sábado, 15 de novembro de 2003

SEMIÓTICA

Enquanto teoria, a semiótica realça a comunicação como geradora de significação. Com ela, constitui-se um novo conjunto de conceitos: signo, significação, ícone, índice, denotação, conotação, paradigma, sintagma. No centro está o signo. Ao estudo do signo chama-se semiótica, que compreende: 1) signo, 2) códigos ou sistemas, 3) cultura – presta atenção ao texto; considera o receptor ou leitor como possuidor de um papel activo. O signo é algo físico, perceptível aos nossos sentidos.

Porque considero importante a inclusão desta ciência nas indústrias culturais, incluo aqui elementos principais de textos pertencentes a Ferdinand de Saussurre, Adriano Duarte Rodrigues (1991), Roland Barthes (1981) e Charles Sanders Peirce (1978). Uma aplicação prática é o estudo das primeiras páginas dos jornais e dos seus títulos principais [a propósito ver o livro de Dinis Manuel Alves (2003). Foi você que pediu um bom título? Coimbra: Quarteto].

Ferdinand de Saussure (1857-1913)

Interessou-se pela linguagem e pela relação entre um signo (a palavra) e os outros signos. Para Saussure, o signo é uma realidade psíquica com duas faces, um objecto físico com um significante e um significado. O signo consiste, assim, num significante (imagem do signo; marca no papel ou elemento acústico) e num significado (conceito mental a que ele se refere).

Saussure definiu dois modos dos signos se organizarem em códigos. O primeiro é o paradigma, conjunto de signos donde se escolhe aquele que vai ser utilizado. O segundo é o sintagma, mensagem na qual os signos escolhidos se combinam. Exemplo: a ementa num restaurante. A estrutura da ementa tem uma entrada, um prato de carne ou peixe e uma sobremesa (o paradigma ou sistema). Dentro de cada um destes três elementos existe uma variedade de opções. Assim, cada cliente combina-as numa refeição; o pedido feito ao empregado é um sintagma.

Adriano Duarte Rodrigues

O autor tem uma atitude pedagógica quando distingue sinais e signos. Para ele, o sinal é o impulso que desencadeia um processo de transmissão com uma resposta adequada (casos dos termóstatos no aquecimento central ou no frigorífico). Daí a informação enquanto medida estatística da probabilidade de ocorrência de um dado acontecimento. O estudo do sinal pertence ao limiar inferior da semiótica [estamos ainda no domínio da teoria matemática da informação]; por isso, estuda o código, o ruído e a redundância. Há ainda um limiar superior da semiótica, a concepção do mundo [Weltanschauungen], o domínio do mítico e do ideológico.

O professor situa o campo semiótico no meio desses dois limiares e define semiótica “como objecto de estudo as componentes expressivas ou significantes das manifestações culturais”. Mas, ainda segundo Rodrigues, toda a acção humana é significante, expressiva, pelo que a semiótica se serve do estudo de disciplinas como a sociologia, a economia ou a história. A semiótica é, assim, também o “estudo do arranjo, da organização específica que as manifestações do sentido apresentam”; ela é do domínio dos signos, entidades que se referem e/ou designam as coisas sob o modo de representação ou da cópia. Os signos possuem uma significação (ordem do conceito que permite compreender uma série de entidades particulares).

Adriano Duarte Rodrigues, como o faria Roland Barthes, parte de Ferdinand de Saussure, o pai da linguística, o qual se propôs distinguir entre parole (acto individual da fala) e langue (aspecto colectivo). A langue é de natureza institucional, arbitrária (fundada numa convenção) e linear (desenrolada no tempo). A língua constitui-se em dois tipos de relações: paradigmáticas e sintagmáticas. Além disso, uma aparente contradição mutável/imutável do signo linguístico resolve-se na oposição do aspecto sincrónico do sistema e a sua evolução diacrónica. Alguns destes temas seriam mais desenvolvidos no texto de Barthes.

Roland Barthes (1915-1980)

Este autor compara signo, sinal, índice, ícone, símbolo e alegoria, referindo a simultânea aproximação e distinção. Ora, o signo remete para a relação de dois termos ou elementos [relata] que implicam ou não a representação psíquica de um deles, a analogia, a imediatez do estímulo e resposta, a coincidência e a ligação. Deslocando-se para a figura do “pai fundador”, Saussure, este definiu signo como a união de um significante e de um significado, de uma imagem acústica e de um conceito.

A teoria do signo linguístico enriqueceu-se com o princípio da dupla articulação: 1ª articulação – unidades significativas, dotadas de sentido (palavras ou monemas), 2ª articulação – unidades distintivas, que participam na forma mas não têm um sentido (sons ou fonemas). A dupla articulação dá conta da economia da linguagem humana. O plano dos significantes constitui o plano de expressão e o dos significados o plano de conteúdos, ou a forma e a substância (obtido de empréstimo em Louis Hjelmslev).

Sobre o significado, Saussure marcou a sua natureza psíquica, chamando-lhe conceito: o significado da palavra boi não é o animal boi, mas a sua imagem psíquica. O significante é um termo puro, pois não se pode separar da definição de significado. A substância do significante é sempre material (sons, objectos, imagens). Há signos verbais, gráficos, icónicos e gestuais. O signo é talhado (biface) de sonoridade ou visualidade. A significação é um processo ou acto que une o significante ao significado e cujo produto é o signo. Na língua, o significado está atrás do significante e só pode ser atingido através deste: Se (significante)/So(significado).

Há um valor no signo, com dois termos: se se modificar um dos seus termos, modifica-se o sistema. Esses termos ou planos de valor no signo são: 1) sintagma, 2) associação (paradigma) [sistema, na linguagem de Barthes]. Cada termo fixa o seu valor da oposição com os que estão antes e depois. Na cadeia de palavras, os termos reúnem-se presencialmente. É o plano dos sintagmas. No plano das associações, as associações têm entre si coisas em comum, formam grupos em que existem relações diversas. Para Saussure, o sistema é uma série de campos associativos, ou determinados por afinidades de sons ou de sentido. A organização interna de um campo associativo ou paradigma chama-se oposição, relação ou correlação.

A linguagem humana, por ser duplamente articulada, comporta duas espécies de oposições – distintivas (entre fonemas) e significativas (entre monemas). Qualquer sistema de significação comporta um plano de expressão (E) e um plano de conteúdo (C). Há um plano de denotação e um plano de conotação. Um sistema conotado é um sistema cujo plano de expressão é ele próprio constituído por um sistema de significação. A sociedade desenvolve-se a partir do sistema da linguagem humana, sistemas segundos de sentido.

Curiosa a comparação de Saussure: cada unidade linguística é semelhante à coluna de um edifício antigo; essa coluna mantém uma relação real de contiguidade com outras partes do edifício (relação sintagmática). Se a coluna for dórica somos levados a compará-la com outras ordens arquitecturais, o jónico ou o coríntio (relação associativa, paradigmática ou sistemática). O plano associativo aproxima-se da língua como sistema; o sintagma aproxima-se da fala.

Em Elementos de semiologia (1981), editado inicialmente em 1964, Barthes definiu a semiologia como tendo “por objecto qualquer sistema de signos, sejam quais forem a sua substância ou os seus limites: as imagens, os gestos, os sons melódicos, os objectos e os complexos dessas substâncias que encontramos nos ritos, nos protocolos ou nos espectáculos constituem, senão «linguagens», pelo menos sistemas de significação”. Barthes ordenou os elementos fundamentais da semiologia em quatro rubricas: 1) língua e fala; 2) significante e significado; sistema (ou paradigma) e sintagma; 4) denotação e conotação.

Para o estudo do discurso dos media, dois desses binómios foram essenciais: significante/significado e denotação/conotação. A denotação é a significação óbvia, de senso comum, do signo. A conotação é quando o signo se encontra com os sentimentos e emoções dos utilizadores e com os valores da sua cultura. Numa fotografia, a denotação é aquilo que é fotografado; a conotação é a forma como algo é fotografado. A conotação é arbitrária e específica de uma cultura. Em O óbvio e o obtuso (1984:14-15), Barthes escreveu: “Qual o conteúdo da mensagem fotográfica? O que é que a fotografia transmite? Por definição, a própria cena, o real literal. (...) Existem outras mensagens sem código? À primeira vista, sim: são precisamente todas as reproduções analógicas da realidade: desenhos, pinturas, cinema, teatro. Mas, efectivamente, cada uma destas mensagens desenvolve de uma maneira imediata e evidente, além do próprio conteúdo analógico (cena, objecto, paisagem), uma mensagem complementar, que é aquilo a que se chama vulgarmente o estilo da reprodução; trata-se, então, de um sentido segundo, cujo significante é um certo «tratamento» da imagem sob a acção do criador, e cujo significado, quer estético, quer ideológico, remete para uma certa «cultura» da sociedade que recebe a mensagem. Em suma, todas estas «artes» imitativas comportam duas mensagens: uma mensagem denotada, que é o próprio analogon, e uma mensagem conotada, que é o modo como a sociedade dá a ler, em certa medida, o que pensa dela”.

[leituras: Roland Barthes (1981). Elementos de semiologia. Lisboa: Edições 70 (originais de 1964); Roland Barthes (1984). O óbvio e o obtuso. Lisboa: Edições 70 (original de 1982)].

Charles Sanders Peirce (Écrits sur le signe, 1978: 147-165)

Para o filósofo e lógico Peirce (1839-1914), um signo ou representante é o primeiro elemento de uma relação triádica que estabelece ligação a um segundo elemento chamado objecto e que pode determinar um terceiro elemento chamado interpretante, que também se relaciona com o objecto. O signo ou representante é aquilo que substitui qualquer coisa por alguém, isto é, significa na ausência. O interpretante é o conceito mental do utente do signo, seja orador ou ouvinte. Descodificar é uma actividade tão importante como codificar. Peirce produziu três tipos de signo (1978: 148-165).

Os signos dividem-se em ícones, índices e símbolos. Um ícone é um substituto de uma coisa a que se assemelha. Uma mensagem material como um quadro é um elemento convencional no seu modo de representação. As fotografias são elementos icónicos. A fotografia no BI é um elemento icónico que me representa. Um índice é um elemento de autenticidade. Um relógio indica-nos as horas. Um barómetro com baixa pressão e o ar húmido são índices de chuva próxima. Diz-se que não há fumo (índice) sem fogo (realidade). Um índice é uma representação que reenvia para o seu objecto não pela semelhança ou analogia, mas porque há uma ligação dinâmica. O símbolo é uma réplica ou materialização de uma palavra pronunciada. A bandeira nacional ou um sinal do código de estrada são símbolos. Um símbolo é um signo próprio para declarar que o conjunto de objectos denotados por um conjunto de índices que se lhe associam. Um símbolo não indica uma coisa em particular, denota um género de coisa.

1 comentário:

Anónimo disse...

Obrigada por ter escrito este artigo. Foi uma grande ajuda para um trabalho de Semiologia que estou a fazer, uma vez que tem uma linguagem muito acessível. Obrigada mesmo!