segunda-feira, 12 de abril de 2004

SOBRE OS FÃS

Já escrevi há alguns dias sobre os fãs, a propósito dos concertos Rock in Rio (mas também o poderia ter feito acerca do Super Rock, Super Bock). E retomo - embora não de modo directo - devido à notícia saída no Público de sábado sobre o primeiro espectáculo programado por Madonna para um domingo na Irlanda, o que provocou críticas por parte dos católicos daquele país. Estes, através do pároco de Slane, onde irá decorrer o concerto, para além de considerarem o domingo como dia de descanso para os católicos e inadequado para espectáculos, centraram-se no conteúdo provocador "do ponto de vista sexual" das propostas musicais da cantora. A notícia recorda ainda que, da última vez que o castelo de Slane foi palco de um concerto ao domingo, em 1984, com Bob Dylan, a actividade acabou com fortes tumultos [acrescenta o Diário de Notícias de hoje que devido a excessos de consumo de álcool].

Fico-me com as palavras-chave fãs e tumultos e associo um texto que ando a ler, de Barbara Ehrenreich, Elizabeth Hess e Gloria Jacobs, intitulado Beatlemania: girls just want to have fun, publicado num livro colectivo em 1992 e recuperado, em 2003, na antologia editada por Will Brooker e Deborah Jermyn, The audiences studies reader. Como aparece agora em versão resumida, torna-se mais fácil trabalhá-lo. Eis o que me proponho fazer.

Barbara Ehrenreich e colegas escreveram sobre o fenómeno dos Beatles, os Fab Four, nos idos anos de 1963 e 1964. A música pop e rock fazia furor, nomeadamente junto das adolescentes, como hoje também se pode constatar nos concertos das actuais bandas (e algumas das mais famosas estarão nesses concertos do Rock in Rio e Super Bock Super Rock). Então, há quarenta anos, as rapariguinhas gritavam pelos seus ídolos musicais, provocando desacatos como se fossem greves, manifestações antigovernamentais ou um movimento social organizado e com objectivos claros. Mas faziam-no tão somente para se aproximarem dos músicos.

Tudo começou com uma reportagem sobre um concerto que os Beatles deram no Palladium londrino em 13 de Outubro de 1963 (p. 181). O movimento não teria envolvido mais de oito raparigas, mas a notícia actuou como uma chamada para a violência. Onze dias depois, um grupo de raparigas muito excitadas acorreram a saudar os Beatles à chegada do aeroporto de Heathrow. No começo de Novembro desse ano, houve uma luta entre a polícia e as fãs que procuravam comprar bilhetes para um espectáculo com a mesma banda. Foram hospitalizadas nove pessoas após a multidão ter entrado pelas janelas do escritório onde se vendiam os preciosos papéis. Mais tarde, quando os Beatles chegaram aos Estados Unidos para uma tournée, rebentaram as críticas: aproximarem-se dos Beatles era como obter uma licença para um grande tumulto. Os Estados Unidos estavam ainda sob o efeito do assassinato do presidente Kennedy. No aeroporto de Nova Iorque, havia uma multidão de quatro mil raparigas (houve quem estimasse serem 10 mil). E centenas de adolescentes esperavam os quatro músicos junto ao hotel Plaza, onde ficariam hospedados. Em 4 de Fevereiro de 1964, os Beatles foram ao programa televisivo "Ed Sullivan Show": nessa noite, 73 milhões de americanos acompanharam a emissão, num recorde de audiência, enquanto que os registos de roubos ficaram em branco. Curiosamente, as almofadas pretensamente usadas no sono dos músicos foram cortadas em 160 mil bocados e vendidas a um dólar cada!

Estávamos no domínio da histeria centrada nas estrelas da música. Ver os ídolos na televisão era uma coisa, mas vê-los de perto - e, de preferência, tocá-los - era outra coisa. Para os adultos, isso tratava-se de uma epidemia. Os Beatles transportavam germes de contaminação, e todas as rapariguinhas estavam dentro do grupo de risco ao contágio. Nessa experimentação de contacto, uma adolescente, mesmo a mais pacífica, transfigurava-se, assaltando e destruindo propriedades, escrevia-se. Mas alguns "sábios" da televisão - que também aparecem nestes momentos - descansavam as populações, dizendo que as rapariguinhas haveriam de crescer e tornar-se mulheres responsáveis. É que, dizia-se numa argumentação válida, os Beatles eram rapazes muito "sexy" e as adolescentes não podiam ficar indiferentes ao momento (p. 184) [imagem retirada do sítio BeatlesCom].

Se, anteriormente, Frank Sinatra e Elvis Presley arrastaram multidões de fãs, o êxito dos Beatles acentuava a tendência e conduzia a mudanças culturais expressivas. Passavam a idolatrar-se músicos e estrelas, mesmo quando desapareciam inesperadamente como o caso de Jim Morrison, da banda Doors. Ou mais tarde, com Kurt Cobain, dos Nirvana, desaparecido há dez anos, mas ainda mais famoso e mítico do que quando vivo.

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