quinta-feira, 1 de setembro de 2005

FONTES DE INFORMAÇÃO (I)

[Texto publicado electronicamente pelo autor num grupo de discussão de estudiosos dos fenómenos mediáticos – Diário dos Media, 2001 (4 de Fevereiro de 2001), cujo mentor era Mário Mesquita –, aqui adaptado e dividido em duas partes].

Mudanças de Presidente e de jornalistas

O texto “Mudanças na Casa Branca e nos jornalistas em Washington”, editado pelo Diário de Notícias (29.1.2001) – assinalado por elementos deste diário –, teve um curioso contraponto numa peça saída no Público (24.1.2001), acerca de um memorando que circulou no interior do governo trabalhista inglês, descrevendo as ligações e inclinações políticas de jornalistas e comentadores.

No primeiro texto, dá-se conta do acompanhamento da mudança de partido na Presidência americana e de jornalistas correspondentes dos principais meios de comunicação. Estes trataram de substituir jornalistas conotados com o partido democrático por republicanos, na esperança de um maior entendimento noticioso e obtenção de exclusivos. No texto, escreve-se que, “no jornalismo político um dos elementos fundamentais para o sucesso é ter fontes e relações privilegiadas com os homens que estão no poder”. E essa relação passa por amizades antigas entre jornalistas e políticos ou por um jornalista ter sido pensado para porta-voz da campanha presidencial.

O texto saído no Público refere um documento, elaborado por responsáveis políticos do gabinete de imprensa do Governo inglês, sobre ambições, influência e confiança dos jornalistas que reúnem diariamente com o executivo. O documento ordena os jornalistas segundo uma graduação política, indo da direita à esquerda. Um comentador de direita deve ser incluído nos encontros e conferências de imprensa porque é levado a sério. Outro, obcecado com a Europa e a liberdade de informação, é muito influente junto dos eleitores trabalhistas. Um terceiro é descrito também como influente, pois as suas crónicas aparecem em lugares destacados no seu jornal. Um quarto jornalista é apontado como mestre das fugas de informação e um influente repórter político junto do parlamento, sem nunca aparecer na televisão e revistas.

Ambas as peças, de dimensão reduzida, reflectem um aspecto fundamental da produção das notícias: a relação entre jornalistas e fontes de informação. Esta relação é considerada bailado estratégico (Michael Schudson, The power of news, 1996, p. 3), cultura partilhada (Jay G. Blumler e Michael Gurevitch, The crisis of public communication, 1995, p. 36) e transacção e negociação (Richard V. Ericson, Patricia M. Baranek e Janet B. L. Chan, Negotiating control: a study of news sources, 1989, p. 377) entre a confiança e a suspeita (Paolo Mancini, Between trust and suspicion: how political journalists solve the dilemma, 1993) e a cooperação e o conflito (Hans Peter Peters, A interacção entre jornalistas e peritos científicos, 2000).

Gostaria de destacar algumas características desta relação, partindo das peças jornalísticas e da bibliografia acima referidas. Salientaria as estruturas em que tal relação assenta, as suas estratégias e a cultura a elas subjacentes. Além disso, queria especificar conceitos como centralização dos serviços de informação governamental, circularidade profissional entre jornalistas e fontes políticas e produção de factos.
De início, quero comentar as estruturas das fontes de informação. Duas notícias servem este propósito. A primeira foi publicada no Expresso – "Revista" (22.2.1997), descrevendo a equipa de António Guterres, então primeiro-ministro. O texto de Orlando Raimundo mostrava o modo como o governante compõe os discursos. Passeando-se por uma sala, ditava as ideias a uma secretária, que depois as passava ao computador. Era sobre este esboço que Guterres trabalhava, cortando e acrescentando. Mas ele preferia os improvisos, a partir de tópicos que tem em pequenos papéis – a que chama ficha-guiões. Aparentemente, Guterres estruturava sozinho os seus textos.

A notícia continua com a descrição do gabinete de Guterres, em que havia uma relação directa com os seus assessores, dada a importância mediática crescente destes. Os assessores de imprensa eram os primeiros funcionários políticos com quem o governante se avistava todos os dias. Em reunião às segundas-feiras, pelas 10 horas, onde se preparava a agenda semanal do primeiro-ministro, eram analisados os acontecimentos previstos e tomadas decisões. Guterres não assistia, mas, entre os ministros mais próximos e chefes de gabinete, encontravam-se os assessores de imprensa do primeiro-ministro. Por outro lado, estes, em reuniões da própria assessoria, analisavam, pormenorizadamente, muitos assuntos, nas vertentes políticas e técnicas, e contactavam os ministérios para recolher pareceres e opiniões e auscultar sensibilidades. Os dossiers eram encaminhados ao chefe de gabinete, que os debate com os especialistas das respectivas áreas.

Da equipa de 1997, para além de Luís Patrão como chefe de gabinete, a assessoria de imprensa era constituída por António Santos (antigo autor do programa de rádio “Noites longas do FM Estéreo” e pivot da Informação 2), que chefiava a assessoria, David Damião (jornalista que cobrira as legislativas de 1995 para a Rádio Renascença) e Miguel Laranjeiro (que assumira a direcção do gabinete de imprensa do PS quando Guterres chegou a secretário-geral do partido e o acompanhou nas funções de primeiro ministro). Aqui, como se comprova também na análise da notícia seguinte, há uma frequente “transferência” das redacções para as assessorias de imprensa.

Uma segunda notícia, também do Expresso (11.11.2000), intitulada “Os homens do Presidente”, seguia a campanha presidencial de Jorge Sampaio (jornalista Ângela Silva) e de Ferreira do Amaral (jornalista Sofia Rainho). Sampaio, na campanha, contava com a porta-voz Fernanda Mestrinho (jornalista, até pouco tempo antes membro da direcção de informação da RTP) e os assessores de imprensa António Manuel e João Gabriel, entretanto desvinculados dos seus lugares exercidos na presidência da República (aqui, na assessoria, ficaria Elisabete Caramelo, ela própria jornalista da TSF até à primeira vitória de Sampaio). Um outro nome interessante para análise da estrutura de comunicação do candidato: Francisco Ferreira Gomes, especialista em publicidade e marketing.

Do lado de Ferreira do Amaral, a equipa contava com Barreiras Duarte, coordenador-geral e porta-voz do candidato (estivera ligado a movimentos cívicos, como o do movimento contra as portagens do Oeste) [e futuro secretário de Estado com funções ligadas à comunicação social nos governos de Durão Barroso e Santana Lopes] e Hiran Pessoa de Melo (consultor de marketing político). No gabinete de imprensa, Fernando Lima (antigo assessor de imprensa de Cavaco Silva, entretanto regressado ao lugar de redactor principal do Jornal de Notícias [mais tarde chegou a dirigir o Diário de Notícias]) escrevia os discursos do candidato e José Paulo Fafe, ex-jornalista, fazia os contactos com a comunicação social.

[continua]

Sem comentários: