domingo, 19 de junho de 2005

LEITURAS DE JORNAIS

1) livros que respondem às nossas dúvidas

Em qualquer ocasião, mas em especial em épocas de crise (económica, social, moral), surgem livros com respostas às nossas dúvidas e que apontam o caminho para o futuro, de modo imperturbável. Parece, assim, haver dois mundos: os que têm dúvidas (seres normais) e os que apenas têm certezas. Há, assim, grandes ideias e soluções para os nossos problemas; basta ler o livro adequado ao momento.

Eis a proposta de Bryan Appleyard, no Sunday Times de hoje, que destaca os títulos mais vendidos segundo o New York Times: 1) Freakeconomics, que aplica a teoria económica a quase todas as formas de actividade humana, 2) The world is flat, que revela o modo como tudo está a mudar com a globalização, 3) Blink, que sugere que podemos saber de tudo sem pensarmos em nada, 4) On bullshit, perspectiva filosófica sobre a corrupção de linguagem e verdade dos políticos e dos relações públicas [melhorei a tradução], 5) Collapse, sobre o falhanço das sociedades. Cada um à sua maneira, continua Appleyard, é sobre tudo e procura transformar o nosso entendimento do mundo através de uma "grande ideia".

Cáustico, ele acrescenta outros títulos: Felicidade, Tudo o que é mau é bom para você, Mundos paralelos. E não esquece Tom Peters, Em busca da excelência, que foi traduzido para português e eu me obriguei a ler na época. A estes prospectivadores ou futurólogos, o colunista chama wossers, palavra que me pôs à nora para encontrar um termo adequado na nossa língua. Por isso, procurei mais à frente entender-me com Appleyard, que menciona um professor de economia, Paul Ormerod, que escreveu um livro chamado Porque falham muitas coisas. Elas falham porque todas as grandes ideias económicas estão erradas. Ormerod sugere um modelo biológico para a teoria económica, dada a complexidade do mundo humano. O seu livro é anti-wosser - atrever-me-ia agora a traduzir por anti-iluminado -, equilibrando a crença desmesurada quando se fala no progresso tecnológico e nas grandes ideias.

Por isso, se vê o mundo por um ângulo negativo, não se fie muito nos que prometem explicações e soluções para o seu problema ou os do mundo. As grandes ideias - grandes mas rígidas - residem no plano teórico. O que precisamos, aconselha o colunista, é de serenidade, aceitação, pequenas alegrias. A que acrescentaria, da minha lavra: deve-se continuar a trabalhar e a tratar com os outros - vizinhos, colegas e simples desconhecidos - em busca de soluções pequenas e imperfeitas que sejam.

2) será que a imprensa regional de Vila Real é o espelho do país?

Em dois dias seguidos, o jornal Público trouxe notícias alarmantes sobre a imprensa regional de Vila Real. Ontem, foi o caso do secretário de Estado Ascenso Simões não aceitar uma entrevista sua concedida ao jornal Notícias de Vila Real, pois não fizera a revisão da mesma. Isto obrigou a uma reimpressão de 2750 exemplares. Hoje, vem o caso do presidente da câmara de Vila real, Manuel Martins, que não gostou da sua fotografia impressa num jornal, o que obrigou a uma reimpressão de 500 exemplares.

Se estes dois exemplos não são únicos no país, a comunicação social regional não tem qualquer credibilidade, dependendo completamente dos poderes (central e autárquico). Quando se aproximam eleições a nível local, isto é preocupante.

3) Os pequenos irmãos

Do que o El Pais fala é das câmaras digitais (em máquina ou no celular), que conhecem uma procura enorme. Isto traz uma vantagem e um problema, segundo escreve Patricia F. de Lis. Comecemos pelo problema: os especialistas em intimidade acham que a proliferação das câmaras acaba com a privacidade tal como a conhecemos. Há ginásios nos Estados Unidos e no Reino Unido que proibem os seus sócios ou frequentadores de entrarem como telemóveis com câmara. Recentemente, no Japão começaram a circular carruagens destinadas somente a mulheres, porque havia homens que tiravam imagens à roupa interior de mulheres que usavam mini-saia. Mas também pode haver espionagem industrial, pelo que a americana Sprint está a oferecer aos seus clientes empresariais celulares sem câmara.

A vantagem: a câmara representa o triunfo da democracia. Ou como dizia uma frase anarquista numa parede há muitos anos: "a polícia protege-nos, mas quem nos protege da polícia"? Os defensores das máquinas encontraram uma expressão própria: "vigilância ao contrário". Sabemos que hoje podemos estar a ser seguidos por uma câmara: no supermercado, na auto-estrada, à entrada de um prédio. Ora, por via disso, qualquer tentativa dos cidadãos se protegerem do Estado e das empresas está condenada ao fracasso. O acesso geral a máquinas fotográficas digitais faz com que participemos em vigilantes de quem nos vigia ou em que arranjemos imagens para defesa pessoal em caso de complicação.

Do que não escapamos é do grande irmão (big brother) que Orwell descrevia no seu livro 1984, a sociedade da vigilância.

1 comentário:

Anónimo disse...

No tema 1) RS indica que Ormerod sugere um modelo biológico para a teoria económica, dada a complexidade do mundo humano.

Idêntica preocupação é assinalada por Hermínio Martins que releva o exemplo dos processos da complexa autoregulação fisiológica.

Exemplos que resultam de olhar para a 'organização' (do território e da administração local, entre muitas outras) como um grupo de processos transfuncionais, estão patentes nos estudos de Hermínio Martins (1) que, tentando sair de um radicalismo a que se tem remetido a lógica, se interessou pelas biotécnicas, numa atitude que, como refere, não é tanto uma transição da filosofia da ci~encia para a sociologia da técnica, mas (antes) uma transição da filosofia da ciência para uma sociologia filosófica da tecnociência.

Como bem sugere RS, "deve-se continuar a trabalhar e a tratar com os outros...em busca de soluções pequenas e imperfeitas que sejam."

(1) Martins, Hermínio, 'Tecnologia, Modernidade e Política' in "Hegel, Texas e outros ensaios de teoria social", sec XXI, 1996