grupo de acolhimento; o modelo põe o acento na existência de etapas (informação, persuasão, decisão, aplicação, confirmação), na necessidade de distinguir diversas categorias de "adaptadores" (inovadores, adaptadores precoces, a maioria precoce, a maioria tardia, os retardatários) e no papel essencial de intermediários.
O modelo difusionista foi retomado sob versões mais ou menos sofisticadas pelos especialistas do marketing. Ela foi criticada por autores como Michael Callon e Bruno Latour, em que os inovadores devem procurar aliados para introduzir a heterogeneidade nos grupos-alvo; os inovadores devem poder traduzir os contributos dos aliados e os "interessar" para as novas técnicas.
Patrice Flichy, criticando o modelo da tradução, centrado no nível micro-social, indica que deve ter-se igualmente em conta os movimentos da técnica e do social na longa duração. O processo é "circular" e iterativo [reiterado, repetido]: uma vez capturado, a procura ajuda a modificar a oferta. Uma inovação só se torna estável se os actores técnicos conseguem criar uma aliança entre o quadro de funcionamento e o quadro de uso.
Para autores como Raymond Williams (os seus trabalhos sobre a história social da tecnologia da televisão, apesar de já contarem décadas, mantêm-se de uma actualidade surpreendente e aplicam-se aos novos meios), insiste-se na necessidade de substituir o estudo dos meios no quadro da transformação das relações sociais para tentar aprofundar a compreensão das interacções que unem a evolução social e a evolução das representações da evolução; os media não são concebidos como simples objectos técnicos, assumindo um dado número de funções sociais ou culturais, mas como os lugares onde se opera cada vez mais pelo simbólico e o discurso, a mediação do poder social.
A recepção das mensagens e a formação dos usos dos media
Pode dizer-se que a recepção era a dimensão escondida e negligenciada da comunicação. Mas hoje, os contributos têm-se multiplicado, pondo em primeiro lugar o leitor, o espectador, o utilizador, o consumidor. A ideia de "recepção negociada", proposta por Stuart Hall, supõe que os receptores descodificam as mensagens, modificando os significados preferenciais na base dos seus interesses e práticas culturais. A negociação torna-se a categoria principal da análise da recepção dos meios, contando com as práticas mais comuns que vão da recusa à adesão. Um grupo social negoceia a sua recepção a partir da sua cultura própria, da sua memória social específica, conhecimentos armazenados, recursos simbólicos.
Os indivíduos operam transacções entre o que vêem no ecrã ou página impressa e o que pensam eles mesmos. Os cultural studies britânicos reúnem-se em torno de autores cujos trabalhos se estendem durante cerca de meio século. Para além do já citado Raymond Williams, um outro contributo de primeiro plano foi o de Richard Hoggart, que estudou as práticas de leitura e a cultura popular da classe operária inglesa. A sua obra The uses of literacy (As utilizações da cultura, na tradução portuguesa) situa-se na convergência do estudo das práticas culturais, da literatura, da sociologia e das ciências políticas.
Em França, segundo Miège, a maioria dos trabalhos consideram a apropriação das novas máquinas de comunicar. Como explicar esta diferença? Sem dúvida, pelo facto do operador de telecomunicações, que encomenda as investigações, favorece este aspecto do conhecimento. Mas pode avançar-se com outras explicações: a presença de perspectivas estuturalistas da semiótica, o carácter ainda pouco legitimado das análises do discurso televisivo ou mesmo do discurso da imprensa; a dificuldade para as análises do discurso em obter metodologias rigorosas.
As "filosofias" da comunicação
O pensamento comunicacional constrói-se a partir de um pensamento sectorial, específico de certos domínios da actividade social. Nos anos de 1980, a comunicação torna-se lugar de produção, se não de sistemas filosóficos (no sentido técnico da expressão), pelo menos de doutrinas ou de interrogações de carácter filosófico. Ao contrário das teorias anglo-saxónicas (para muitos, a emergência do pensamento comunicacional), que explicitam raramente os seus fundamentos e convidam pouco à reflexão filosófica, algumas correntes contemporâneas da filosofia alemã colocam a comunicação no centro das suas interrogações e abrem-se aos debates heurísticos.
