quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Ainda sobre as rádios locais

Há 30 anos, o país discutia a legislação das rádios livres. Um dos animadores do movimento das rádios livres foi António Colaço, primeiro na Rádio Antena Livre (Abrantes) e depois na Rádio O Ribatejo (Santarém). Ele foi um grande animador de encontros das rádios e artífice da emissão em cadeia (17 de novembro de 1988, com cerca de duas centenas e meia de rádios com RM sobre temas da sua freguesia, concelho ou distrito).
Na entrevista que lhe fiz a semana passada, António Colaço recordaria outros pioneiros do movimento das rádios livres, como João Duarte Soares, Daniel Guerra, Antonio Silva Oliveira e Bernardino Guimarães. E Pedro Rolo Duarte (semanário Sete) e Amílcar Mascarenhas.
Outra entrevista a António Colaço, no livro organizado por Ana Isabel ReisFábio Ribeiro e Pedro Portela (2014, capa ao lado), pode ser lida em aqui. Junto ainda parte do artigo de Kathleen Gomes (Público, 24 de dezembro de 1998) e artigo de António Colaço (O Ribatejo, 21 de novembro de 1996).


 


segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

De novo, a rádio em Angola no período colonial

A Diamang (Companhia de Diamantes de Angola) tinha, na época colonial, uma estação de rádio, a emitir do Dundo, conforme se lê no relatório e contas da administração apresentado em assembleia-geral em junho de 1952 (Diário do Governo, III Série, de 15 de julho de 1952).

A ênfase, no relatório, é dada à Casa do Pessoal, responsável pela biblioteca (mais de cinco mil volumes), bilhares, ténis de mesa e de campo, e festas de Carnaval, santos populares e passagem de ano no então recente edifício do Dundo. Quanto a programas de rádio, havia música gravada (clássica, de concerto e de dança), peças de teatro radiofónico e palestras, incluindo as comemorações de datas históricas portuguesas. A discoteca tinha mais de 2500 discos (certamente de 78 rotações por minuto) e a estação emitia em 7070 kHz (ondas curtas).

Sobre a Rádio Diamang, retiro a informação de http://angolaradio.webs.com/, de Diamantino Pereira Monteiro: "A Rádio Diamang arrancou em 1946, com um emissor de 400W. Propriedade da Companhia de Diamantes de Angola - Diamang - a emissora nasceu para servir a significativa colónia de funcionários da empresa, um potentado económico que detinha o exclusivo da exploração e venda de diamantes em toda a região das Lundas. Por esse motivo, e porque funcionava em regime quase fechado, a Rádio Diamang não se enquadrava de todo no panorama da radiodifusão angolana, bipolarizada entre a rádio estatal e os rádio clubes".

No relatório da Diamang, não há indicação de locutores ou editores, mas o cartão QSL da estação indica a chamada: "Aqui Dundo, Estação Emissora da Companhia de Diamantes de Angola" (cartão inserido na página de Diamantino Pereira Monteiro). E menciona os nomes dos diretor-geral e técnico. A rádio era um dos entretenimentos do pessoal de raça branca a trabalhar ali (o cartão QSL alarga a música para a nativa, mas isso seria uma "conquista" recente, de finais da década de 1960).




domingo, 28 de janeiro de 2018

Teatro radiofónico de Álvaro Belo Marques

Álvaro Belo Marques (1931-2017) escreveu um texto intitulado Rádio-Drama (1986), com 72 páginas, a problematizar a produção de teatro radiofónico. Na Emissora Nacional (1974-1975), foi responsável pela produção de teatro radiofónico, com peças suas e de outros autores (Jornal de Notícias, 19 de outubro de 1974, 26 de julho e 11 de agosto de 1975).




sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Sobre o desaparecimento da livraria Leitura (Porto)

