domingo, 31 de julho de 2016

A Última Lição

Um professor especializado prepara alunos para um exame superior. Ele parece forte em aritmética, filologia, medicina. A aluna quer singrar depressa, até obter um doutoramento total. O professor elogia-a mas ela só sabe fazer contas de somar e enfrenta as primeiras dúvidas nas subtrações. De gentil, o professor torna-se menos pacífico e diz que ela se pode candidatar somente ao doutoramento parcial e mais violento quando a ameaça fisicamente e o concretiza. "A filologia conduz ao desastre", avisa a criada Maria, mas o professor ignora a sabedoria dela.

Eugène Ionesco (1909-1994) faz resvalar o seu teatro para o domínio do absurdo. Ele viveu entre a Roménia, onde nasceu, e a França, país de origem do seu pai e com quem teve profundas divergências. O pai sonhou para ele uma carreira de engenheiro, o que Ionesco não queria, tirando à força um bacharelato na matéria. O depois autor teatral revelou um gosto grande pela literatura e viajou para França, com uma bolsa para uma tese que nunca concluiu.

Em 1948, começou a escrever teatro, surgindo nesse ano um esboço de A Cantora Careca. Os trabalhos iniciais não tiveram grande sucesso. Contudo, Ionesco conseguiu relacionar-se com intelectuais como Breton, Buñuel e Eliade. O êxito veio em 1957 embora desconsiderado face a Beckett. Também criticado pelas suas teorias literárias vanguardistas mas próximas do anticomunismo feroz. Em 1989, assinou uma declaração de apoio à liberdade de expressão pela perseguição política a Salman Rushdie.

No final deste mês de julho, os alunos de Teatro da ESAP (Escola Superior Artística do Porto) representariam a peça como exercício de finalistas, com encenação de Roberto Merino e interpretação de Inês Cardoso, Leandro Baptista, Patrícia Gama e Ricardo Regalado, no Mosteiro de São Bento da Vitória (Porto).


sábado, 30 de julho de 2016

O Meu Jantar com o André


O dramaturgo e ator Wallace Shawn e o encenador André Gregory encontram-se um dia. O escritor quer escrever uma peça e ouve o encenador, famoso mas entretanto retirado misteriosamente. Este fala da floresta da Polónia, onde encenou uma peça com pessoas que não falavam inglês (e ele não falava polaco), dos gestos, da excentricidade de vida de André. A conversa à volta de uma mesa de jantar tornou-se a peça: O Meu Jantar com o André. Logo, há realismo mas também muita imaginação. A cena parece aborrecida porque decorre sempre no mesmo sítio mas há um encanto permanente. Uma conversa é sempre um princípio para se discorrer sobre o mundo, o que se sabe dele e serve para revelar desejos ou medos.


A peça teve origem como guião de filme, realizado por Louis Malle em 1981 e protagonizado pelos próprios autores: o dramaturgo e ator Wallace Shawn e o encenador André Gregory. Interpretação de João Vaz (André) e Manuel Wiborg (Wally), encenação de Manuel Wiborg, tradução de Jacinto Lucas Pires e produção do Teatro do Interior.

Do sítio onde estava (balcão), nem sempre percebi tudo. Uma conversa implica um registo mais baixo. As legendas em inglês ajudaram, por vezes, embora nem sempre sincronizadas com o diálogo. Para a próxima vez vou para a plateia, mas corro o risco de alguém alto à minha frente me retirar visibilidade. Porque não um microfone junto à mesa? Afinal, o dramaturgo usa um microfone quando refere as condições do encontro com o encenador.


sexta-feira, 29 de julho de 2016

Culpado ou Inocente


Extraio da sinopse da peça: em resposta à pergunta: "Tem alguma coisa a dizer a este Tribunal", três arguidos, julgados por crimes alegadamente cometidos por eles, decidem interpelar o tribunal. Os juízes estão na plateia e é-lhes perguntado qual a sua opinião do veredicto. Trata-se, leio ainda, de um texto a a partir de casos verídicos, trabalhado pelo coletivo Projeto Emergente, com encenação de Rute Cruz e interpretação de Carolina Justino, José de Mello e Mariana Rebelo.

