sábado, 28 de junho de 2014

A acompanhante

Um dia, Cecília Ferreira ouviu na TSF uma reportagem sobre uma enfermeira que acompanhava o funeral de mortos que não tinham mais ninguém a despedir-se deles, tendo totalizado cerca de mil funerais. Muito sensibilizada com o tema, ela começou a escrever uma peça, em que Luzia, agora já reformada e isolada em casa após a morte do seu gato, recordava os funerais e as histórias desses homens que tinham morrido.

Na peça, alguns deles tinham sido íntimos dela, marido ou amantes, tinham nome, profissão, idiossincrasias, pronúncias. Um deles, achava que ia morrer quando perdesse o último dente, simultâneo do Apocalipse. Quando o dente desapareceu, ele verificou que não morrera, decidindo ir ao dentista pôr uma placa brilhante e abrindo um consultório de cartomância. Outro era um excelente vendedor pelo telefone. Outro ainda conhecera numa viagem para Paris: ele tinha em mente suicidar-se na torre Eifell, que ela não permitiu, com a amizade entre ambos a acabar naquele momento. No final da peça, a personagem reflecte ser não uma acompanhante de luxo, empregada sexual, mas acompanhante de mortos: uma prostituta de mortos, conclui. A caixa onde estão as fotografias dos mortos e as suas biografias é empurrada para debaixo da cama, como Luzia querendo libertar-se dessas recordações.

Em entrevista, a autora comentou sobre o tema: "Havia uma estranheza, inerente à própria condição de se fazer o acompanhamento de mortos, que eu queria que perpassasse todo o texto". Para prestar homenagem à enfermeira da reportagem da TSF, Cecília Ferreira inventou tudo de novo e transfigurou a personagem em absoluto. Com a peça, ela ganhou o Grande Prémio de Teatro Português SPA/Teatro Aberto 2013 e agora no palco deste teatro. A autora, licenciada em Teatro/Interpretação pela ESMAE (Escola Superior de Música e das Artes do Espectáculo) e licenciada e mestre em Línguas e Literaturas Modernas pela Universidade do Porto, é membro fundador da companhia Teatro a Quatro em 2010, no Porto, uma das companhias residentes na Fábrica da Rua da Alegria, naquela cidade.

Em toda a peça, a actriz Mónica Garnel é enérgica: dança, salta, é ginasta, enche o palco, imita sotaques, faz trejeitos, é séria e brinca, independente e receosa. Gostei ainda da música (Joana Sá e Luís Martins) e da cenografia (Gonçalo Amorim). O tema leva o espectador a pensar - a morte. Mas o modo como a narrativa decorre prende o mesmo espectador, que aprecia as múltiplas e, às vezes, divertidas histórias.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Os media portugueses em 1974-1975

A Revolução nos Média é um conjunto de seis textos de estudos de caso sobre a situação dos media (imprensa, rádio e televisão) durante 1974 e 1975.

Na introdução, assinada pelos coordenadores Maria Inácia Rezola e Pedro Marques Gomes, reflecte-se sobra a possibilidade de os media terem constituído uma peça importante nas lutas políticas e nas transformações operadas então. Os coordenadores consideram faltar ainda fundamentação e aprofundamento.

Os textos do livro procuram encontrar essa fundamentação. Assim, Inácia Rezola escreve sobre a RTP no PREC [período revolucionário em curso, referência dada ao período de 1974 e 1975], João Figueira sobre o jornal República, Pedro Marques Gomes sobre o semanário O Jornal, Paula Borges sobre a Rádio Renascença, Francisco Pinheiro sobre a imprensa desportiva e Marco Gomes sobre a imprensa no geral nesse período pós-revolucionário (que o autor prefere designar por intentona ou golpe dos capitães). Há uma estrutura próxima a todos os textos: uma introdução de contextualização, a apresentação e análise do caso e um apoio rigoroso em fontes documentais.

Alguns dos temas já conhecia, por produção anterior dos seus autores. Destaco, pela inovação, os trabalhos de Pedro Marques Gomes (de que saiu recentemente um trabalho sobre o Diário de Notícias e os saneamentos no PREC, e que está à espera aqui ao lado na minha linha de leitura) e Marco Gomes, com uma linguagem diferente dos outros. Apesar de ser igualmente historiador, a sua escrita aproxima-o do terreno do sociólogo. E trata, embora não tão profundamente como o leitor gostaria, de imagens como os cartoons desses anos, de que sobressaiam os trabalhos de João Abel Manta.

De repente, apercebo-me de como esse universo de há 40 anos está longínquo, o que permite agora análises sérias e objectivas. Por isso, relevo igualmente o trabalho da investigadora sénior nas matérias de história dos últimos 40 anos: Maria Inácia Rezola. Depois de nos conduzir às sucessivas administrações da RTP, nota-se o imenso pudor nela em dar nomes aos saneados, excepto os mais famosos como Alves Caetano e Henrique Mendes, logo identificados na época. Escreve a historiadora: "Apesar da vertigem dos acontecimentos, e das profundas mudanças que percorrem a RTP nestes anos de 1974-1975, é possível estabelecer as tendências e evoluções no que diz respeito às purgas políticas efectuadas na empresa" (p. 27). Em especial após o 11 de Março de 1975, quando se pedia internamente uma "purga política mais profunda". Mais à frente, a autora indica suspensões na administração de Duarte Belo, num total de 25 (p. 31) e abaixo-assinados opostos subscrito por 110 trabalhadores e 400 trabalhadores (pp. 32-33). E uma nova lista de pessoal a sanear, num total de 60 nomes, naquilo que ficou conhecido como o caso Veloso (Manuel Jorge Veloso, com uma carreira dedicada ao jazz e a programas de jazz quer na televisão quer na rádio).