"Estava ainda em processo de digestão da despedida da sua biblioteca e acervo de arte decretada por “necessidade” quando, esta semana, uma outra notícia chegava para o entristecer. Fernando Fernandes soube por um jornalista do fim da Leitura, a livraria que fundou em 1958, ainda sob o nome de Divulgação, e que por quase 50 anos foi “espaço de resistência” e lugar de culto para quem gostava de livros”. A livraria decretou insolvência no último 15 de janeiro. Os quatro trabalhadores tinham salários em atraso há cerca de um ano.
A minha memória cultural da livraria Leitura remonta à década de 1970. A livraria vinha na sequência da livraria Divulgação (1958), que domiciliava gente da cultura e das artes da cidade, em especial a conotada com a oposição política: José Augusto Seabra, Carlos Porto, João Guedes (ator), Eugénio de Andrade, Egito Gonçalves, Fernando Guimarães, Rebordão Navarro, Óscar Lopes, Ramos de Almeida, Dinis Jacinto e Alves Costa. Sessões de autógrafos de escritores como Aquilino Ribeiro, Rodrigues Miguéis, Ferreira de Castro, Jorge de Sena e Orlando da Costa encheram a livraria até à rua. No mesmo mês de junho de 1958, uma exposição coletiva englobou obras de Amadeu de Sousa-Cardoso, Almada Negreiros, Dórdio Gomes, Carlos Botelho, Júlio Resende, Mário Eloy e outros. Como livreiro, Fernando Fernandes nunca dizia “não temos” ou “está esgotado”.
O jornal, no texto de hoje, fala do livreiro como profissão em extinção. Estou de acordo, mas penso num quadro mais vasto. A livraria Divulgação, depois Leitura, era vizinha dos estúdios de Rádio Clube Português, inaugurados na mesma época, transferidos para a rua de Tenente Valadim no início da década de 1970, e do café Ceuta, espaço de tertúlia e sala de bilhares, hoje uma sombra do passado. E ainda da principal central telefónica da cidade, na esquina da rua da Picaria com a rua de Ceuta. A estação telefónica perdeu impacto. A Faculdade de Letras, não muito longe (junto ao hospital de Santo António), afastou-se dali em meados da década de 1970. Outra livraria, quase junto à Leitura, a Livros do Brasil, fechou há talvez dez ou quinze anos. Agora, a zona não é de indústrias da cultura mas de restauração, de oferta orientada para a francesinha (até a loja dos bolos "éclaires" mudou de perfil). Quem sobe hoje a rua de Ceuta vê edifícios em recuperação, sinal do desinvestimento da zona. A livraria ressentiu-se muito disso.
Entrar nos últimos anos na livraria era uma tarefa triste. Eu recordo a alegria do lançamento de um livro meu em 1997, a inaugurar a coleção Comunicação, dirigida por Mário A. Mesquita, integrada na Editora MinervaCoimbra. E, durante a década de 1980 e parte da década de 1990, onde comprei muitos livros de arte e estética para aulas na Árvore, cooperativa de ensino artístico, realço o atendimento conhecedor dos livreiros e a permanente atualidade. A Leitura chegou mesmo a produzir um catálogo regular com títulos e capas, um grande esforço de divulgação do livro de cultura (literatura, arte, ciências sociais e humanas), mal designado como técnico, como uma fatura de livro que ali comprei e que anexo.



quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Começo da discussão da lei das rádios livres

Está quase a fazer 30 anos que se discutiu a Lei da Rádio, aprovada no final de 1988, muito em resultado da criatividade das rádios livres (ou rádios piratas).

Mas gostaria de voltar um pouco antes. Em 1984, a conferência mundial das radiocomunicações em Genebra decidira atribuir mais três frequências de FM de cobertura nacional. Dessas, uma seria atribuída à RDP (rádio do Estado, a Antena 3) e uma à Rádio Renascença (da Igreja Católica, a RFM). O secretário de Estado de então era Anselmo Rodrigues.

