sábado, 10 de junho de 2006

ALVAREZ EM LISBOA

José Cândido Dominguez Alvarez (1906-1942) nasceu e morreu no Porto. Mas, como os pais eram galegos, até os jornais do Porto o davam como sendo do norte de Espanha. Aliás, Alvarez foi cedo estudar para Pontevedra (telegrafia), embora não terminasse qualquer curso nessa área.

A paixão era a pintura, tendo conseguido entrar em Belas Artes (1926) e concluir o curso (1940), poucos anos antes da morte.

Os investigadores da sua pintura notam três fases no percurso de artista em Alvarez. A primeira fase, logo depois do ingresso na Escola de Belas-Artes, inicia-se em 1928, a "fase vermelha", como chama Fernando Lanhas. São paisagens urbanas, de experimentação, longe do academismo da escola. Nos seus trabalhos, há cores quentes, com vermelhos e amarelos, com alguns azuis. Mas, logo em 1929, e até 1936, Alvarez passa por uma fase mais pessoal e interessante, em que a representação do que vê surge distorcido, errático e de forte inclinação face a um plano da terra. São árvores e postes telefónicos esgrouviados, chaminés pululando na paisagem com o seu fumo negro também muito inclinado.

E, sobretudo, os homens, com chapéu de coco, muitos à beira da porta da taberna, entrando ou saindo, estilizados, de negro, solitários, caminhando a 45º, no passeio ou na praça, por vezes deixando sombras no seu rasto. Cenas de cemitério ou homens abrigados com guarda-chuvas acompanham este período de grande riqueza pictórica em Alvarez. É, para mim, o período mais fascinante do seu trabalho.

A terceira fase, mais naturalista, resulta de - dizem os especialistas - uma dupla pressão. Por um lado, a necessidade de vender algumas obras, dado que Alvarez não tem posses e vive com os pais, com um magro salário. Por outro lado, algumas viagens feitas pelo norte de Espanha, indo da Galiza até ao País Basco. Curiosamente, nunca empreendeu uma viagem a Lisboa, pelo que o contacto com a actividade artística aqui era sempre em segunda mão. A fase naturalista consiste na reprodução de paisagens rurais, da natureza, em quadros de dimensões reduzidas, parecendo quase postais ilustrados. Minúcia e cores vivas enchem essas pequenas obras, e que Alvarez pintou em grande quantidade, com um elevado domínio técnico e de muita beleza estética, como se observa em reproduções dos seus múltiplos cadernos de apontamentos, prova da justa atribuição de uma bolsa de estudo por parte do Instituto de Alta Cultura.

Alvarez morreu cedo, com tuberculose. No entanto, tornou-se uma figura central no Porto (e na Galiza), quer pela fase modernista quer pelo último período, naturalista. De tal modo que, após o seu desaparecimento, se fez uma exposição contemplando a última fase. Como que em desagravo, outra exposição relevaria a fase experimentalista e modernista (1929-1936). Como se Alvarez não fosse um mas dois pintores.

A pintura deste artista inconfundível está patente na Gulbenkian (Lisboa), até 15 de Outubro, no ano em que se comemora o centenário do seu nascimento. O catálogo, com diversas colaborações, é um elemento imprescindível para a compreensão de um pintor de obra solitária.

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