Um pormenor final: a qualidade estética do livro. A editora Tinta da China constitui obras de arte em cada edição. É um gosto ler e tactear obras daquela editora.

Leitura (frenética ao longo do final da tarde e da noite): Maria Inácia Rezola e Pedro Marques Gomes (coord.) (2014). A Revolução nos Média. Lisboa: Tinta da China. 199 páginas, 11,90 €

História da rádio por Jorge Guimarães Silva

Dia 5 de Julho, às 17:00 (Artecore Festival no MUUDA, rua do Rosário, 294, Porto).

terça-feira, 24 de junho de 2014

Fazer notícias segundo Nikki Usher

Quando na aula discutimos o texto de Nikki Usher Goodbye to the News: How Out-of-work Journalists Assess Enduring News Values and the New Media Landscape (texto publicado na New Media & Society, 2010: 911-928), vim embora intranquilo. O texto era claro mas expressava um ponto de vista pessimista: jornalistas despedidos por encerramento de jornais ou redução de pessoal nas redacções escreviam cartas onde se chamava a atenção para a perda de qualidade dos media e para o cinismo patronal que não via os jornalistas como pessoas com família mas como números. No texto, Usher surgia com uma base teórica simples mas poderosa: os conceitos de nostalgia, de Jameson, e de comunidade interpretativa, de Zelizer. Depois, partia para o método: uma análise de conteúdo de 31 cartas escritas por jornalistas despedidos.

A palavra (ou conceito) mudança era a mais evidenciada no texto. Agora, com a edição de Making News at the New York Times (2014, Ann Arbor: The University of Michigan Press), o pensamento da jovem investigadora torna-se mais transparente. Deixo ficar algumas ideias do último capítulo, Prelúdio a Quê? Ela avança com três palavras-chave do novo jornalismo: urgência (no sentido de imediato), interactividade e participação. Refere que estamos num ponto de viragem de paradigma, seguindo Thomas Khun, onde ainda não há todas as certezas mas em que mudaram: as tecnologias (as redes sociais estão na ordem do dia; a actualização 24 horas por dia; a agregação de conteúdos e não a simples produção), as audiências (conteúdos gerados por utilizadores), os métodos de distribuição. Mantêm-se, seguindo Herbert Gans, o inspirador de Usher, as rotinas e as práticas de produção de notícias e a influência das fontes poderosas, apesar de existirem fontes de informação novas e não tradicionais, caso da informação veiculada pelo Twitter.

Música tradicional em conversa

No dia 30 de Junho às 21:00, a Biblioteca Operária Oeirense organiza uma conversa com Manuel Pedro Ferreira com o tema É a música tradicional antiga? Aí se falará de música antiga e música tradicional numa abordagem histórica sobre a tradição e a relação tempo/espaço na audição. A Biblioteca Operária Oeirense fica na rua Cândido dos Reis, 119, em Oeiras.

Manuel Pedro Ferreira é autor de O Som de Martim Codax (Prémio de Ensaísmo do Conselho Português da Música, 1986), compositor, fez o curso de flauta transversal no Conservatório Nacional de Lisboa com Carlos Franco e licenciou-se em Filosofia pela Universidade de Lisboa. Tendo-se dedicado ao estudo da música medieval, apresentou na Universidade de Princeton (Estados Unidos) uma tese de doutoramento em Musicologia sobre o canto gregoriano na Abadia de Cluny. Lecciona actualmente na Universidade Nova de Lisboa, é director executivo do Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical (CESEM) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (desde 2005) e director artístico do grupo Vozes Afonsinas.

One Century of Record Labels – Mapping places, stories and communities of sound

International Centre for Music Studies, Newcastle University, Newcastle-upon-Tyne November 6th – 7th 2014

Keynote: Dr Pete Dale (Slampt Records, Manchester Metropolitan University)

This two-day interdisciplinary conference will expose, question and celebrate the enduring role of independent and commercial record labels in the construction of musical patrimony, from the early days of the record industry to the present. Record labels have traditionally functioned as organs of representation (replicating for instance racial stereotypes), codification (setting genres and trends), as well as emancipation (allowing for marginal trends, voices and groups of artists to emerge). They exist at the intersection of the public and the personal, capturing the collective imagination as well as the private fascination of the collector. They occupy different spaces and scales, from internationally influential, legendary record labels (Stax, Motown, or Columbia) to more obscure, bedroom-run, non-commercial labels (Sarah Records, Musical Traditions Records).

The aim of the conference is to gather a variety of perspectives on the past and present legacy of record labels, and to examine their changing status and relevance in an age of increasing dematerialisation. While this conference should be of interest to researchers in popular music studies, we particularly encourage contributions from within the fields of musicology, cultural studies, media studies, and sociology.