Em dezembro de 1986, o parlamento, com maioria de esquerda, pretendeu reverter o diploma, com a retirada das frequências da RDP e da Rádio Renascença. O presidente da República, Mário Soares, vetou a lei no final do ano. Para ele, as leis não deviam servir de pretexto ou bandeira para criar divisões entre os portugueses. O veto recolheu apoio na direita parlamentar e estranheza no PS, então liderado por Vítor Constâncio, que sucedera a Soares. O parlamento confirmaria, contudo, a sua posição, ao manter a reversão da atribuição das recentes frequências aos dois grupos de rádio.

Definiram-se duas posições fortes. Do lado da esquerda, defendia-se a posição do parlamento: estavam a emergir as novas rádios (livres), que podiam concorrer a três licenças nacionais e não apenas a uma. O texto do semanário O Jornal (30 de janeiro de 1987) acompanha, sem necessariamente o refletir, esse ponto de vista. Já a peça do Semanário (7 de fevereiro de 1987) enfatiza a posição de um dos grupos de rádio que ia perder uma licença, a Rádio Renascença.

Embora questão distinta do problema de 1974-1975, pela altura da ocupação dos estúdios da Rádio Renascença em Lisboa por um grupo de profissionais radiofónicos (locutores e técnicos), parecia renovar-se a luta. Entretanto, o governo caiu e o parlamento mudou para uma maioria de direita política, que apostaria não nesta questão mas no concurso das rádios livres.

A análise das forças e interesses diferentes em jogo fica para outra altura e local.




quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Minuto de Ódio (Rádio Caos)

"O Minuto de Ódio foi um programa de rádio criado em 1986 por Neno Costa e David Pontes, na Rádio Caos. A Caos foi uma das primeiras rádios “livres” - também conhecidas por “piratas” - a operar em Portugal e a primeira no Porto, nos inícios da década de 1980. Os “estúdios”, situados no último andar de um prédio relativamente antigo da Praça da República portuense, limitavam-se a duas salas, uma das quais (do tamanho de uma marquise) servia de cabina para as longas horas de emissão, na frequência 93.4 MHz. O “autor” – eram todos “autores de programas” cheios de personalidade, originalidade, experimentalismo e títulos impensáveis – sentava-se numa cadeira giratória de napa e manipulava ele próprio a mesa de mistura, posta ali mesmo à sua frente. De manhã até de madrugada, a Caos era um oásis de música “alternativa”, comentários curtos e em voz grave e séria, algum noticiário, alguns entrevistados, tudo feito com o amadorismo próprio de uma rádio livre. Os programas emitidos na Caos obedecerem (pelo menos em princípio...) a um “projeto” previamente entregue aos “diretores” da rádio. O Minuto de Ódio dedicava-se à divulgação das sonoridades punk/hardcore. Neno Costa e David Pontes editaram, realizaram e produziram meia dúzia de programas. Posteriormente, Óscar Pinho deu continuidade ao programa que terá durado cerca de um ano.

Texto e pdf retirados de Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
 

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Joaquim Letria e a BBC

Hoje, na Associação 25 de Abril, o convidado do almoço foi o jornalista Joaquim Letria (organizado por António Colaço). Letria trabalhou na BBC na secção portuguesa. Ele recordou essa passagem neste excerto (https://soundcloud.com/rog-rio-santos-6/bbc) [imagem retirada da página de António Colaço].


sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Alexandra Lucas Coelho sobre Woody Allen

Alexandra Lucas Coelho escreve hoje o artigo Eu acredito em Woody Allen no portal Sapo. Acho o texto da jornalista muito lúcido. Também me parece haver uma tentativa de reciclagem do sistema de Hollywood.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Elementos para a história da rádio em Angola

Celestino de Anciães Felício trabalhou em Angola e esteve intimamente ligado ao planeamento da radiodifusão naquele país (então ainda colónia de Portugal). Foi contratado em maio de 1962. O texto é de 1973.
 