Um autor francês que interroga a emergência da comunicação é Jean Baudrillard, dizendo que a comunicação sucede, de qualquer modo, à comunicação. Onde a troca entre homens já não é regulada espontaneamente pelo consenso informal, produz-se um dispositivo formal, um artefacto colectivo que assegura a circulação do sentido. Daí que as técnicas e as ciências da comunicação concorrem para neutralizar os indivíduos, controla-se e reforça-se o seu fechamento na esfera privada. Tudo se comunica e nada se toca; a comunicação é a circulação pura.
Para o alemão Niklas Luhmann, que parte do princípio da auto-referência, há que repensar a comunicação política nas sociedades mediatizadas, marcadas pela supressão da intercompreensão natural e da intersubjectividade. Já Jürgen Habermas, por seu lado, influencia profundamente os que querem pensar, em termos novos, a função dos media na formação das opiniões, a circulação das ideias e a vida política. Inscrevendo-se na posteridade da escola de Frankfurt, as teses de Habermas apoiam-se no princípio da Publicidade (ou espaço público), onde se estuda a génese como faculdade de exercício crítico da razão, depois o declínio nas sociedades contemporâneas, sob o efeito da cultura de massa, da organização da vida política ao ritmo das sondagens e da "administração" da informação.
As posições de Habermas evoluiriam posteriormente. O conceito de intercompreensão reenvia para um acordo racionalmente motivado, obtido entre os participantes. Esta racionalidade pensa-se nos discursos favorecendo a argumentação e nas relações com o mundo dos que agem em termos comunicacionais. A teoria da acção comunicacional constitui um apoio considerável para as ciências da comunicação, mesmo se o espaço feito no seu seio aos media (cujo papel é ambivalente) é relativamente reduzido, se comparado com o interesse dado pelo autor na discussão e na argumentação (permitindo fundar as pretensões normativas de validade nas democracias modernas).
Interrogações actuais
A quase permanente liderança americana na investigação do pensamento comunicacional é, hoje, contrabalançada não por "escolas" nacionais mas pelas produções teóricas na Grã-Bretanha e França, entre outros países, que contribuem a estender as questões e as trocas científicas. E, sobretudo, a "necessidade" de uma maior segurança na ancoragem teórica vem do facto de os fenómenos informacionais e comunicacionais estão, por norma, no centro de um dado número de jogos de sociedade, entre os mais decisivos. A informação tem um valor estratégico, não apenas pela activação das discussões no seio do espaço público, mas sobretudo pela modernização das sociedades e a competição económica; as técnicas de comunicação começam a renovar as "técnicas intelectuais"; o sector dos produtos informacionais, organizado cada vez mais numa base industrial, é considerado pelos detentores de capitais como um dos produtores de valor e, seguramente, o sector da comunicação é um dos valores bolsistas em crescimento regular.
O antropólogo Jack Goody, em The domestication of savage mind, considera o contributo dos sistemas de comunicação, em particular a escrita, na passagem das sociedades de sistemas de pensamento (qualificados de) fechados para sociedades de sistemas de pensamento aberto: as primeiras caracterizam-se pela ausência de pensamento reflexivo e o funcionamento de um discurso social personalizado e propício às identificações; as segundas favorecendo os enunciados impessoais e o pensamento especulativo com uma distinção feita entre enunciado e enunciação.
Quanto à deriva futurológica, os teóricos da comunicação são cada vez menos numerosos quanto à promessa de um "mundo melhor" e um futuro feliz regulado pelas técnicas infográficas ou telecomandadas. Sociólogo da comunicação, Dominique Wolton interessa-se pelas relações entre comunicação e política, e pelas relações televisão/sociedade. Em Elogio do grande público, o autor interroga-se de onde vem a confiança dada à televisão generalista de massa, quando ele anunciara o seu declínio em favor da televisão fragmentada. Esta confiança advém do facto de assumir duas funções parcialmente contraditórias.
A televisão adequada ao espaço público democrático é a televisão generalista porque está à medida do espaço público democrático, na condição de não ser reduzida à baixa gama da televisão comercial. O interesse da televisão generalista é o de abordar todos os assuntos, mas a um certo nível de generalidade. O acento colocado no papel da televisão na formação e manutenção do laço social é uma proposição a reter.