Papers could address (but are not limited to) the following aspects:

- Record labels, race and gender. Representations of minorities through records (for instance, early American 'race records' or 'ethnic records'). The role of record labels in colonialism and post-colonial development.
- Record labels, resistance and subculture. The politics of DIY, non-commercial, micro-record labels, which are especially relevant in subcultural scenes such as punk, hardcore, rap, hip hop and twee pop.
- Record labels, consumption and geography. Local, national, transnational and globalised identities. Audio tourism and the commodification of cultural difference.
- The sonic iconicity of record labels and associated studios/producers (Sun, Motown, Chess). The linked histories of audiences, record labels and record production.
- The material culture of record labels and ‘gramomania’ (Katz). Fans, collectors and personal archives. Lost record labels and their subsequent revivals, through practices of vinyl archaeology, collecting, curating and reissuing. The visual iconography of labels, cover-art and liners note as paratext (also digital metadata or downloadable supplementary visual/textual content).
- Historiographical perspectives. How have record labels impacted the creation of musical canons? The many ways in which labels have organised musical production; the construction and contestation of normative production practices and codes.
- How labels mediate ideologies of musical creativity/talent.
- Representations of record labels in the media.
- Record labels in the digital age. MP3 labels, netlabels and the use of technological platforms such as Bandcamp, Soundcloud or YouTube.

A selection of papers will be included in an edited book or journal. Proposals for individual papers (thirty minutes including discussion) and for panels (up to one hour) will be considered. Abstracts (300 words maximum) should be submitted to recordlabelconference2014@gmail.com with a short biographical note. Proposals for panels should also include an abstract for each individual paper. The deadline for submissions is 4th July 2014. Selected speakers will be notified by the first week of August.

Conference organisers: Dr Elodie A. Roy (Newcastle University), Matthew Ord (Newcastle University)

domingo, 22 de junho de 2014

Reabertura da Tubitek

Leio no Público que a loja de discos da Praça D João I, no Porto, vai reabrir a 5 de Julho, pela mão do empresário da distribuição de música, Abílio Silva, que aposta no vinil e nos fundos de catálogo. Recordo que a loja teve muito sucesso na altura das rádios livres (ou piratas) e da transição do vinil para os CD, constituindo um momento exaltante no panorama musical.

Miguel Gaspar

Miguel Gaspar, jornalista no Público desde 2007 e actualmente um dos seus directores adjuntos, morreu aos 54 anos de cancro no pâncreas.

Eu gostava muito de ler os seus textos. Chegou a falar nas minhas aulas de mestrado com um grande brilhantismo. Em baixo, uma imagem de participação sua num colóquio sobre blogues, o quarto e último da série Debates DN, uma realização dos 140 anos do Diário de Notícias. Além de Miguel Gaspar como moderador, os oradores foram José Pacheco Pereira e Daniel Oliveira (ler o meu texto aqui. As imagens que publiquei então, colocadas no Flickr, desapareceram].

Sobre o que escrevi aqui acerca dele, recordo o seguinte: "Miguel Gaspar será o novo editor da secção dos media no Diário de Notícias, num movimento mais amplo de alteração de editores. Trata-se de um regresso ao jornal do coração de Gaspar, ele que foi um dos jovens editores na transição do jornal estatizado para a nova fase de jornal privado, em 1992. Desejo os maiores sucessos ao Miguel Gaspar, mas espero que o cargo o não iniba de concluir a tese de mestrado na Universidade Nova de Lisboa" (ler aqui), 7 de Abril de 2004). Já não me recordo do tema exacto do seu trabalho, que não concluiu, mas julgo ser sobre televisão. Foi na qualidade de editor dos media que eu falei com ele diversas vezes. Ele seria depois director adjunto do Diário de Notícias e jornalista do Público. Passou ainda pelo Correio da Manhã.


quinta-feira, 19 de junho de 2014

Os media em António Rego


O livro é um diálogo de António Rego com Paulo Rocha, com aquele a fazer uma revisão de cinquenta anos de sacerdócio (ordenado padre em 1964). Nascido nos Açores, cedo veio para Lisboa, onde entrou na Rádio Renascença, em 1968, e esteve sete anos.

Nessa altura, a estação era frágil do ponto de vista de emissores. A onda média tinha potência limitada mas a rede de FM era nova. As emissões religiosas consistiam numa oração da manhã e um meditação, além da transmissão da Eucaristia dominical e do terço do Rosário. Depois, António Rego organizou o programa Verdade e Vida. No final de 1969, o programa foi proibido pela censura do Estado Novo: tinha sido dito alguma coisa sobre a educação e o poder político não gostou. Diz António Rego: "Com a censura fazíamos uma espécie de jogo, sem grande dramatismo e tendo sempre um grande apreço pela liberdade de expressão. Sentíamo-nos cercados de muitas formas. Mesmo com alguma revolta por não nos podermos expressar totalmente, como era o caso dos temas de justiça social, as encíclicas sociais e outros" (p. 80). Seguiram-se os programas Esquema XIII, que de semanal passou a diário, Diálogo com os que Sofrem, Palavra do Dia e celebrações.

Entretanto, assumiu o cargo de regente de estúdios, o equivalente ao actual director de conteúdos. Foi gestor de tensões e debates no final do regime autoritário. Ele recorda o programa Página 1, onde passavam canções de agrupamentos de jovens por natureza contestatários (p. 87). Com o 25 de Abril de 1974, o conselho de gerência demite-se e António Rego vai a administrador, onde começa a dialogar com a comissão de trabalhadores.

