quarta-feira, 23 de março de 2005

SOBRE A TELEVISÃO DIGITAL

alcolea.jpgO texto de Gema Alcolea, saído em 2003, já está datado. O centro da sua pesquisa é a televisão digital em Espanha, nas vertentes de satélite e terrestre, sabendo-se que esta se alterou profundamente em 2004, com a falência da plataforma digital, ela que já fora assunto para fusão de duas anteriores.

Fica, contudo, um trabalho de levantamento do sector, para além da constituição das plataformas. Estratégias, promoção, produção audiovisul, estruturas económicas e financeiras e respostas dos utilizadores servem como elementos comparativos para uma análise futura. E também a origem da televisão - e da televisão digital - tema que me ocupo neste post.

O começo das experiências e das emissões analógicas

Escreve Gema Alcolea (2003: 13) que se pode estudar a história da televisão a partir de diversos níveis: 1) referência ao seu processo evolutivo, 2) transformações nos conteúdos televisivos, 3) mudanças nas formas de programação, e 4) desenvolvimento das modalidades de acesso. A perspectiva de Alcolea é a dos avanços tecnológicos na transmissão de sinais.

Há curiosidades a destacar no começo do que se chamaria televisão. Assim, o sistema chamado fonovisão era bidireccional, transmitindo uma forma combinada de imagem e som entre emissor e receptor, como hoje temos no videotelefone. Por detrás deste sistema estavam as companhias telefónicas norte-americanas. Também houve experiências na Alemanha, em 1936, entre Berlim e Leipzig. Como o processo de transmissão se fazia por cabo e necessitava de grandes investimentos, foi abandonado e substituído pelo ainda existente modelo unidireccional de radiodifusão [broadcasting], por meio de ondas hertzianas e orientando os seus conteúdos para o entretenimento.

As emissões por feixe hertziano começaram em 1928, sendo a WGY, da General Electric, a primeira emissora experimental de televisão em todo o mundo. Em 1937, funcionariam já 17 emissoras deste tipo. O primeiro serviço regular nos Estados Unidos iniciou-se em Março de 1939, na emissora W2BS, de Nova Iorque, pertencente à cadeia NBC (National Broadcasting Corporation). Mas a Europa seria a pioneira na emissão regular de programas, pois a inglesa BBC - que realizava emissões experimentais desde 1929 - arrancou com o primeiro serviço regular de televisão do mundo em 2 de Novembro de 1936, com 15 a 20 horas semanais de programação. Alcolea (2003: 15) recorda o começo das emissões em Espanha (28 de Outubro de 1956). No nosso país, a televisão arrancaria a partir da feira popular de Lisboa já em 1957.

No princípio, as emissões iniciais de televisão não atingiam distâncias elevadas. Nos anos 1930, por exemplo, a BBC não alcançava os 50 quilómetros de raio de acção. Isto porque ainda não estava desenvolvido o sistema de repetidores. A questão técnica era fundamental nessa época.

Da raridade de frequências aos novos sistemas de transmissão

Durante decénios, não houve muitos canais de televisão por país. Isto devido à escassez de frequências em sinal aberto. Cada país tinha um limite máximo até cinco ou sete canais, o que ainda acontecia nos finais dos anos de 1970. Em especial por essa razão, os governos de cada país controlavam rigidamente a atribuição dos canais que, normalmente, eram propriedade do Estado. Apenas o Reino Unido e o Luxemburgo tiveram desde há muito canais privados.

A alteração a tal estado de coisas começa a desenhar-se ainda nos anos 1970, com nova legislação das Comunidades Europeias, que a Espanha (e também Portugal) seguiram: a perda do monopólio estatal. No nosso país, como nos lembramos todos, a SIC começou a emitir em 1992, seguindo-se a TVI em 1993. Depois, nos últimos anos do século XX, a televisão passou por outra transformação: a aplicação da tecnologia digital à transmissão. Graças à digitalização e compressão do sinal tornou-se possível a multiplicação de número de canais, para além da incorporação de serviços de valor acrescentado e de interactividade.

Ainda sobre o livro de Gema Alcolea

O prólogo do livro, assinado por Francisco Iglesias (Universidade Complutense de Madrid), permite-nos compreender melhor o percurso do livro de Gema Alcolea. Trata-se de um estudo descritivo sobre a origem e evolução das plataformas digitais de televisão (satélite e terrestre), iniciadas em 1997, centrado em especial nas estratégias comerciais e de conteúdos do Canal Satélite Digital e Vía Digital. Alcolea estuda a constituição dos operadores na perspectiva legal e as primeiras polémicas em torno dos direitos de transmissão dos jogos de futebol, da compatibilidade dos descodificadores e de confrontos de ordem ideológica no começo do funcionamento das plataformas.

A autora, jornalista de profissão, observa também o capital social e a distribuição dos accionistas de ambas as plataformas, as modalidades de pagamento de assinatura, a comercialização dos descodificadores e antenas, a incidência das plataformas nos anunciantes e nas produtoras de conteúdos e a concorrência entre estes novos canais e os de sinal aberto. Estratégias de promoção, ofertas promocionais, promoção de assinantes e novas modalidades de publicidade fazem também parte do trabalho de Gema Alcolea, bem como a análise de estratégias de produção audiovisual e da oferta de conteúdos e as estruturas económicas dos canais digitais. Apesar do aumento da oferta de canais, conduzindo à televisão temática, não se deu uma tão acentuada fragmentação de públicos como se pensara inicialmente. Claro que houve uma grande concorrência na disputa pela aquisição de direitos de programas considerados estratégicos, com canais a orientarem-se para o consumo familiar, enquanto outros (caso dos musicais) mais dirigidos para usos individuais.

Post para amanhã: Elementos para a história da SIC, a partir de um trabalho académico de Luís Lourenço.

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