quinta-feira, 24 de junho de 2004

"Não Vá, Telefone" - publicidade e propaganda da APT nos anos de 1930

Passam hoje dez anos que a empresa Telefones de Lisboa e Porto (TLP) e outras empresas se fundiram para dar lugar à Portugal Telecom (PT). Na realidade, a nova empresa surgia a 24 de Junho de 1994, dia de S. João.

Durante perto de vinte anos trabalhei nessas duas empresas, na área profissional de comunicação e imagem (comunicação interna e contactos com a imprensa, nomeadamente). Como forma de recordar a mudança de designação empresarial, apresento aqui um texto que escrevi em 1989, integrado num pequeno livro Da telefonista à central digital, editado pela primeira daquelas empresas, e mais tarde reproduzido no livro Olhos de boneca, em 1999, publicado pela segunda das empresas, em edição da Colibri.

blogue10.JPGTrata-se de um texto sobre cartazes publicitários - e que acho que se enquadra nos objectivos deste blogue. Espero que gostem, nomeadamente de algumas das imagens, muitas delas redescobertas em revistas publicadas na época (anos de 1930). A empresa chamava-se então Anglo-Portuguese Telephone (APT), empresa de capitais ingleses designada carinhosamente por Companhia dos Telefones [agradeço a Daniela Bertocchi, do blogue brasileiro Intermezzo, o ter preparado e alocado as imagens num servidor próprio].

Uma publicidade moderna

Nos anos de 1930, a APT lançou uma intensa campanha promocional célebre pela frase “Não vá… senão de telefone”, enquadrando um dos mais significativos cartazes de então, pertencente ao artista plástico Cunha Barros. Editaram-se livros, panfletos e artigos, promoveram-se concursos e exposições, organizaram-se montras comerciais dos edifícios da companhia para expor equipamentos e material de promoção. Utilizando meios e técnicas recentes, a publicidade da época produziu elegantes textos e imagens, tendo ficado na memória alguns desses trabalhos, pela sua elevada qualidade.

Por detrás do esforço publicitário e de propaganda, encontrava-se a necessidade de expandir a rede de telecomunicações e tornar o telefone um serviço comum. A APT saíra reforçada do contrato estabelecido em 1928 com o Estado e preparara a transição do sistema de pagamento de uma tarifa fixa e anual para um sistema de preços por chamada. A automatização e novos serviços (despertar, hora exacta, uso de linhas telefónicas para a transmissão directa de acontecimentos para a rádio) prestavam-se à recente mobilidade social e ao aparecimento de novas zonas residenciais e locais de emprego e lazer, fazendo do telefone um instrumento cada vez mais útil no contacto entre as pessoas.

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Apesar de mais justo, pagando o serviço de acordo com o volume de tráfego telefónico gerado, a alteração do sistema tarifário introduziu um agravamento de preços. O processo de harmonização decorreu ao longo de dez anos, período onde se processaram ataques violentos em artigos de jornais, veiculados por jornalistas e líderes de opinião. O mesmo sistema também entrou em vigor nas redes dos CTT mas com impacto amortecido, dado ter sido adoptado mais tarde e desencadeado em áreas de menor reivindicação social que Lisboa ou Porto.

Os anos que decorreram até ao final da década de 1930 representaram o período de ouro na publicidade da APT. Embora não conseguindo a pretendida massificação do telefone – dado o fraco poder de compra e as consequências indirectas da segunda guerra, tendo de esperar pelas duas décadas seguintes, quando se alcançou o telefone cem mil (1950) –, as campanhas de comunicação pública nunca mais tiveram o rigor, a imaginação e a criatividade das desenhadas naquela década.

Um outro aspecto a salientar reside na articulação dos interesses da companhia com as políticas governamentais. A situação económica do país melhorara desde 1923, mas a instabilidade militar e política manteve-se. O golpe militar de Maio de 1926, encabeçado por Gomes da Costa, levou o presidente da República, Bernardino Machado, a encarregar o comandante Mendes Cabeçadas de formar governo, após o que se demitiu. As eleições de Abril de 1928 para a presidência da República deram a vitória ao único candidato: Óscar Carmona. No mês seguinte, o chefe do Estado efectuava a primeira ligação telefónica internacional com Espanha, estando também presente nas inaugurações das centrais telefónicas automáticas da Trindade (1930) e Estrela (1937). Tal significava uma ligação íntima entre a empresa e o governo. Após a nomeação de Carmona, o coronel Vicente de Freitas formou ministério, com Oliveira Salazar a ministro das finanças, mas teve pouco sucesso. Um novo ministério, dirigido por Domingos Oliveira, também não durou muito tempo. Salazar passou a dirigir o governo em Julho de 1932, consolidando o regime durante os anos seguintes, através de uma forte arquitectura jurídica e corporativa: o Estado Novo. A guerra civil espanhola, iniciada em 1936, despertou uma corrente de ultra-nacionalismo, representada na criação da Legião Portuguesa nesse mesmo ano. Acautelando os interesses ingleses da APT, em especial no período da guerra, manteve-se a boa relação entre administração da companhia e poder político, tendo Alexander Rogers, responsável máximo da empresa em Londres, visitado Salazar nas ocasiões em que se deslocou a Portugal.