Quanto à televisão, há uma colaboração desde 1968 com a RTP para a missa transmitida. Nas suas palavras, é a missa na comunidade das ondas (p. 102). O entrevistador pede-lhe para exemplificar melhor as suas ideias: "A televisão destina-se em princípio a um espectador imaginário [...]. Acontece o mesmo numa comunidade em que o presidente, de olhos no ar, fala para uma assembleia anónima" (p. 104). António Rego também iniciou uma colaboração com a RDP. Foi, então, estudar comunicação social para Lyon com Pierre Babin. Na RTP, voltou para fazer Andar Faz Caminho, ao passo que na RDP faz Toda a Gente é Pessoa e colabora também na Antena 2.

Os passos seguintes seriam trabalhar na cooperativa Logomédia, centro de produção audiovisual, e escrever uma crónica no Diário de Notícias. Mas o passo mais importante é o programa 70x7, surgido em 1979, onde os programas se gravavam em filme de 16 milímetros que seguia para uma mesa de montagem morosa (p. 125), com um extremo cuidado na escolha de textos e músicas. 70x7 foi sempre feito de histórias pequenas de homens e mulheres jovens envolvidos em projectos sociais e da Igreja Católica, muitas vezes em sítios recônditos e inóspitos. Para António Rego foi sempre um trabalho gratificante. De quinzenal, o programa passou a semanal.

A TVI viria então. Em 1993, o quarto canal arrancava, com António Rego a director de informação. Houve necessidade de criar uma equipa de raiz com jornalistas seniores, pensar nas editorias (religião, política, internacional, economia, desporto). Uma carta de princípios servia de marcador de valores à maior "paróquia" de Portugal, a televisão. A missa dominical foi e continua a ser transmitida pelo canal, apesar de a sua filosofia empresarial ser hoje totalmente distinta da original.

Outros programas e trabalhos (Secretariado Nacional das Comunicações Sociais, agência Ecclesia) têm acompanhado a actividade de António Rego, padre e jornalista, em livro que se lê com avidez e interesse. O livro tem duas partes, a primeira onde se delineia o seu percurso pessoal e ligado aos media, a segunda centrada em grandes temas. Em diversas partes do texto, entrevistado e entrevistador encontram espaço para se debruçarem sobre tópicos mais profundos, religiosos, filosóficos, sociais e culturais, que assumem muito relevo na compreensão do percurso do entrevistado.

Leitura: António Rego, em entrevista a Paulo Rocha (2014). A Ilha e o Verbo. Lisboa: Paulinas, 286 páginas, 15,90 euros


quarta-feira, 18 de junho de 2014

Encontro de Palavras

Na sexta-feira, dia 20 de Junho, pelas 18:00, na rua Nova do Carvalho, 15, 1º esq., em Lisboa, o Encontro de Palavras. Reúne 11 vozes, num misto de declamação e improvisação: José Anjos, Luís Carvalho, Sandra Celas, Manuel Cintra, Francisco Rosa, Nuno Miguel Guedes, Filipe Vargas, Paula Cortes, Maria Cortez, Susana Neves e Marina Albuquerque. Acompanhamento musical de Alex Cortez e Filipe Valentim. Entrada livre.

O one-step

“O Jazz-Band é o triunfo da dissonância, é a loucura instituída em juízo universal, essa caluniada loucura que é a única renovação possível do velho mundo. Ser louco é ser livre, é ser como a inteligência não sabe mas como a alma quer. Os loucos são os grandes triunfadores da Criação. […] O Jazz-Band é a proclamação dessa loucura. O Jazz-Band, a encarnado e negro, a todas as cores, é o relógio que melhor dá as horas de hoje, as horas que passam a dançar, horas fox-trotadas, nervosas. No Jazz-Band, como num écran, cabem todas as imagens da vida moderna. Cabem as ruas barbáricas das grandes cidades, ruas doidas com olhos inconstantes nos placards luminosos e fugidios, ruas eléctricas, ruas possessas de automóveis e de carros, ruas onde os cinemas maquilhados de cartazes têm atitudes felinas de mundanas, convidando-nos a entrar, ruas ferozes, ruas-panteras, ruas listradas nas tabuletas, nos vestidos e nos gritos. As mulheres gostam de dançar, sobretudo porque não gostam de estar paradas. E, entretanto, a dança é a parada das mulheres, uma parada onde elas exibem, como uniformes, as suas toilettes multiformes, a parada onde elas jamais estão em sentido porque estão sempre em sentidos. As mulheres dançam, afinal, porque são mulheres, dançam como as cigarras cantam. […] O fox-trot é a dança boémia, estouvada, a dança-baloiço a dança que não se importa, a dança que não pensa no dia de amor. Amor nascido numa valsa é amor que casa, amor para sempre. Amor nascido no fox-trot é amor que morre no fox-trot, amor que dura um beijo. O one-step é, porém, a mais perigosa das danças porque é o rapto. Há mulheres que fogem num one-step, como num automóvel. Uma mulher num one-step é uma mulher em viagem. O Tango é uma dança de forças combinadas, uma dança tira-linhas. O maxixe é uma aliança de corpos. E, finalmente, o schimmy é a dança livre, a dança em que os braços e as pernas se encontram como camaradas e se embriagam juntamente no Champagne dos gestos, no ópio dos olhos furiosos, na electricidade metálica dos corpos. […] é curioso: a América, que vibra toda no ritmo do jazz-band, quase não dá pelo jazz-band. A Europa envelheceu, teve um abaixamento de voz com as emoções da guerra. A Europa lembrava um soprano lírico em decadência. [...] Simplesmente o que na América é vulgar, natural, quotidiano, na Europa é artificial, escandaloso, apoteótico. Na América, o jazz-band tem um ritmo de marcha. Na Europa é um hino. […] O jazz-band é a África do ritmo. Só as almas violentas se podem entender dentro dele. Um fox-trot, no jazz-band, é uma sanzala em delírio. O Jazz-band é a orquestra dos gritos inesperados, dos silvos, dos assobios. O Jazz-band é a orquestra que melhor dá o contrato do Homem e da Mulher. O Jazz-band é brutal como um amante severo, meigo e triste como companheira submissa. É autoritário como um marido déspota, lânguido e amoroso como uma mulher obediente. O Jazz-band é homem no claxon, nos assobios e no bombo, e mulher nas cordas gemedoras de banjos. O Jazz-band é, portanto, toda a natureza humana”.