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Fernando Quinas

Em setembro de 2016, num café da avenida da Igreja (com som ambiente) ouvi atentamente Fernando Quinas falar-me dos programas de Rádio Clube Português: Onda do Optimismo, Parodiantes de Lisboa, Produções Carrocel. Dele, fica um apontamento sobre Joel Nelson e os programas de verão nas praias do Algarve. A voz fantástica que ele tinha nesses programas!

 

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Madalena Iglésias e o CPAR

Júlia Barroso, Francisco José (Galopim), Maria de Fátima Bravo, Artur Garcia, Maria Marize e Simone de Oliveira debutaram no Centro de Preparação de Artistas da Rádio (CPAR), estrutura da Emissora Nacional criada em 1947 e com Mota Pereira, cantor lírico, à sua frente. A ideia de António Ferro (então presidente da Emissora Nacional), era a rádio oficial (pública) ter artistas seus e com um tipo de canções adequadas ao tempo - música ligeira orquestrada. Os ensaios, para candidatos dos 14 aos 25 anos, decorriam todas as tardes nas instalações da Casa da Imprensa.

À "Flama" (meados de março de 1963 - não consegui apurar a data precisa), Mota Pereira disse: "o nosso apelo é mais para cançonetistas e intérpretes de «bossa nova», que aparentem um mínimo de todo artístico. Deito fora as cartas de recomendação: a melhor recomendação é a voz, o talento e a personalidade". Madalena Iglésias (1939-2018) foi uma das maiores revelações do CPAR, visível na sua vitória no festival da canção da RTP em 1966. Ela tinha voz, talento e personalidade.

Não gosto muito da expressão "nacional-cançonetismo", que abrange a música ligeira da época e a identifica apenas com o regime político de então. Também não gosto da expressão "música ligeira orquestrada", por extensa e por não responder ao propósito de Mota Pereira de intérpretes de "bossa nova".


sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Aviões, barcos, elétricos e elevadores

Luís Filipe Costa, cineasta e autor de ficção, foi um conhecido realizador e locutor de rádio. Ele associa-se indiscutivelmente a Rádio Clube Português, a maior estação comercial da rádio portuguesa até 1975. A sua voz é inconfundível - ainda hoje reconheceria a sua voz. Ele foi o noticiarista (jornalista de rádio) a revolucionar os noticiários da sua estação e, por influência e imitação, das outras rádios, com duração de três minutos. Isto aproximou cada notícia ao tempo da publicidade - curto e objetivo. Se necessário, tirava-se o verbo ou o artigo definido (exemplo: em vez de dizer "O Belenenses é o campeão" bastaria dizer "Belenenses campeão"). A revolução começou por volta de 1960, quando a estação deixou os estúdios da Parede e passou a funcionar na rua Sampaio e Pina, onde ainda hoje trabalha a Rádio Comercial. O locutor tinha a experiência da publicidade e Rádio Clube Português já tinha o noticiário Repórter Mabor, um noticiário curto às 14:00.

Rádio Cube Português modernizou-se nessa década. Para fazer reportagens em direto, alugou um helicóptero, em que vemos Luís Filipe Costa pronto a fazer reportagem (revista Nova Antena, 25 de abril de 1969). Rapidamente a estação apercebeu-se que o meio aéreo não era eficaz e comprou um avião. Para acompanhar em tempo real a volta a Portugal em bicicleta ou o rali do Vinho do Porto, o avião trouxe vantagens. E, se um membro da família Botelho Moniz quisesse ir para uma sua propriedade, o avião garantia melhor qualidade.


Mas os programas mais inovadores também usaram meios de transporte. O programa PBX, iniciado em 1967, usou um carro elétrico para um programa. A primeira emissão de Tempo Zip, na Rádio Renascença, fez-se a bordo de avião da TAP (29 de março de 1970), com o Boeing a sobrevoar o espaço entre Lisboa e Setúbal durante 30 minutos. Um outro programa também usou o barco entre Lisboa e a outra margem do rio Tejo para entrevistar passageiros e passar música ao vivo.

Os rapazes dos Emissores Associados de Lisboa, com menos capacidade financeira, não ficaram atrás. Organizaram um programa com uma viagem de elevador. Em cada andar do prédio, o repórter, o animador e o músico paravam e discutiam um tema. Creio que não foi no Bairro Azul, onde funcionava Rádio Peninsular mas perto da igreja de Nossa Senhora de Fátima, onde se instalou a Alfabeta (empresa comercial de Rádio Peninsular e Rádio Voz de Lisboa).

quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

A Minha Amiga Rádio

Retiro o título de programa seminal de Luís Garlito feito na Antena 1 durante a década de 1990. A fotografia mostra o casal Maria Leonor Magro e Pedro Moutinho (cerca de 1945, arquivo RTP). Trata-se de uma composição fotográfica de grande equilíbrio: como na pintura renascentista, ele está concentrado na tarefa, com um pequeno sorriso, enquanto ela tem um sorriso mais aberto e segue atentamente o que ele faz. O texto contido no papel está, com certeza, a ser lido, pois o locutor apresenta-se orientado para o microfone, à esquerda da composição.

Leonor Magro, sempre conhecida apenas por Maria Leonor, tem os lábios pintados e brincos nas orelhas. O ainda seu marido (divorciar-se-iam pouco depois, desfazendo a ideia de casal modelo da rádio pública) ostenta um anel de brasão e um lenço no bolso do casaco. A mesa sobre a qual o seu braço esquerdo se debruça está muito limpa, de modo a vermos o reflexo do anel, do relógio e dos dois botões da manga do casaco.

 Não sei se se tratava de um diálogo, embora ela não tenha um papel para ler, o que quase elimina esta ideia. Talvez um comentário político, pois Pedro Moutinho estava identificado com o regime político, destacado com frequência para reportar atividades e cerimónias solenes do Estado Novo. Mas é, sobretudo, uma imagem idílica da rádio, num tempo em que não havia muitas oportunidades de conhecer as caras dos locutores que falavam aos "estimados ouvintes".

Um pormenor: em 1945, data provável desta imagem, a Emissora Nacional desdobrava, para os ouvintes de Lisboa, o seu programa em I e II, para garantir os gostos de música ligeira e clássica, após entrada em funcionamento dos emissores de ondas médias de Castanheira do Ribatejo. No Porto, o desdobramento só aconteceu em 1954, com a instalação do emissor em Azurara (Vila do Conde).



quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Página 1 (a minha investigação)

O programa Página 1 nasceu em 2 de janeiro de 1968, a emitir na Rádio Renascença. Certamente o programa mais importante da história da rádio em Portugal, Página 1 resultou de parceria entre a Rádio Renascença e a revista católica Flama.
Em horário nobre (19:30-21:00), atingiu um vasto auditório jovem e com consciência política, através de música pop, soul e baladeiros (Manuel Freire, António Macedo, Fausto Bordalo Dias), crónicas de rádios internacionais e rubricas sobre automobilismo, cinema e teatro. O programa, com indicativo musical composto por Miguel Graça Moura (Pop Five Music Incorporated), deu ainda a conhecer a música espanhola de Patxi Andion, Joaquín Díaz e Manolo Díaz. Deste último, o programa passou regularmente La Juventud Tiene Razón (1969), proibida pela televisão espanhola, uma espécie de hino de revolta política.
O programa organizou iniciativas de grande projeção pública. Uma delas foi o acampamento da juventude nas Caldas da Rainha (junho de 1970). Os milhares de participantes a ouvir música de Adriano Correia de Oliveira, Fausto e José Jorge Letria foram vigiados à distância por elementos da Guarda Nacional Republicana montados a cavalo. Outra iniciativa foi o espetáculo na Escola dos Salesianos (Estoril), em agosto de 1970. Sob pretexto da não autorização oficial, a polícia invadiu o perímetro da festa e bateu em quem encontrou, incluindo o filho do primeiro-ministro Marcelo Caetano. O inquérito oficial reconheceu exagero nas agressões [imagem em baixo retirada do Jornal de Notícias, 5 de setembro de 1970]. Das emissões ao vivo, destacou-se a realizada em novembro de 1971 no cinema Roma (Lisboa), a estrear discos de José Mário Branco e Sérgio Godinho. Como os músicos viviam exilados em Paris, no palco colocou-se um gravador de música em vez de cadeiras e microfones.