O pensamento comunicacional constitui-se, assim, pelo contributo de autores (geralmente em ruptura com as suas disciplinas ou "escolas" de origem) e pela sistematização de concepções dependentes directamente da actividade profissional e social. Em certa medida, o que melhor define a comunicação é o conceito de campo tal como Pierre Bourdieu precisou: para que um campo ande, é necessário que tenha jogos e pessoas prontas a jogá-los, dotadas de aspectos que implicam o conhecimento e o reconhecimento das leis imanentes do jogo.
quarta-feira, 21 de setembro de 2005
[continuação do texto de ontem e anteontem, baseado em La pensée communicationnelle, de Bernard Miège, editado em 1995 pela editora Pug, de Grenoble]
Em 1983, Jean-Louis Missika e Dominique Wolton, em La folle du logis, classificariam as correntes comunicacionais em torno de um bipolo trabalhos empíricos/contributo crítico.
O "pensamento crítico" é, por seu lado, um conjunto multiforme. No sentido restrito e específico, diz respeito à escola de Frankfurt, e em especial aos trabalhos de Theodor W. Adorno sobre a indústria cultural e o estatuto da arte nas sociedades capitalistas avançadas, assim como as produções de Herbert Marcuse. Consideram Adorno e Horkheimer que o filme e a rádio não têm necessidade de se fazer passar por arte, pois não são mais do que bussiness. A si próprias definem-se como uma indústria. A tecnologia da indústria cultural só produz estandardização e produção em série. A passagem do telefone à rádio estabeleceu uma clara distinção entre os papéis: liberal, o telefone permite ainda ao assinante desempenhar o papel de sujeito. Democrática, a rádio transforma todos os participantes em ouvintes e submete autoritariamente aos programas de diferentes estações, que se parecem todas umas com as outras.
Uma outra corrente é a que emana do pensamento de McLuhan. Há três intuições de McLuhan (que segue Harold Innis de muito perto): 1) a ideia que o facto essencial na comunicação não é o discurso mas os próprios meios, 2) o transporte desta ideia para a história cultural das sociedades, 3) um certo optimismo norte-americano [no caso, canadiano], tingido de humanismo, mas onde não leva em conta os conflitos de interesse das forças sociais na evolução dos meios.
Os anos 1960 representam para o pensamento comunicacional, assim, uma diversificação e uma "consistência" teórica. Mas o que caracteriza sobretudo a primeira etapa da sua evolução, é a conjunção de um modelo (cibernético), um contributo (empírico-funcionalista), uma axiomática e um método (estruturalismo).
A economia política (crítica) da economia
Os autores ligados a uma concepção de economia política introduzem a "dimensão" económica no estudo dos fenómenos informacionais e comunicacionais. Os economistas críticos sofreriam a influência da escola de Frankfurt. Os autores são americanos (Herbert Schiller, Dallas Smythe) ou europeus (Nicholas Garnham, Graham Murdock, Armand Mattelart, Enrique Bustamante e Ramón Zallo), não constituindo propriamente uma escola, pois os seus trabalhos não abordam os mesmos temas e as diferenças entre eles são sensíveis. Mas têm em comum o interesse em evidenciar a face económica (bastante esquecida) da comunicação, a formação dos grandes grupos económicos transnacionais, os fenómenos de dominação que daí resultam, e os aspectos estratégicos dos fluxos transnacionais de dados ou de produtos culturais.
Como se explica o impacto de todos os trabalhos? Há três razões. Uma é a da novidade em não limitar a análise da dominação cultural a uma perspectiva relevante da estética ou da sociologia cultural de massa. Depois, evita qualquer deriva para o "economismo", casos de Armand e Michèle Mattelart, que desenvolvem um contributo insistindo igualmente nos aspectos geo-estratégicos e socioculturais. Em último lugar, o debate conflituoso sobre a "nova ordem mundial da informação e da comunicação" serviu, de certo modo, para popularizar as teses da economia política crítica da comunicação.