Saí do Teatro Turim muito angustiado. As histórias são muito deprimentes, a encenação cria um ambiente mais constrangedor. Há narrativas de violência doméstica, violação e profanação de cadáveres, psicopatia. Os registos individuais podem ser uma caracterização de uma sociedade. Mas também pode ser uma representação estereotipada da sociedade.

Os intérpretes são jovens, ao que li ligados a uma escola de teatro de Cascais. Senti o empenho de cada um na melhor representação das suas personagens, chegando a interpelar o público-juiz para apoio ou reprovação dos seus atos. Mas fiquei com grandes dúvidas sobre a eficácia da encenação. As histórias são longas, em especial a primeira.

"O tipo não percebeu", dirá alguém que discorde de mim. Não existe distanciamento psicológico face ao espectador, de modo a este refletir sobre as situações. Elas aparecem relatadas nos media de hoje, tipo Correio da Manhã, são contadas a cru, desenquadradas, desequilibradas. O pós-modernismo da peça, no sentido de histórias isoladas, de fim das grandes narrativas, conduz a um beco sem saída, quase de compreensão pelo que aconteceu. Dois dos três espectadores, interrogados, deram mostras disso. A peça não é, por outro lado, um retrato realista, apesar de a encenação indicar precisamente que se trata de uma representação teatral, ao pôr os atores em fato de banho e em jaulas de prisão, isto é, sem direitos. A exposição dos corpos, a sua exploração, indicando uma atenção muito à Foucault.

Um elemento cénico essencial e usado duas vezes, em situações diferentes, é o conjunto de cordas. Da primeira vez, empregue para assegurar o sacrifício do marido a abater. Da segunda vez, para fazer de forca para dois dos condenados. Um deles dizia-se cristão. Num momento de conflitualidade religiosa na Europa como consequência de contínuos massacres executados por islamitas, a encenadora não poderia pensar que um cristão vê o suicídio como atentado à vida? Ou tal serve para pensar sobre a atualidade?

No fundo, senti que falta um mínimo de esperança às nossas vidas. Ou que vamos ao teatro para espiar no sentido do voyeur televisivo.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Obras no mercado do Bolhão (Porto)

Sei que é uma boa notícia para o Porto as obras no mercado do Bolhão e as decisões anunciadas hoje, conforme leio no Diário de Notícias em linha. Segundo este, Rui Moreira, o presidente da câmara da cidade, entende estar-se a criar um "mercado para os próximos 30 anos", que incluem um mercado tradicional, com frescos, mas outras áreas e receitas. O investimento das obras, que arrancam na próxima semana e terminam na primavera de 2019, orça em 27 milhões de euros. Os comerciantes que estão atualmente no mercado passam a ter, até ao final das obras, as suas zonas de comércio no centro La Vie, muito perto e com nome renovado há pouco tempo.

A zona urbana adjacente, que faz parte do Porto comercial mais importante desde há muitas décadas, é excelente, servida por metro e autocarros. As obras servirão também como motor da renovação na rua Sá da Bandeira, por exemplo, onde um quarteirão quase inteiro, está a ser demolido para dar origem à modernidade da cidade [imagem de 2011].


Elementos para a história dos Parodiantes de Lisboa

Em 20 de maio de 1964, o Diário do Governo, III Série, publicava duas escrituras importantes na vida dos Parodiantes de Lisboa. Os intervenientes foram os irmãos Rui Filipe Andrade e José Fernandes Filipe, mais conhecido por José Andrade, e António Gomes de Almeida. Este último saíra da sociedade Parodiantes de Lisboa e da sua gerência, ficando os dois irmãos com as ações todas no valor de 7500$00 (cerca de três mil euros atualmente). A sociedade ficava com o exclusivo da publicidade na rádio e mantinha as suas instalações na avenida Estados Unidos da América, 102, 13º andar, letras C e D).