O núcleo do programa foi constituído por José Manuel Nunes (realizador e locutor), Adelino Gomes (jornalista), Homero Cardoso (diretor comercial da Flama e produtor do programa) e Moreno Pinto (técnico), depois substituído por José Videira. Duas colaborações fundamentais foram Fernando Tenente (Porto), angariador de música ainda não editada e lançada pelo programa, e Viriato Dias, repórter parlamentar que registou intervenções do grupo parlamentar liberal [imagem abaixo retirada da revista Rádio & Televisão, 22 de abril de 1972)].


A entrada do jornalista Adelino Gomes para o programa foi significativa, com muitas reportagens e apontamentos noticiosos. Ele recebeu também convite para organizar o serviço noticioso da estação. Mas, a 6 de setembro de 1972, Página 1 seria proibido pela censura (e o programa Tempo Zip, dirigido por João Paulo Guerra). O jornalista comentara na véspera o massacre de atletas israelitas por comando palestiniano nos Jogos Olímpicos de Munique, repetido no segundo programa. No texto, o jornalista afirmou que se tratava de um episódio da guerra do Médio Oriente, que começara em 1948 com a expulsão dos palestinianos árabes do território em que viviam. No apontamento, Adelino Gomes citava uma notícia em que o presidente Nixon chamava ignominioso ao ato, embora autorizasse que aviões bombardeassem aldeias, diques e hospitais do Vietname do Norte nessa mesma noite.
Muitas das chamadas recebidas que entupiram os telefones de Rádio Renascença seriam para felicitar o jornalista. Mas a reação da Secretaria de Estado da Informação e Turismo foi a suspensão imediata do programa (e Tempo Zip), atitude marcante na história da rádio portuguesa. A condição para a retomada dos programas implicou o despedimento de Adelino Gomes e de João Paulo Guerra. Foi ainda imposta a criação de um serviço de censura externo na estação.
O conselho de gerência, em documento interno de 26 de setembro de 1972, condenara o texto de Adelino Gomes, por não permitir intervenções em oposição ou desacordo com a política do Estado e por o jornalista se subtrair ao trabalho de fiscalização (eufemismo a cobrir a palavra censura). Logo depois, surgia um documento de normas de procedimento de censura, determinando aprovação da gerência e tempo de antecedência a apresentar apontamentos e reportagens.
Página 1 recebera um prémio de rádio pela Casa da Imprensa (1971). A título excecional, a mesma Casa da Imprensa atribuiu o prémio de Reportagem Radiofónica a Adelino Gomes (1972). A cerimónia de entrega do prémio decorreu em espetáculo promovido no Coliseu dos Recreios apenas a 30 de março de 1974. Segundo o relatório da Polícia de Segurança Pública de Lisboa, a sala estava superlotada, predominando a juventude e elementos conhecidos da CDE. Na ocasião, o jornalista diria: “tive o prémio do melhor locutor da rádio, mas fui despedido por ter dito algumas coisas e por pretender dizer muitas coisas que vocês deviam saber”.

Depois da saída do programa Página 1, Adelino Gomes trabalhou na Deutsche Welle. Regressado no final do verão de 1973, foi substituído na rádio alemã por José Manuel Nunes, também a sofrer pressões políticas. Luís Paixão Martins ficou como locutor de Página 1 até março de 1975, quando o programa acabou.

Página 1 (a partir de discussão no Facebook)

Para memória futura, a discussão no Facebook em torno do programa Página 1 (2 de janeiro de 2018). A qualidade não é muito boa, mas pode ser pesquisada na página de João Carlos Callixto.
 

Construção de árvores genealógicas - curso no Porto