As perspectivas teóricas de Armand e Michèle Mattelart aprofundaram-se e inflectiram: Penser les médias marca uma evolução para a aceitação de "novos paradigmas", tirados, por exemplo, de Michel Foucault, para pensar a relação aos meios. Onde se afirma uma perspectiva que se quer genealógica de temas como a reabilitação do sujeito, o papel da memória, o papel da sociedade civil na construção quotidiana da democracia, a importância do local, o declínio do macro-sujeito Estado, o prazer provocado pela televisão. Os autores, recusando as visões lineares (como o esquema canónico da comunicação e o das relações unívocas entre centro e periferia) e pondo em causa as posições deterministas (as da evolução da história das sociedades humanas e as que tratam o progresso técnico), apelam para uma transversalidade dos contributos, a única capaz de distinguir a confusão da multiplicidade das causas e dos efeitos e da diversidade dos sujeitos históricos.
Para Bernard Miège, o nosso autor, torna-se necessário pôr em evidência o papel central da função de editor na produção dos produtos culturais e a partilha do conjunto das produções industriais da cultura e da informação. Miège tenta identificar os movimentos de longa duração que constituem as "lógicas sociais da comunicação". O contributo coloca-se na perspectiva da ultrapassagem quer da análise estratégica quer da teoria habermasiana do espaço público (muito centrada no funcionamento da imprensa de opinião e bastante fechada às novas formas de comunicação social, e por exemplo às que se desenvolvem a partir dos meios audiovisuais de massa).
As lógicas sociais da comunicação - continua Miège - assentam nos processos de produção e nas práticas de consumo ou dos usos; elas não são fixas definitivamente, mas modificam-se regularmente; aparentam-se aos movimentos estruturantes-estruturados identificados por Pierre Bourdieu, mas são específicos ao campo da comunicação social. Deve-se negar a aparência que se dá da esfera das comunicações: não é um espelho onde se reflecte a actualidade, não é um local público, mesmo electrónico, como diz McLuhan, mas constitui o lubrificante geral das relações sociais de produção, de consumo, de troca, de reprodução. Comunicar, num estádio onde uma sociedade criada em permanência de novas condições gerais de produção, circulação e consumo, serve para ajustar as relações sociais conforme as condições.
A pragmática
Existe uma "gramática" dos comportamentos utilizadas nas trocas interpessoais? Estas "regras" do comportamento têm a ver com a comunicação humana? A estas questões, os membros da escola de Palo Alto respondem pela afirmativa, retomando o axioma fundamental de Paul Watzlawick, "pode-se não comunicar". Para Yves Winkin, a comunicação é um processo social permanente, integrando múltiplos modos de comportamento: a palavra, o gesto, o olhar, a mímica, o espaço individual. Não se trata de fazer uma oposição entre a comunicação verbal e a comunicação não verbal: a comunicação é um todo integrado. Os teóricos de Palo Alto desenvolvem a analogia da orquestra, onde se compreende como cada indivíduo participa na comunicação dando um contributo afinado com os outros elementos. O postulado fundamental de uma gramática do comportamento é o de cada um utilizar trocas diversas com os outros. O modelo orquestral opõe-se ao modelo telegráfico, em que aquele considera a comunicação no sentido inicial da palavra comunicação, o tornar comum, a participação, a comunhão.
A pragmática é usada no sentido etimológico do termo grego praxis, as relações de indivíduo para indivíduo. As interacções sociais, e particularmente as relações intersubjectivas, estão na base do sentido, estruturam o funcionamento da vida em sociedade. Esta definição de pragmática distingue-se do uso feito do mesmo termo pelos linguistas, caso de Austin, que se interessa pelos actos de linguagem.
Segundo Miège, esta posição teórica fundamental visa considerar a comunicação como um fenómeno social integrado, e explica muito o sucesso e a rápida difusão das teses da escola de Palo Alto, pois se inscreve na reacção contra os modelos então em vigor, caso do "esquema canónico da comunicação". Além disso, pretende estabelecer uma ponte entre o relacional e o societal, entre o que regula as relações interindividuais e as relações sociais.
