terça-feira, 28 de dezembro de 2004

MAIS SOBRE O TEXTO DE YUKO AOYAMA E HIRO IZUSHO

Escrevi já aqui sobre o texto editado por aqueles dois autores no livro de Dominic Power e Allen J. Scott. Porque o tema me interessa - pelo menos intelectualmente -, faço hoje uma nova alusão ao referido capítulo, que levou o título de Creative resources of the Japanese video game industry, e onde se alude ao forte peso dos cartoons e dos filmes animados na cultura e sociedade japonesa e à sua influência na produção de videojogos.

Os cartoons japoneses, chamados mangas, representaram em 1999 um terço das vendas de livros e revistas naquele país. Há cerca de 2200 edições de livros por ano e 280 títulos de revistas com uma circulação de 1,1 mil milhões de cópias. Aoyama e Izusho estimam que dois terços dos rapazes e mais de um sexto das raparigas com idades compreendidas entre os cinco e os 18 anos lêem manga, e a maioria lê revistas semanais, bissemanais ou mensais com uma média de 400 páginas e um total de 15 histórias. Também há mangas para adultos (215 títulos referidos). Os temas das publicações vão do romântico ao educacional, humor, desporto, aventura, sexo e violência. Há ainda revistas de manga "como fazer" (cozinha, finanças), assuntos de quotidiano e sátira sociopolítica.

Osamu Tezuka

O estilo distinto da manga deve muito ao cartoonista (e também médico) Osamu Tezuka (1926-1989) [imagem retirada do sítio routt.net]. Influenciado pelos filmes de Hollywood quando jovem, Tezuka revolucionou a manga ao incorporar técnicas desenvolvidas nos filmes como os planos próximos, os zooms e os ângulos das câmaras.

Além das formas, ele também alterou os conteúdos, levando as mangas de histórias curtas para longas e complexas tramas, incluindo temas como religião, raça, guerra e justiça social, mas sem esquecer as fronteiras do entretenimento. Durante a sua longa carreira de 40 anos, ele desenhou mais de 150 mil páginas, com vendas a ultrapassarem os 250 milhões de cópias em meados dos anos 1980.

Tezuka foi também pioneiro na produção de séries televisivas de animação, em 1963, com a sua manga de sucesso Astro boy [imagem retirada do sítio routt.net].

O reconhecimento da manga na cultura japonesa significa elevado prestígio e estatuto social na profissão de cartoonista, visto como celebridade. Além disso, o controlo dos direitos de autor nos artistas japoneses é maior do que os seus colegas americanos. Em 1997, havia cerca de 3500 a quatro mil cartoonistas editores e 20 mil assistentes. Quase todas as instituições educativas, do ensino básico à universidade, têm clubes de cartoonistas como actividade extra-curricular, o que leva a que a profissão de cartoonista seja encarada como uma actividade de futuro dos jovens estudantes [imagem de Kimba o Leão Branco, de Tezuka, retirada do sítio routt.net].

Da banda desenhada ao videojogo

Os comics levaram ao nascimento de filmes animados e séries de televisão, reforçando a força da manga como parte integrante da cultura popular japonesa. Muitos dos programas de animação nos anos 1960 e 1970 basearam-se em personagens saídas das mangas. Já no final dos anos 1970 e durante a década de 1980, os filmes animados tornaram-se blockbusters do cinema japonês. Filmes animados e programas de televisão representam hoje uma parcela significativa do mercado japonês de filmes e televisão. Além disso, tornaram-se um fundamento essencial para a emergência da indústria dos videojogos daquele país.

O núcleo central da produção de software dos jogos envolve escrita e desenho de cenários. Para isso, são necessários designers gráficos e artistas capazes de fazerem atraentes as personagens para os consumidores. Salários mais elevados conduziram a uma migração de cartoonistas do mundo da manga e da animação para os jogos de computador e de consolas (com uma outra faceta importante: a da literatura). A hierarquia profissional é reduzida, mas isso também se traduz numa desvantagem: os contratos são à tarefa ou à hora.

Aoyama e Izusho não têm dados precisos sobre o número de transferência de emprego da actividade de animação para os jogos, mas conhecem as interacções existentes entre estes sectores. Tal é ainda visível nos programas das escolas profissionais, que se dividem em dois segmentos: 1) moda/arte/design, 2) electrónica/programação computacional. E a indústria dos videojogos mantém uma relação estreita com as escolas profissionais. Os especialistas daquela são monitores nestas; os estudantes são admitidos como tarefeiros ou entram mesmo como empregados a tempo inteiro.

Há, assim, uma partilha de recursos criativos, possível devido ao desenvolvimento simultâneo das indústrias dos cartoons, do cinema de animação e dos videojogos.

Leitura: Yuko Aoyama e Hiro Izusho (2004). "Creative resources of the Japanese video game industry". In Dominic Power e Allen J. Scott Cultural industries and the production of culture. Londres e Nova Iorque. pp. 121-123

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