blogue7.JPGAfectividade nas mensagens, endereçamento das campanhas a públicos-alvo específicos (nomeadamente os urbanos), humor fino nos materiais de comunicação e afirmação de uma cultura empresarial própria foram alguns dos ingredientes mais importantes a destacar neste período de campanhas. Daí, nos propormos fazer agora uma rápida incursão a alguns dos materiais publicitários produzidos e analisar profissões associadas às relações públicas, que traduziram a nova responsabilidade da companhia perante os seus assinantes ou clientes. Além da profusão de materiais, evidencia-se a quantidade de modos de comunicação utilizados: montras de lojas, anúncios corporativos em jornais, bandas desenhadas, viaturas de trabalho com publicidade e acções de relações públicas, com o governo e os media, feiras e exposições, mecenato e edição. Embora não estivessem divididas cientificamente as várias disciplinas de comunicação organizativa como as conhecemos hoje, a estrutura do trabalho empírico aproximava-se da presente realidade, demonstrando uma grande actualidade.

Textos e cartazes

Nos jornais, os textos editados realçavam as qualidades do telefone, como mostra a seguinte peça: “Existe um aparelho para manter sempre vivos os afectos, ainda que as pessoas estejam a grande distância. É um aparelho eléctrico, vulgaríssimo, há muito experimentado, com resultados excelentes: é o telefone. Nos tempos actuais ninguém pode dizer que está longe de quem lhe é querido: em qualquer ocasião, e com a máxima comodidade, o ausente pode chamá-lo, conversar com ele, sentir no ouvido a sua viva voz, tomar decisões, pedir explicações, interrogar, manter, em suma, as relações mais directas e afectuosas” (O Século, 20 de Dezembro de 1938).

Ou o seguinte texto: “Criaram os americanos nova designação que vai correr mundo pela justeza e perfeição da sua adaptação: o amigo público número um. É o Telefone. Se os americanos o dizem é porque é um facto: o amigo público, aquele que para cada um e para todos é a melhor expressão da dedicação, da fidelidade. O que traz as boas notícias, o que dá a tranquilidade, o sossego, cria o contacto com os entes queridos, estreita os laços da solidariedade humana” (Diário de Lisboa, 19 de Dezembro de 1938). Um terceiro texto atestava a mesma linha de propaganda: “Escrevi um postal à Companhia. Um empregado visitou-me. Preenchi um contrato que me custou o preço do papel selado. No dia seguinte, sem que tivesse desembolsado mais dinheiro, nem perdido tempo, vieram os homens da Companhia e colocaram-me um aparelho. E agora tenho de pagar por mês 120$00 que é quase tanto como eu pagava de moço e grooms, e ao fim de 10 meses fico a pagar só 80$00 por mês. Tenho direito a 1000 chamadas que chegam e sobejam para o meu serviço e nada tenho a pagar pelas dezenas de chamadas que os fregueses fazem para cá” (sempre que não há referência a um jornal, quer dizer que são documentos produzidos pela Companhia dos Telefones).blogue4.JPG

Nas campanhas de promoção também se realizou, a nível nacional, um concurso literário de contos e novelas, com prémios pecuniários entre 50$00 e mil escudos, salientando a importância do telefone na sociedade moderna (Comércio do Porto, 25 de Fevereiro de 1936, e Diário da Manhã, 8 de Março de 1936). De entre algumas dezenas de trabalhos, o primeiro prémio foi para o conto “O telefone”, de Alberto Santa Cruz, contando a história simples de um engenheiro agrónomo vivendo no interior do país. Num dia, ausente em serviço, um incêndio devorou a sua casa. Enfrentando o fogo e o fumo, a sua mulher chegou ao escritório e telefonou aos bombeiros, que prontamente a socorreram. No regresso, vendo-a pesarosa pela perda dos bens materiais, o engenheiro considerou terem sido preservados os valores mais preciosos da vida dele: a mulher e o filho. E a casa a construir teria um telefone salvador em todas as dependências.

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