A escola de Palo Alto está próxima do funcionalismo clássico, como considera Paul Attalah: a psicoterapia de Palo Alto pretende coincidir o comportamento individual com as normas sociais; uma forma de evitar o paradoxo e o sofrimento que resultam dos comportamentos "disfuncionais" é, de facto, conformar-se com as normas sociais. O funcionalismo clássico e a escola de Palo Alto partem do pressuposto de um sistema que interessa manter. A forma homeostática destes sistemas é, de um lado, o pluralismo social ligado à autonomia e à liberdade individuais, e, do outro lado, a integração psíquica (a normalidade). As disfunções que marcam os sistemas chamam-se descontentamento social ou esquizofrenia, conclui Attalah.
terça-feira, 20 de setembro de 2005
Foi ontem à noite a festa dos Prémios Gazeta 2004, do Clube de Jornalistas, patrocinado pela PT Comunicações. A cerimónia decorreu na bela sede do Clube, à rua das Trinas, aqui em Lisboa. Presentes, para além dos premiados, o presidente da República, o presidente da PT e muitos jornalistas e amigos do jornalismo.
O Grande Prémio Gazeta foi atribuído a Anabela Saint-Maurice (RTP1), pelo trabalho Quando o comboio apitar, sobre a reabilitação do caminho de ferro de Benguela (Angola). O prémio Gazeta Revelação foi atribuído a José Eduardo Fialho Gouveia (O Independente) [e que honra a memória do seu pai, figura inesquecível da televisão pública]. O prémio Gazeta de Mérito foi atribuído ao veterano Armando Baptista-Bastos, pela sua carreira de mais de 50 anos (eu não sabia o primeiro nome deste ímpar jornalista, dada a sua popularidade como B-B). Finalmente, o prémio Gazeta Imprensa Regional coube ao matutino madeirense Diário de Notícias (Funchal), caracterizado pela sua independência na informação numa área geográfica de complicada situação política.
O Clube dos Jornalistas atribui os prémios desde 1984, com o objectivo de estimular a qualidade do jornalismo. O Clube edita a revista trimestral JJ - Jornalismo e Jornalistas, na qual este blogueiro tem publicado alguns textos.
[continuação do texto de ontem, baseado em La pensée communicationnelle, de Bernard Miège, editado em 1995 pela editora Pug, de Grenoble]
O contributo empírico-funcionalista dos meios de massa
Esta corrente é, afinal, uma multiplicidade de autores e de escolas e mantém um forte poder explicativo na medida em que tem laços estreitos com os grandes media, as organizações profissionais ou as escolas de jornalismo. Os iniciadores da perspectiva funcionalista seriam Paul Lazarsfeld, Carl Hovland e Harold Lasswell.
Lazarsfeld conduziu os primeiros estudos de audiência da imprensa e da rádio e, em 1944, publicou The people’s choice, protótipo das entrevistas na formação de opinião durante as campanhas eleitorais. Carl Hovland é o psicossociólogo do trio, interessando-se pelos fenómenos de persuasão nos pequenos grupos, assim como os processos de formação das opiniões individuais. A ele se deve o sleeper effect (os efeitos de uma mensagem podem ser mais fortes ou mais fracos, na recepção e ao fim de algum tempo).
Quanto a Lasswell, após os trabalhos de politologia sobre a imprensa e as elites, interessa-se pelos fenómenos de propaganda e pelo funcionamento dos meios de massa. A Lasswell deve-se a definição de acção de comunicação, que responde às seguintes questões: quem?, diz o quê?, por que canal?, a quem?, com que efeito? O estudo científico do processo de comunicação tende a centrar-se numa ou noutra das questões. O especialista do "quem" (o comunicador) liga-se ao estudo dos factores que engendram e dirigem a comunicação. Designamos esta subdivisão do domínio, "análise de controlo" (control analysis). O que estuda sobretudo a rádio, a imprensa, o cinema e outros canais de comunicação, participa na "análise dos media" (media analysis). Dado que o centro de interesse é constituído pelas pessoas atingidas pelos media fala-se de "análise de audiência" (audience analysis). Se o problema tratado é o do impacto sobre os receptores, trata-se de uma "análise dos efeitos" (effect analysis). Lasswell traçou, assim, um programa de trabalho, dirigido a universitários, responsáveis dos media e dirigentes políticos.