Em simultâneo, os dois irmãos e Gomes de Almeida criavam a empresa Tela (avenida Estados Unidos da América, 102, 13º andar, letra C), com o objeto de exploração de publicidade em todos os meios exceto a rádio. Os irmãos ficavam com a quota de 40 mil escudos e Gomes de Almeida com 20 mil escudos (total de mais de 24 mil euros a preços atuais). A gerência era ocupada pelos vários sócios.

Gomes de Almeida escrevia como os outros humoristas. Ele terá feito mais de dezasseis mil diálogos, dirigiu o semanário Parada da Paródia durante dois anos e publicou vários livros. Contudo, trabalhava profissionalmente na Regisconta, acompanhando a vida desta empresa do começo até ao seu desaparecimento, nomeadamente com a função de responsável pela publicidade, atividade útil para contactos comerciais dos Parodiantes. Posso dizer que Gomes de Almeida foi o teórico dos Parodiantes de Lisboa. Recordo-me de ler artigos muito interessantes que escreveu durante anos no Jornal de Notícias (Porto).

O valor acionista da nova empresa era muito mais elevado. O aumento de capitais próprios significa uma reorientação estratégica, embora os Parodiantes de Lisboa em si continuassem a ocupar todas as instalações das sociedades.




terça-feira, 26 de julho de 2016

A história da imagem de Michel Melot

Ler o livro de Michel Melot Uma Breve História da Imagem (2015) foi um grande prazer. O autor divide o livro em nove capítulos, combinando elementos diacrónicos e sincrónicos (ao longo do tempo e no espaço), quase sempre explicativo mas expositivo, com muitas referências a avanços tecnológicos e modos de ver e agir ao longo do tempo. Percorrer a bibliografia seduz igualmente, pois inclui autores clássicos e investigadores nas áreas da imagem e da comunicação, alguns deles igualmente muito gostosos de ler.

Sem ser exaustivo nem pretender fazer uma ficha de leitura nem uma crítica literária do livro, retiro algumas ideias. Uma delas releva Tim Berners-Lee, o iniciador da internet, que será um dia tão importante como Gutenberg e Nièpce (p. 96). A imagem, a quem a eletrónica deu interatividade, assemelha-se a uma linguagem. Escreve Melot no começo da obra que a imagem - com as suas formas materiais: quadro, fotografia, filme - é como o texto - que se distingue da escrita - e a palavra - que se distingue da voz (p. 11).

Outra ideia é a importância da imagem nos media em papel. De início, era custoso e demorado reproduzir uma imagem. Apenas em 1789 um jornal de Amsterdão inseriu duas águas-fortes coloridas à mão (p. 68). A litografia, inventada em 1796, levou ao nascimento da imprensa ilustrada. Mais tarde, em 1833, uma outra publicação, com duas máquinas a vapor, ilustrava oito páginas e imprimia 1800 páginas por hora. Graças à litografia, um desenho a lápis gordo sobre pedra retinha a tinta e permitia a sua reprodução,

Imagem e som são duas partes de um todo, como se viu com o cinema. Este surgiu com os irmãos Lumière, em 1895, com filme flexível e sincronização das imagens (p. 82). Faltava a palavra, pelo que o cinema permanecia poesia muda. Como no teatro, o acompanhamento sonoro era feito por um piano. Edison criou uma empresa de onde sairiam máquinas essenciais para a comunicação moderna: fonógrafo, telégrafo, microfone. Depois, em 1910, há uma primeira gravação simultânea de imagem e som. O cinema foi sonorizado em 1919.

Gosto particularmente dos primeiros capítulos, onde o autor trabalha as imagens das grutas aos templos e a passagem dos ídolos aos ícones. Mas sigo com atenção maior quando escreve sobre o primeiro quadro e sobre os seus antepassados pictóricos: mosaico e fresco ou até tapeçaria (p. 42). Os artistas italianos da Toscana do século XIII abandonavam o modelo hierático dos ícones bizantinos e especificavam a representação, a luz, a leveza dos tecidos e a expressão dos rostos. O primeiro quadro, definido por uma moldura, quando entra na Biblioteca Nacional de França, fica classificado como documento e apenas quando é depositado no Museu do Livro adquire um estatuto independente. Separado do políptico que ornamentava o altar da igreja, diferencia-se também do livro onde aparecia como iluminura (p. 44).

Uma última palavra sobre o tradutor e introdutor da obra: Aníbal Augusto Alves, professor da Universidade do Minho. Ele enfatiza o que aprendeu ao ler e traduzir o livro em termos de uma nova visão da imagem. Por outro lado, sobre a obra, destaca a construção analítica e reflexiva a par da descritiva e informativa. Melot é uma espécie de guia que nos leva por uma longa viagem no tempo. E o tradutor alerta-nos para a importância de alguns títulos de capítulos, como BD, a bastarda do livro e da imagem, e do pixel, como o novo poder da imagem.

segunda-feira, 25 de julho de 2016

Miró no Porto

Ontem, o ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, disse que gostaria de ver guardadas no Porto as obras de Joan Miró que pertenciam ao desaparecido Banco Português de Negócios. Na resposta, o presidente da câmara do Porto, Rui Moreira, respondeu que amanhã irá haver uma reunião inicial com técnicos do ministério para pensar a localização.

sábado, 23 de julho de 2016

Cenas da cidade

Imagens tiradas durante a viagem em torno da exposição Paratissima Lisboa, da Mouraria ao Castelo.





quinta-feira, 21 de julho de 2016

Paratissima Lisboa

Nascido em Turim em 2004, o projecto Paratissima chegou este ano a Lisboa, pela mão da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior e a EBANOCollective. Objetivo: promover artistas emergentes através de um espaço expositivo público, colaborativo, inclusivo e democrático de arte contemporânea no espaço urbano, num total de 300 artistas. O evento começou ontem e vai até ao dia 24 de julho, percorrendo os bairros de Alfama, Castelo e Mouraria [imagem de Andrea Tali] (informação e imagem enviada pela organização).


[imagens seguintes tiradas no dia 23 de julho ao final de uma tarde muito quente]

   

Exposição da pintora Aurélia de Sousa

A exposição reparte-se por dois locais: Casa Museu Marta Ortigão Sampaio (Porto) e Museu Quinta de Santiago (Matosinhos), ali com retratos, aqui com paisagens e flores.

Aurélia de Sousa (Valparaiso, Chile, 1866 - Porto, 1922) foi pintora e fotógrafa. Conhecia-a do autorretrato exposto no Museu Soares dos Reis mas a exposição dos seus 150 anos de nascimento revela-se-me uma artista de maior peso. Muitas das obras pertencem a colecionadores privados, pelo que a observação dos seus trabalhos ganha relevo numa exposição.

Destaco as obras da secção chamada álbum de família, com retratos de familiares e pessoas do círculo mais próxima de Aurélia de Sousa, dentro da casa ou dos jardins da Quinta da China, que pertencia à família, com várias gerações dedicadas a tarefas consideradas femininas: lavores, leitura, conversas.

Ao seu tempo, a pintora foi uma mulher corajosa, indo estudar pintura com a sua irmã Sofia para Paris, numa altura em que o seu pai já tinha falecido. Tendo como vizinho o fotógrafo Aurélio da Paz dos Reis, a pintora fez também um trabalho notável na área da fotografia.


The Illinois Parables

The Illinois Parables, de Deborah Stratman, é um documentário experimental composto de vinhetas regionais sobre fé, força, tecnologia e êxodo. Onze parábolas que indicam histórias de instalação e/ou retirada, avanço tecnológico, violência, messianismo e resistência, todas ocorrendo no estado de Illinois. O filme sugere ligações entre tecnologia, religioso e governo(s), em que as fronteiras entre racional e sobrenatural são ténues. Com frequência, o filme utiliza imagens de arquivo, observação, títulos e vozes que contam as suas histórias (a partir da sinopse que acompanha o filme). Destaco algumas histórias dramáticas: a espoliação e expulsão de cherokees e mormons, os acidentes da natureza (tornados), a luta dos negros, os cemitérios de experiências nucleares da década de 1940. Tudo isto numa região banhada pelo rio Illinois, afluente do rio Mississipi.

Muito do trabalho de Deborah Stratman (Washington, 1967) relaciona o meio ambiente e a luta humana pelo poder e controlo sobre a terra. Estreia mundial do documentário em Sundance, janeiro 2016. Estreia europeia no Berlinale, fevereiro 2016. Exibição no festival Há Filmes na Baixa, Porto, julho 2016.


quarta-feira, 20 de julho de 2016

Memória de Rádio Clube Português

Antigas instalações de Miramar de Rádio Clube Português ou o que resta da glória de uma das maiores estações de rádio portuguesa (Centro Emissor Alberto Lima Basto. Lima Basto foi o segundo presidente da estação). Pela informação visível numa das imagens, o espaço já terá sido vendido. Fotografias de Ana Isabel Reis, a quem agradeço a gentileza.



segunda-feira, 18 de julho de 2016

Los Gofiones

Los Gofiones tocam e cantam há quase 50 anos, a partir das ilhas Canárias. Ponto de passagem entre a Europa e a América (em especial a do sul), captaram influências que se detetam no seu repertório. Mais encantador foi a sua parceria musical com a Banda de Gaitas Padroado de Naron (Coruña).


domingo, 17 de julho de 2016

Mari Trini

Mari Trini (María Trinidad Pérez de Miravete Mille, 1947-2009) foi uma cantora espanhola muito popular nas décadas de 1970 e 1980, com a edição de 25 discos, alguns contendo êxitos como Escúchame (1971) e Yo no Soy Esa.  Com frequência, foi comparada à francesa Edith Piaff, em especial por se expressar com melancolia e voz íntima.

Ela aprendeu a tocar viola ainda muito nova, quando esteve um longo período doente, por doença renal crónica, entre os sete e catorze anos. Quando o médico lhe disse não haver cura, saiu da cama e calçou os seus primeiros sapatos de tacão alto. Em Madrid, cantou no clube Nicha, impressionando o realizador americano Nicholas Ray, que a aconselhou a ir estudar arte dramática em Londres. Uma promessa de ela entrar em filme de Ray não se concretizou e ela foi para Paris em 1963, onde esteve cinco anos e conheceu Jacques Brel e editou o seu primeiro disco (Bonne Chance).

Após a morte do seu pai em 1967, a cantora regressou a Espanha e tornou-se a Juliette Greco espanhola. Foi um período rico para a música popular espanhola. A oposição ao ditador Franco, apoiada nas ondas de choque do maio de 1968 em Paris, criou uma audiência para os cantores de protesto. A música de Mari Trini ganhou uma perspetiva política. Um estilo boémio, apoiado no uso de calças jeans, deu à cantora um maior reconhecimento. Ao cantar em 1972 Yo no Soy Esa (Essa não sou eu / Eu não sou uma simples e sossegada rapariga), soou como um grito de liberdade a uma nova geração. Lésbica, foi sempre muito questionada por não mostrar namorados, numa época em que era impossível associar carreira e diferente orientação sexual.

No final de 2005, ela publicou um disco duplo e um vídeo. Pouco antes de morrer, estava a preparar um concerto de despedida da sua carreira e um livro de poemas. A 14 de setembro de 2005 recebeu uma homenagem na Sociedad General de Autores y Editores (SGAE), por reconhecimento da sua trajetória artística e a região de Murcia premiou-a, em 8 de março de 2008, com o galardão "Lucha por la igualdad".

Agora, Helena Bianco, nascida no mesmo ano de Mari Trini e sua amiga, fez um espetáculo de tributo, muito equilibrado e onde ressaltaram as canções de amor da cantora de Murcia.

[parte do texto baseado no obituário publicado no jornal The Guardian, de 22 de abril de 2009]

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Antonio Lago Rivera


O pintor Antonio Lago Rivera (La Coruña, 1916-Paris, 1990) começou os seus estudos na escola de Artes y Oficios da Coruña. Após a guerra civil espanhola, foi para Madrid para tirar Belas Artes na Escola de San Fernando. Em 1945, ganha uma bolsa para estudar na Escola de Belas Artes, em Paris. No ano seguinte, expõe em Paris, apoiado por Jaume Sabartér, secretário de Picasso. Regressa a Madrid em 1947 mas volta algum tempo depois a Paris e casa com uma francesa. Permanece aí até à sua morte.

A sua pintura inicial foi figurativa, com rigor no desenho e cores quentes. Depois, em diálogo com os realismos, o expressionismo e o surrealismo, deriva para a abstração e o informalismo. Se, na década de 1960, houve o regresso à figuração na paisagem, natureza morta e universo feminino, a partir da década de 1970, inseriu uma narrativa irónica, anedótica e de crítica social.

Antonio Lago Rivera foi um dos elementos mais destacados de la Escola Espanhola de Paris.

sábado, 9 de julho de 2016

Constelações


A história é simples mas não contada de modo linear. Dois jovens (Mariana e Rodrigo) encontram-se, conhecem-se e apaixonam-se e resolvem casar. Um dia, ela tem um problema grave de saúde. Ela é cosmologista, introduz dados científicos em computador e trabalha na universidade; ele é apicultor e vive profissionalmente do trabalho do mel. Ambos trabalham com assuntos da natureza.

A narrativa é permanentemente desconstruída. Parece que se trata de um ensaio, onde se tem de voltar a repetir. Mas há sempre pequenas alterações, uma espécie de variações dentro de um tema, como a música barroca nos ensinou. Ou diversos pontos de vista. Um assunto tem sempre interpretações diferentes. Mesmo o espectador vê uma representação de modo distinto. Eu, sentado na cadeira 20, vi a representação do lado esquerdo da plateia, observando melhor quando a cena decorria deste lado e tendo alguma dificuldade em entender toda a gestualidade do outro lado do palco, apesar da boa expressão do par de intérpretes.

Compreende-se melhor a história quando se lê a razão do autor para escrever a peça. O pai dele morrera pouco antes e ele, na procura de significados para a perda, encontrou um texto sobre teoria da física moderna, em especial a teoria do multiverso quântico, que postula a existência de múltiplos universos e dimensões de tempo-espaço, em que cada indivíduo pode estar em várias situações. Por exemplo, John Lennon ainda estar vivo e continuar a compor e a cantar ou David Cameron a não conseguir entrar na universidade (e, por isso, a não desempenhar o papel de condutor do Brexit). Cada elemento do casal, antes de se conhecer, vinha de experiências amorosas mas percebeu que existiam um para o outro. Ou talvez a história tivesse outro desfecho.

Por isso, o dispositivo cénico foi dividido em três palcos redondos onde as repetições dos diálogos se representavam, de modo ao espectador entender que havia outras interpretações ou significados para além do mais óbvio. Algumas vezes, voltava-se quase ao princípio, como em alguns jogos ou em propostas de crianças quando trabalham o reconhecimento de uma ação.

Gostei muito do diálogo da declaração de amor de Rodrigo a Mariana, com a leitura de um texto sobre a vida das abelhas, e da linguagem gestual, cuja estrutura dialógica conhecíamos de cena anterior, quando ela está cansada da doença e ele sugere uma viagem. Achei pesada a cena de amor, pela dificuldade formal do assunto e pelo desgaste físico no chão do palco. Apeteceu-me sair do lugar e vir-me embora nessa ocasião. O desempenho esteve sempre bem, na minha leitura, nomeadamente a distinção entre momentos de alegria e de confidências e momentos de mágoa e pesadelo.

Por vezes, o diálogo sobre a morte sobrepunha-se ao da vida. Possivelmente porque a morte é uma certeza biológica e a vida um passo para a morte. A peça é também sobre o tempo. Como escreveu a dramaturga, há muitos tempos: chega-se com tempo, falta o tempo, tempos mortos, tempo dourado (ou época dourada), tempos sem fim, tempos que chegam ao fim. O tempo associa~se à morte, concluo.

Constelações (2012) é uma peça de Nick Payne, versão de João Lourenço (que encenou) e Vera San Payo de Lemos (que fez a dramaturgia), com cenário de António Casimiro e João Lourenço e vídeo de Luís Soares, e interpretação de Joana Brandão (1977) e Pedro Laginha (1971). No Teatro Aberto.


sexta-feira, 8 de julho de 2016

Centro de Arte Manuel de Brito

No Centro de Arte Manuel de Brito (Algés) estão patentes duas exposições. Uma delas designa-se por Artes & Letras, com obras nomeadamente de Paula Rego e Júlio Pomar.

A outra mostra Artistas de Angola e de Moçambique. Tem trabalhos de desenho, pintura, escultura e fotografia (1964-2014). De Angola, dois artistas e duas gerações: António Ole e Francisco Vidal. De Moçambique, Bertina Lopes, Malangatana, Naftal Langa, Chissano, Celestino Mudaulane, Mauro Pinto e Gonçalo Mabunda.

Ler mais em http://camb.cm-oeiras.pt/default.aspx?pg=920debfc-6560-4b42-971c-21a56052ea30.

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Comunicação e Cultura

Os dois números mais recentes da revista Comunicação e Cultura (Universidade Católica Portuguesa) constituem uma espécie de balanço de uma primeira fase: entrevistas (número 17, Diálogos Singulares, em português) e textos teóricos (número 18, Rethinking Communication and Culture, em inglês). Destaco do primeiro as entrevistas feitas a Barbie Zelizer, Michael Schudson, Gilles Lipovetsky, Daniel Dayan, Gaye Tuchman e James Curran. Do segundo, relevo os textos de Monika Schmitz-Emans, Sónia Pereira e Robert Doran. Uma longa e profícua releitura.

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Eduardo Paz Ferreira e a sua sociedade decente

Eduardo Lourenço falava baixinho sobre a Europa e o caos. Ou a crise da Europa. Na sala cheia para assistir ao lançamento do livro de Eduardo Paz Ferreira, Por uma Sociedade Decente, entrava um doce som de grupo coral. Depois, apercebi-me que era um coral juvenil no andar de baixo da reitoria da Universidade de Lisboa.

Antes de Lourenço tinham falado Ricardo Paes Mamede e José Tolentino de Mendonça, aquele sobre a obra quase enciclopédica e atual, este sobre Thomas More e a Utopia e Jonathan Swift e As Viagens de Gulliver (a distopia). Antes ainda o ministro da Cultura, Luís Filipe de Castro Mendes, e o jornalista Nicolau Santos leram poemas.


Creio que Eduardo Paz Ferreira responde à minha questão de ontem (o venezuelano que montou o seu micro-negócio na escada do metropolitano e quer regressar ao seu país mas não tem dinheiro). Escreve ele, mesmo no final da obra, que é tempo de retomar iniciativas para transformarem a sociedade e atribuir centralidade à felicidade coletiva e acabar com a humilhação de pessoas e grupos sociais, lançados às margens da sociedade. Começar de novo e com outros valores, escreve ainda.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Da estação de metro à Venezuela

Já o conheço de o ver ali há alguns anos. Aliás, uma vez escrevi aqui sobre ele, efabulando quem seria e como vivia. Nas escadas de saída do metro, ele monta o seu negócio mais que pequeno: chapéus de chuva, algumas bijuterias, outros adereços. Fuma com muita frequência e conversa com alguns clientes esporádicos. De há meses a esta parte colocou um cartaz solicitando apoio para regressar à Venezuela, o seu país. Na semana passada, distribuía retângulos de folha a pedir que lhe comprassem por 50 cêntimos um dos seus produtos para ajudar à viagem.

Abordei-o e contou-me a história. No seu país, enamorou-se por uma portuguesa e veio para cá, 23 anos atrás. Casou, foi pai, mas divorciou-se. Filhos e pai também se afastaram. Teve um recente acidente vascular cerebral, que lhe afetou a fala, embora o ouvisse com desenvoltura. Mostrou-me uma cicatriz da operação. Agora, os filhos venezuelanos (40 e 36 anos) e os cinco netos querem vê-lo no país dele.

O que falta nesta história dramática que envolve dois continentes?

domingo, 3 de julho de 2016

Até já

O texto final para discussão na última aula foi de Mark Deuze. Uma análise lúcida sobre o jornalismo hoje. A turma foi-se dispersando, a pensar nas férias. Ficou um grupo reduzido para o final. Cumprimentamo-nos. Deixei o grupo sair e apaguei a luz. Esqueci-me de limpar o quadro. Cá fora, olhei para o edifício. Entrara nele a falar de indústrias culturais, no momento em que David Hesmondalgh lançava o seu importante livro sobre o tema. Foram anos magníficos. Agora, as férias aproximam-se.

Como escrevi um dia: Até já. Até breve. Até sempre (http://industrias-culturais.blogspot.pt/2009/07/ferias-e-conclusao-de-trabalhos-do.html).

sábado, 2 de julho de 2016

Calções femininos e rádio em 1971

"Ele: As jovens elegantes passam a usar... calções! Eis a moda lançada para os próximos meses. Os calções, reservados anos atrás ao desporto e à praia, ganham todas as frentes e impõem-se hoje pela cidade, em todas as horas".

O assistente literário teve dúvidas quanto ao texto e escreveu na primeira página: "Chamo a atenção para a parte assinalada nas páginas 2 e 3. Quanto ao resto, sem problemas". O chefe de secção não viu problemas, pois o assunto era tema regular na imprensa, mas, à cautela, acrescentou uma frase, resolvendo qualquer questão. O chefe de repartição aprovou.

Emissora Nacional, programa Domingo Sonoro, 7 de fevereiro de 1971, emitido das 13:45 às 14:15. Vozes de Armando Correia e Maria Leonor Magro.



sexta-feira, 1 de julho de 2016

EDIT – Feira de Edições de Lisboa

Dias 2 e 3 de julho, das 15:00 às 21:00, na Galeria Monumental (Campo Mártires da Pátria, 101, Lisboa, com jardim).

A EDIT é uma feira de edições de arte, livros de artista, edições de autor, photobooks, múltiplos e muito mais, organizada pela STET – livros e fotografias, para reunir editores e artistas com o público. A feira dá a conhecer centenas de edições, portuguesas e internacionais, que seleccionamos cada ano para apresentar. Já na segunda edição, a feira tem nomeadamente a presença de Christophe Daviet-Thery, Abysmo, ATLAS Projectos, Cão Solteiro, Cine Qua Non, Culturgest, Fanzines e Martelos, FiM, GHOST, HiHiHi, Homem do Saco, Ideias no escuro, José Aparício Gonçalves, Kunsthalle Lissabon, Monumental - Centro de Artes, Pé de Mosca, Pierrot le fou, Re.vis.ta, scopio EDITIONS, Senhora do Monte, Serrote, Sistema Solar, Stolen books, Tipo.pt, The Unknown Books e Under the cover. Há lugar também para apresentações, debates e lançamentos de livros.