Marinetti, o futurismo, uma liberdade (ou descompressão) saída da Primeira Guerra Mundial, mas que desembocaria nas tragédias das ditaduras das décadas seguintes e a poesia de um jovem artista explicam as metáforas (loucura, violência, hino, escândalo), as aliterações e todas as imagens (mesmo algum machismo) do texto. A música (o jazz e a dança), a beleza feminina, a alegria de viver e as máquinas (o automóvel, a electricidade) eram o pano de fundo do texto. Este foi apresentado em diversas conferências que Ferro proferiu no Brasil (Rio de Janeiro, S. Paulo, Belo Horizonte) em 1922 e 1923.

Leitura: António Ferro (1924). A Idade do Jazz-Band. Lisboa: Portugália, pp. 60-61-64-65-66-68-74

terça-feira, 17 de junho de 2014

À procura do repórter Esso

Wedekind

O Despertar da Primavera, do dramaturgo alemão Frank Wedekind, escrito em 1890-1891, subiu ao palco do Teatro Universitário do Porto.

A peça trata do tema de adolescentes que andam à volta da sexualidade entretanto descoberta. Wendla Bergmann faz 14 anos no começo da peça. A mãe pretende aumentar a saia, por ter chegado a adolescente; ela quer saber como nascem os bebés. A mãe recusa, temendo um castigo superior. Melchior Gabor tem também 14 anos, e faz perguntas sobre religião, ética e sexualidade. Num dos seus encontros com Weldla, viola-a e engravida-a. O aborto comandado pela mãe da rapariga não corre bem e ela morre. Moritz Stiefel, o melhor amigo de Melchior, tem dúvidas constantes e suicida-se. Os pais de Melchior mandam-no para um reformatório. Após uma reunião do conselho de professores do colégio onde anda, sobre ele pende a acusação de responsável pelas mortes de Wendla e Moritz. Ilse, amiga de infância dos três, amante de vários pintores, é a última pessoa que fala com Moritz.

Nuno Matos, que agora encena a peça, escreve: "Os assuntos de que trata permanecem hoje bem presentes numa sociedade que continua a olhar com hipocrisia e medo para a educação sexual dos seus filhos". Mas a peça fala também do despertar do amor e da amizade. No texto que acompanha a peça, os alunos do TUP agradecem ter frequentado o curso. Por mim, foi um prazer ver a peça, embora nem sempre a interpretação fosse a melhor. Críticas maiores: o sotaque demasiado regional; o grande entusiasmo que faz esquecer a necessidade de atores em personagens mais compenetradas. Boa cenografia de Marta Pereira, Orlando Gilberto-Castro e Tiago Ascensão.

A morte dos jornais

"Eu acabei o curso de Ciências de Comunicação em 1998 e nesse ano comecei a trabalhar na secção de cultura do Diário de Notícias. O meu editor chamava-se Eurico de Barros e o editor adjunto chamava-se Nuno Galopim. São pessoas que dispensam apresentações no meio jornalístico português. Os dois foram despedidos do DN no final da semana passada, no decorrer de um processo de despedimento colectivo que afastará dos quadros da Controlinveste mais 158 pessoas. Decidi trazer os seus nomes para aqui porque é importante dar cara aos números e para que se perceba que ir para a rua deixou há muito de ser sintoma de incompetência ou de falta de empenho. Já não há forma, para utilizar a linguagem política, de «cortar na gordura». Tudo é carne. Quando eu saí do DN em 2007, o Eurico teria perto de duas centenas de folgas em atraso. Não sei quantas terá hoje. Nós gozávamos com ele por causa disso. A sua vida era aquele jornal, folgava em média um dia por semana. E não era só suor – muito pouca gente nesta terra escreve tão bem, com tanta elegância, tanta ironia e tanto sentido de humor quanto ele. Quando trabalhar muito e bem já não chega para mantermos o emprego, pela simples razão de que, ao fim de 30 anos de carreira, ter um salário de dois mil euros é considerado uma extravagância, então o nosso trabalho serve para quê?" (início do texto de João Miguel Tavares, hoje no Público, http://www.publico.pt/sociedade/noticia/a-morte-dos-jornais-1650568).

Volto de novo à questão. Não tenho comentários a fazer. Só me fica um imenso desapontamento e uma grande tristeza.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Regresso a casa

Regresso a Casa, peça de Harold Pinter e encenação de Jorge Silva Melo é a história de uma família de um pai e três filhos, mais um tio, em que o primogénito regressa a casa depois de uma ausência de seis anos, nos arredores de Londres. Família da classe trabalhadora (um taxista, um talhante de carne, um empregado que treina boxe para ser profissional, um profissional ligado à prostituição). O filho regressado (Teddy, Ruben Gomes), professor universitário nos Estados Unidos, traz a mulher.

O pai Max (João Perry) ocupa o centro da cena. O seu sofá é o trono sob o qual tudo gira. No final, a mulher, que deixa partir o marido sozinho, senta-se no sofá, evidência que aquele lar passa a rodar em torno dela. Em diálogos duros, repetitivos e sincopados, como se de monólogos se tratassem, vamos começando lentamente a saber da história da mulher, mãe de três filhos. Antes do casamento, Ruth (Maria João Pinho) fora modelo e os filhos tinham então nascido. Ela crescera perto do sítio onde Max e a família moravam, e voltava, fazendo um arco completo: nos Estados Unidos havia muita areia e muito pó. A economia doméstica do lar alterava-se: embora com um pequeno investimento de cada membro da família, a mulher regressada trataria do lar e o dinheiro obtido por ela na prostituição daria prosperidade ao lar. A mulher, afinal, ocupava o lugar vago de Jessie, a mãe prostituta e que Lenny (Elmano Sancho) vinga com Ruth. Sam, o tio (Jorge Silva Melo) contou uma história da cunhada já falecida e desmaiou. Antes, filosofara Max: "Se calhar não é má ideia ter uma mulher em casa. Se calhar até é uma coisa boa. Quem sabe? Se calhar devíamos ficar com ela".

Boa representação, sala quase cheia no dia da estreia da peça no Teatro S. João (foto da companhia Artistas Unidos).

sábado, 14 de junho de 2014

A notícia mais triste da semana: os despedimentos no grupo Controlinveste

Dia 11 de Junho, a opinião pública tomava conhecimento do despedimento colectivo de 160 trabalhadores do Grupo Controlinveste, dos quais 140 através de um processo de despedimento colectivo e 20 de rescisões por mútuo acordo, abrangendo um total de 64 jornalistas, com muito impacto no Diário de Notícias, Jornal de Notícias, O Jogo, Global Imagens e TSF (http://www.jornalistas.eu/?n=9264). Por exemplo, João Paulo Baltazar foi despedido por ganhar o salário mais alto da TSF no conjunto das equipas de informação, mas o repórter fotográfico Jorge Carmona (Global Imagens) também foi despedido, apesar de ganhar o salário mais baixo da sua empresa (http://www.publico.pt/portugal/noticia/jornalistas-protestam-em-lisboa-contra-despedimentos-na-controlinveste-1639661).

O Conselho de Administração da Controlinveste é presidido por Daniel Proença de Carvalho após a recomposição acionista, onde entraram os empresários António Mosquito (27,5%) e Luís Montez (15%), além dos bancos BCP e BES (ambos com 15%). O anterior proprietário, Joaquim Oliveira, passou a deter 27,5%. (http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=744330&tm=6&layout=121&visual=49). Recorde-se que em 2009 a Controlinveste já despedira 122 trabalhadores (http://www.tvi24.iol.pt/economia---emprego/jornalistas-protesto-controlinveste-tvi24/1559695-6374.html).

quinta-feira, 12 de junho de 2014

António Luís Campos expõe fotografias

Após a conclusão da licenciatura de engenharia electrotécnica e voluntário em organizações não governamentais, António Luís Campos dedicou-se à fotografia (além de líder de viagens). Há dez anos assina colaborações para a National Geographic Magazine. O autor, que gosta de fotografar deltas e a vida fluvial, expõe agora algumas dessas fotografias e outras não publicadas na revista. Muitas dessas fotografias, ele precisa de entrar na intimidade dos fotografados, para o que prepara a situação e procura transmitir o que vê.

Tudo começou quando um dia abordou um fotógrafo americano e lhe perguntou quais os critérios para produzir uma reportagem (fotografias e texto). O primeiro trabalho de António Luís Campos publicado foi o de uma borboleta bombardeira. Natureza, vida quotidiana e tecnologia e seus bastidores são áreas que tem explorado visualmente.


Na conferência que ele deu, falou da experiência de acompanhar uma patrulha da neve da serra da Estrela, em condições de muito frio. Aí, o restaurante e a tasca são portos de abrigo e onde explorou com mais proximidade os estados de alma dos elementos da equipa. Os trabalhos de fotografia demoram tempos variados, de um dia a semanas ou meses. Um dos temas que explorou na conferência foi o acompanhamento de uma actividade forense, que durou cerca de dois anos. Um outro trabalho referido foi o de azulejos dos séculos XVI e XVII com sinais de geometria e matemática, recursos didácticos usados nesse tempo. Outros destaques na revista foram dados a trabalhos sobre a cortiça, onde o espaço de escrita e fotografia foi além de 20 páginas, e energia eólica.

Pode ser visitado em http://www.antonioluiscampos.com/.

domingo, 8 de junho de 2014

Florência

Nos últimos três anos, procurei informações sobre a fadista Florência Rodrigues para um trabalho sobre rádio. A sua relação muito próxima com Domingos Parker, empresário da rádio e do mundo do espectáculo localizado no Porto, podia elucidar-me melhor sobre o seu percurso profissional. Não consegui, com muita pena minha.

Curiosamente, uma entrevista publicada em 20 de Março de 1971 pela revista Rádio & Televisão, impressa em papel muito mau, responde ao que eu queria saber. O texto começa assim: "Uma figurinha mignonne, uns olhos que parecem estar sempre a sorrir". Mignonne pode traduzir-se por bonitinha, ou charmosa ou graciosa. Entrevistada por Manuel Dias, depois conceituado jornalista do Jornal de Notícias, ela narraria o seu começo da actividade de "cantar mais ou menos a sério aos treze anos, num programa dirigido pelo Domingos Parker, a Hora do Garnisé. Houve um concurso de fadistas, eu concorri e fui a Rainha das Cantadeiras do Norte. Fui, depois, a Lisboa cantar num concurso idêntico de carácter nacional, voltei a ganhar e fui eleita Rainha das Cantadeiras de Portugal no Coliseu dos Recreios. Lembro-me que a terceira classificada foi a Natércia da Conceição".

A fadista iria depois para o Brasil e fez carreira durante cerca de dez anos. Ela não explica as razões da sua partida mas alude a uma razão da volta: a ausência do país de origem. Hábil, o jornalista pergunta-lhe porque se instalou no Porto e não em Lisboa, onde havia muitos recintos para trabalhar, teatro de revista e televisão. À resposta dela, a indicar ir cantar no mês seguinte a França e estar a planear ir aos Estados Unidos, o jornalista concluiu: "sempre é alguma coisa". Florência forneceu dados da sua discografia: seis composições a incluir num LP, que ainda teria mais cantigas de outros discos. No Brasil, ela gravara dois LP, tendo começado por gravar em 78 rotações por minuto, sistema à altura já anacrónico. Uma música muito conhecida da fadista seria Recado a Lisboa, de autoria de João Villaret.




sábado, 7 de junho de 2014

Feira do Livro

Foi hoje ao final da tarde lançado o livro A História na Ficção Televisiva Portuguesa, livro coordenado por Catarina Duff Burnay (ver curto vídeo abaixo) e com capítulos assinados pela responsável da obra e por José Miguel Sardica (idem), Eduardo Cintra Torres (idem), Rogério Santos, Carlos Capucho e Pedro Lopes.



Coliseu do Porto

Leio no Público online: "Dezoito anos após uma megamanifestação em defesa da continuidade do Coliseu do Porto como principal sala de espectáculos da cidade, o equipamento volta a estar em risco. Se nada for feito para solucionar o prejuízo registado nas contas de 2013, o presidente da Associação dos Amigos do Coliseu, José António Barros, admite que a sala pode, em último caso, «fechar»". As contas ontem aprovadas na assembleia da associação apresentam um saldo negativo de 129 mil euros. O encerramento do Coliseu seria uma perda para a cidade do Porto e para a zona da cidade onde a sala está incluída. Há 18 anos, houve um movimento contra a afectação da sala a uma nova função, que foi travada. Espero que haja, de novo, uma solução. De Lisboa, mando um abraço de solidariedade para que tal não aconteça.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Cultural Industries

"Canada’s cultural industries, driven by internationally-recognized innovators and entrepreneurs, play an important financial role.  Culture contributes more than $46 billion, accounting for 7.4% of Canada’s GDP, and more than 640,000 jobs to our economy. Canada’s cultural industry is three times bigger than our insurance industry and twice the size of our forest industry. At the provincial level, cultural industries are booming.  In Ontario alone, the creative industry GDP is now larger than the province’s energy industry, is approaching 70% of the auto manufacturing sector and surpasses those of agriculture, forestry and the mining sectors combined. Cultural industries create jobs, build relations between arts and business, revitalize urban areas, attract skilled workers and create spin-off businesses. Understanding this dynamic is at the heart of Global Public Affairs’ Cultural Industries practice offering, and consultants are engaged in a number of key areas affecting the sector including:
  • Copyright reform and intellectual property issues, including government mandated review of the Copyright Act in 2017
  • Levy and tariff applications before the Copyright Board of Canada
  • Funding support programs including the Canada Book Fund, Canada Media Fund, and Canada Music Fund as well as a variety of programs available for performing arts, festivals, museums and galleries
  • Canadian Radio-television and Telecommunications Commission hearings, reviews and studies
  • Digital Canada 150 strategy and its impact on sectors ranging from videogames to music, TV to experimental digital art
  • Infrastructure funding for cultural projects through the Building Canada Fund and Cultural Spaces Fund
  • International treaty negotiations, such as the Comprehensive Economic and Trade Agreement (CETA) between Canada and Europe, and the Trans-Pacific Partnership, to ensure the protection of creators’ rights
  • Monitoring federal and provincial parliamentary committees and political initiatives
"Global Public Affairs consultants have worked with a wide range of projects across all areas of the arts and culture community including music industry associations, collectives representing songwriters, recording artists, music publishers and record companies, film and television screenwriters, newspaper publishers, urban development organizations, performing arts centres and museums.  A number of these engagements have been undertaken with clients based in Quebec where cultural issues tend to have a higher profile in a unique environment" (http://globalpublicaffairs.ca/practice_group/cultural-industries/).