O paradigma de Lasswell integra os contributos dos outros dois autores e perspectiva-os, propõe explicitamente uma teoria funcionalista dos media e, na sua origem, diferencia-se profundamente do modelo cibernético. Os cibernéticos interessam-se pela circulação da informação no conjunto da sociedade, os funcionalistas ordenam a reflexão em torno do papel dos meios de massa, e de uma teoria da influência. Os funcionalistas deslocam o eixo das preocupações para a fraqueza dos meios e a autonomia dos consumidores, de que destacam a racionalidade dos comportamentos. São os primeiros a sustentar a ideia que os media contribuem para a "democratização" da cultura.
Merton insiste na função de reforço das normas sociais, caso da publicitação e da extensão da notoriedade dos temas e das personalidades, não atribuindo aos meios a função de evasão. O funcionalismo, de que se costuma sublinhar a estreita concordância com a sociedade americana, acompanhou o desenvolvimento dos grandes grupos de pressão e de comunicação, mesmo no exterior dos Estados Unidos. O contributo empírico-funcionalista conheceu a sua idade de ouro durante o decénio de 1950. Em 1955, a teoria dos two step flow of communication, de Elihu Katz e Paul Lazarsfeld, constitui a primeira rectificação da teoria da manipulação de massa, conhecida posteriormente sob o nome de teoria da agulha hipodérmica, que pressupunha que os media de massa tinham efeitos directos sobre os utilizadores dos media. Merton, Katz e Lazarsfeld, em Personal influence, ligam a comunicação de massa e a comunicação interpessoal. As mensagens dos media, interessando às questões políticas, moda, cinema ou consumo dos bens, atinge as pessoas mais implicadas e influentes; são elas, consideradas como líderes (ou condutores) de opinião que vão difundir as mensagens, essencialmente nas relações face a face mantidas no seio de grupos mais restritos. O estudo interessa-se igualmente pelas características dos líderes de opinião.
O modelo faz relativizar os efeitos directos e não mediatos da comunicação, e produz uma plasticidade capaz de se encontrar na multiplicidade de exemplos: a estratificação dos públicos de televisão (Glick e Levy), a função da "agenda" (Mc Combs e Shaw), a "espiral do silêncio" (Noëlle-Neumann), a análise dos uses and gratifications dos meios pelos utilizadores (Katz et al.), a eficácia cultural e "civilizacional" da televisão (Gerbner et al.), o papel das tradições culturais na recepção das séries televisivas (Katz e Liebes).
A função da agenda assumida pelos media (agenda-setting) [agendamento] chama a atenção dos públicos, não apenas sobre as personalidades que fazem de estrelas, mas também sobre os acontecimentos ligados em particular à actividade política ou aos movimentos sociais. Contribui para definir o calendário dos acontecimentos e estabelecer uma hierarquia entre os sujeitos. A função de estruturação da vida social é mais manifesta dado que os leitores e ouvintes não têm a possibilidade de dar atenção à multitude de mensagens difundidas. Desde a distinção feita por Mc Combs e Shaw da função de análise, muitos estudos, analisando as primeiras páginas das revistas ou os títulos dos telejornais, esforçam-se em verificar a hipótese ou em a prolongar.
Quanto à especialista de estudos de opinião, Elizabeth Nöelle-Neumann, ela defende a ideia que os media estruturam as percepções e as opiniões das pessoas que tendem a reforçar o consenso em torno de pontos de vista dominantes. Por uma espécie de espiral do silêncio, os indivíduos, dispostos à partida a exprimir opiniões minoritárias ou impopulares, são incitados a não o fazer, com receio de se encontrarem isoladas socialmente: "Exprimir a opinião oposta, realizar uma acção pública em seu nome, é correr o risco de se encontrar isolado. Pode-se descrever a opinião pública como sendo a opinião dominante que comanda uma atitude e um comportamento de submissão, ameaçando de isolamento o indivíduo recalcitrante, e o político de uma perda de apoio popular". No processo, a responsabilidade dos meios está directamente envolvida, tanto mais que há um acordo relativo entre os jornalistas sobre os acontecimentos que devem ser considerados como prioritários.
Elihu Katz, desde 1959, e Wilbur Schramm, em 1971, tentam romper com a visão linear da comunicação que implicou o estudo empírico dos efeitos orientando-os para os inquéritos não para o que a televisão faz às pessoas mas para o que as pessoas (e sobretudo as crianças) fazem da televisão).
