quarta-feira, 22 de dezembro de 2004

Alexandre o Grande

Confesso que o filme de Oliver Stone não me impressionou deveras, tirando as representações de Anthony Hopkins (general Ptolomeu), Colin Farrel (Alexandre, o Grande) e Angeline Jolie (Olímpia).

Alexandre (356-323 A.C.) foi rei da Macedónia (336-323 A.C.) e conquistador do império persa, tendo derrotado Dario, construído diversas cidades a quem deu o nome de Alexandrias e governou sobre Babilónia. Nas cenas da batalha entre Alexandre e Dario, alguns dos efeitos especiais pareceram-me uma mistura de cinema com a pintura abstracta de finais dos anos 1950, imagens não propriamente interessantes de ver.

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Ao longo do filme, várias vezes se compara a actuação de conquista por parte de Filipe, pai de Alexandre, com as deste. Onde o primeiro chegara, o segundo procurou ultrapassar.

Sem querermos, um filme ou um outro texto mediático qualquer é lido em termos do contexto social e político da época. E não escapamos a comparar a intervenção no Iraque de Bush pai com a do actual presidente americano. E, quando Alexandre se refere a três anos de guerrilha dos persas, não se pode esquecer a situação explosiva no Iraque, como a dos acontecimentos de ontem no coração das tropas americanas.

Para além da história do filme e da lembrança da situação presente no Médio Oriente, é importante referir as polémicas em torno de Alexandre o Grande. E nada melhor do que ler o texto de Robin Lane Fox, conselheiro de Oliver Stone para o filme, e publicado no Sunday Times do passado dia 19.

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Fox, num encontro com professores de Princeton, ouviu um destes contestar a ideia de Alexandre como colosso, pois ele fora responsável pela invasão de um antigo império do Médio Oriente e ter morto milhares de pessoas que se recusaram a render.

Claro, diz, Robin Lane Fox, o filme não é um documentário ou faz história, embora os historiadores devam ser permeáveis a novas interpretações. Isto porque, ainda segundo ele, não se pode olhar uma invasão há 2300 anos como se vê hoje, em termos de contextualização e consequências. E ele afasta-se das críticas ao estilo de penteado de Colin Farrel ou à vocalização de Angelina Jolie (apesar de americana, nascida em Los Angeles, eu próprio sai confuso da sala de cinema pensando qual o país de origem da actriz).

Mas, no interior da América, as críticas foram grandes. De um lado, a sinalização do tema face ao envolvimento de Bush no Iraque, como escrevi acima. Na antiguidade, a conquista fazia parte do caminho para a glória e Alexandre foi idolatrado como um deus por isso mesmo pelos gregos contemporâneos. Por outro lado, criticou-se a ênfase satânica (toda a iniciação de Alexandre feita pela mãe Olímpia, sempre rodeada de serpentes).

Em terceiro lugar, as relações bissexuais de Alexandre, em que se eleva Hefastion como o grande amor masculino do rei macedónio. Se os homossexuais do Canadá escreveram a Robin Lane Fox que Alexandre nunca teve nada a ver com mulheres ["Alexander was a one-way gay who had nothing to do with women"], alguns advogados gregos dispuseram-se a processar os autores do filme por mostrarem Alexandre como bissexual.

Outra crítica veio dos iranianos: a mulher de Alexandre (Roxana, interpretada por Rosario Dawson) era negra. Ou melhor, ela é uma mistura de raças, o que os iranianos não apreciaram. Eles prefeririam uma mulher loura e de olhos azuis, para estabelecer uma distinção entre os seus antepassados e a África. E havia ainda uma separação a construir do Irão face aos árabes. Nas cenas da batalha que opõem Dário a Alexandre, um dos animais de combate por parte do persa são os camelos. Fox foi acusado de ignorante por ter suposto haver antepassados beduínos (que usam camelos) entre os iranianos.

Além de tudo, surgia Aristóteles, tutor de Alexandre, a quem se atribuía a constatação de que as mulheres são incapazes de pensamento racional e que os bárbaros são escravos por natureza.

Nota: Robin Lane Fox é professor de história antiga e cássica no New College da Universidade de Oxford. Também ensina história do islamismo.

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