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Arquivo fotográfico da Lusa em formato digital

São mais de três milhões de imagens agora digitalizadas em http://lusa.fotos.sapo.pt. A fotografia mais antiga é de 1913. Elas retratam alguns dos principais acontecimentos da história de Portugal e do Mundo (dica de Maria João Nogueira, no Facebook).

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Cinquenta anos da Radio Caroline

 

Esqueci-me de escrever sobre os cinquenta anos da Radio Caroline, que entrou a funcionar em 28 de Março de 1964, no sábado de Páscoa. Caroline era o nome de um barco registado no Panamá e propriedade de uma empresa baseada no Liechtenstein e comprada pela Planet Productions, uma empresa registada na Irlanda e que pertencia à Planet Sales, entidade que vendia publicidade na primeira estação comercial de rádio na Grã-Bretanha. Logo à partida, um imbróglio de registos e empresas.

Um anúncio da estação seria: "Esta é a Radio Caroline em 199 [metros], uma estação que emite música todo o dia. Estamos no ar todos os dias das seis da manhã até às seis da tarde. A hora certa é meio-dia e um minuto e este é o programa de Christopher Moore" (Clark, 2014: 13). Além de Moore, o outro locutor era Simon Dee. O barco, com o capitão Baeker e da sua tripulação, tinha dois engenheiros suecos especializados em produção e transmissão de rádio.

O que se destaca fisicamente do barco como mostra a fotografia é a sua antena, de 51 metros de altura, o que o parece desequilibrar. O barco, ancorado fora das águas territoriais da Grã-Bretanha a nordeste de Felixtowe, atingindo Londres e todo o país mas também chegando à Holanda, Bélgica e França através dos dois emissores de 10 kW. Parecendo emissores de pequena potência, eles estavam sobre o mar, o que facilitava a propagação. O custo da transmissão era avaliado em 260 libras por semana, uma verba muito avultada para a época.

Em 1964, o monopólio de rádio na Grã-Bretanha, a BBC, era posto em causa. Como o barco estava em área internacional, a legislação e o poder militar a ela associado não podiam actuar. Mas também as associações discográficas procuraram impedir a transmissão de música, reclamando a cobrança de direitos de autor dos músicos. E os ouvintes da estação eram avisados pelos Correios de que não podiam ouvir estações ilegais sob pena de pagarem multas, o que se revelou paradoxal dado o número de cartas enviadas à estação em seu apoio. Os programas da BBC eram vistos como aborrecidos. E os anunciantes aproveitaram-se da novidade oferecida pela rádio pirata para colocarem aí muita publicidade, a necessária sobrevivência da estação. A locução era calma e informal, o que atraia quem a ouvia.

No dia do primeiro aniversário da Radio Caroline, quatro prémios especiais eram atribuídos pela estação: The Animals (House of Rising Sun), Petula Clark (Downtown), Tom Jones (It's not Unusual) e Beatles. Em 1966, Emperor Rosko entrava como dj na estação a ganhar 70 libras semanais e com um estilo próprio, tipo "Grande Cassaboo, eu tenho alguma coisa especial para o teu papá e a tua mamã, feliz por te ter no programa". Quando os Beatles foram aos Estados Unidos em Agosto de 1966, havia três dj de estações operando no mar da Grã-Bretanha. A música pop singrava muito devido às estações piratas de que a Caroline se tornou um ícone.

Leitura (apressada): Ray Clark (2014). Radio Caroline and the True Story of the Boat that Rocked. Stroud, Gloucestershire: The History Press, 256 páginas

terça-feira, 3 de junho de 2014

A rádio em Fernando Curado Ribeiro

Fernando Curado Ribeiro (1919-1995) publicou em 1964 o livro Rádio. Produção, Realização, Estética, já com o programa Sintonia 63 no ar. Sintonia 63 fechava o ciclo de 24 horas de emissão contínua do Rádio Clube Português.


O livro Rádio. Produção, Realização, Estética, agora com cinquenta anos de edição, divide-se em três partes e treze capítulos. A primeira parte, Produção Radiofónica, tem três capítulos: Exploração Radiofónica, Rádio e Cultura, O Ouvinte. A segunda parte, Realização Radiofónica, tem cinco capítulos: Rádio Teatro (texto, montagem, realização, ensaios, ambientes, relevo sonoro, ruídos e trucagem, música, interpretação, montagem final; Início da Arte Radiofónica. Nova Estética), Rádio Informação (noticiários, rádio repórter e rádio reportagem, terminologia e sinais usados na realização radiofónica), Voz. Palavra Falada, Textos. Palavra Escrita, Formação Profissional do Pessoal da Rádio (realização; considerações, cursos e aplicação prática). A terceira e última parte, Estética, tem quatro capítulos: Cânones da Estética Radiofónica, Possibilidades de uma Estética Aplicável à Rádio Publicidade, Integração da Rádio numa Estética Geral, Caminho e Resistências da Obra de Arte Radiofónica.

A sua leitura está a ser inspiradora.