O contributo uses and gratifications (usos e satisfações, ou gratificações) inverte o esquema emissor/receptor: o indivíduo, de qualquer modo, dialoga com os meios em função das necessidades consideradas como preexistentes (num estudo realizado em 1973, Katz e os seus colaboradores concluíram pela existência de 35 necessidades classificadas em 5 categorias: necessidades cognitivas, afectivas, relacionais, de evasão e de integração), a que correspondem os meios específicos próprios para satisfação. As críticas a esta teoria são próximas das feitas à teoria económica clássica do "consumidor racional": fundamento psicológico da necessidade; individualismo; posicionamento aqui dos meios, ali dos mercados face aos mercados, das lutas de classes ou dos movimentos sociais; mediacentrismo vs acento no papel de ajustamento do mercado; negação do carácter socializado das práticas culturais.
O método estrutural e as suas aplicações linguísticas
Para além das perspectivas cibernética e empírico-funcionalista, Mièges destaca uma terceira corrente fundadora do pensamento comunicacional, o método estruturalista.
A comunicação ocupa um lugar central na obra de Lévi-Strauss. Por seu lado, Roland Barthes distingue, na obra narrativa, três níveis de descrição: funções, acções e narração. O projecto semiológico, apesar de tudo, não conseguiu senão consagrar-se ao estudo das obras de cultura superior: obras literárias, pictóricas e fílmicas, repetindo análises análogas em corpos vizinhos: durante os anos de 1980, as problemáticas diversificaram-se, e o método estrutural não beneficia da mesma aura. O seu contributo foi essencial à análise das mensagens visuais, sonoras e audiovisuais e deu um impulso, ainda hoje observável, caso dos contributos do discurso publicitário, da banda desenhada e dos programas televisivos, que integram elementos extra-semiológicos como as estratégias de enunciação ou a análise da recepção. Uma outra evolução marcante vem da crítica ao modelo de Saussure por autores como Hjelmslev, Greimas, Jakobson e Peirce.
segunda-feira, 19 de setembro de 2005
Escreve ele em Fin de Semana Culturagalega.org, elencando um conjunto de blogues: "Indústrias Culturais - O blo de Rogerio Santos. Abraia pola cantidade e calidade da información que sobre a sociedade da información vai recollendo de aquí e acolá. Indispensable para saber das tendencias sobre esta cuestión".
Recupero uma notícia saída no Público de 11 de Agosto, assinada por Rita Siza, e que dá conta de um próximo entendimento entre a NBC Universal e a Dreamworks, com esta a ser adquirida por aquela. O texto fala em €830 milhões.
Tanto a NBC Universal como a Dreamworks atravessam um período financeiro difícil. Quanto à cadeia televisiva NBC tem vindo a perder audiências ao passo que Cinderella Man, filme sobre o qual escrevi aqui a semana passada, tem-se revelado um fracasso nas bilheteiras. Já no tocante à Dreamworks, o filme A ilha, que eu fiz também aqui uma breve referência, de Michael Bay, está igualmente a ser um flop, ele que custou €108 milhões.
A Dreamworks tem recorrido à Universal, através da United International Pictures, para a distribuição de filmes e DVDs, desde a sua criação, em 1994. A Dreamworks produziu apenas 60 filmes, conquanto muito premiados com óscares.
A ocorrer, a aquisição acaba com o sonho de produtoras independentes face ao "sistema" de Hollywood, com a Dreamworks a seguir os passos da Miramax. Ambas foram responsáveis por grandes sucessos dos últimos anos, assim como a revelação do realizador Quentin Tarantino (Pulp Fiction, da Miramax), a consagração de actores como Tom Hanks (O resgate do soldado Ryan, da Dreamworks) e renovação do género animado (Shrek, Finding Nemo, Madagascar).
O texto de Rita Siza considera que o falhanço da Dreamworks passou pela ambição inicial - para além da produtora cinematográfica, a Dreamworks incluia ainda televisão, música e novas tecnologias. Só a primeira conheceu sucesso. No caso das novas tecnologias, o lançamento da internet nunca se realizou e a unidade de videojogos foi vendida, como o fora a etiqueta musical.
[imagens retiradas dos sítios Dreamworks SKG e Madagascar]