terça-feira, 30 de agosto de 2005

EXPRESSO

Há três ou quatro anos atrás, eu tinha a vontade de escrever uma história do semanário Expresso, dada a importância do jornal na vida democrática do país. Ainda esbocei as linhas gerais dessa intenção que incluíam o seguinte: 1) génese do jornal (1973), revolução (1974), esquerdização do regime e nacionalizações da imprensa (1975), "normalização", censura versus liberdade de imprensa, 2) a revista e o jornal broadsheet, dois jornais num só (1980), 2º caderno, cartaz, "Vidas" (agora "Única"), guia da semana, 3) época de apogeu dos semanários (O Jornal, O Tempo, O Semanário) e consolidação do Expresso (anos 80), 4) institucionalização do jornal nos seus 25 anos (1998), sinergias do grupo de informação - jornais e televisão (SIC).

Como metodologias de investigação prevista, incluía pesquisa documental em arquivos (Expresso, Mário Soares, Torre do Tombo), entrevistas com directores, editores e jornalistas, e análise de conteúdo (à primeira e última página do primeiro caderno, 1300 edições, e à revista). Como obras teóricas de referência seguiria Michael Schudson (1978, Discovering the news - a social history of American newspapers) e Jeremy Tunstall (ed., 2001, Media occupations and professions - a reader).

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O livro do arqº José António Saraiva (2003, Confissões de um director de jornal) e outras contingências da vida levaram-me a esquecer totalmente essa ideia. O livro do ainda director do Expresso contém muita informação útil, embora ele deva ser lido com atenção como qualquer outro livro de memórias: destacam-se uns acontecimentos, ignoram-se outros. E qual o equilíbrio entre isto? E, por outro lado, um livro de memórias é sempre a justificação de medidas tomadas e de ajustes de contas, como aparece com alguma frequência no livro.

Agora, recuperei alguns recortes de imprensa sobre o tema para os voltar a arrumar. Deles, menciono uma peça escrita por Sofia Rodrigues (Público, 6 de Janeiro de 2003), ocasião dos 30 anos do semanário. No primeiro número do Expresso, a 6 de Janeiro de 1973, a manchete era "63 por cento dos portugueses nunca votaram". O jornal custava cinco escudos (€0,025; a inflacção que houve depois!) e os princípios evocados no estatuto editorial pelo seu director, Francisco Pinto Balsemão, eram: seriedade, rigor e independência. De cariz liberal, prossegue a mesma notícia, o Expresso inspirava-se nos sundays ingleses.

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Dos outros dois recortes que guardo numa capa de plástico, o primeiro é do próprio director José António Saraiva, por ocasião do aniversário do jornal há dois anos e meio (Expresso, 11 de Janeiro de 2003). Escreve ele: "A minha primeira impressão, quando aqui cheguei, foi de que tinha entrado num manicómio. A transição do «atelier» [ele é arquitecto] - onde funcionava como eremita - para a redacção do Expresso foi um choque brutal. O ambiente de um jornal, com a febre das notícias e a competição interna, leva as pessoas a revelarem mais abertamente a sua natureza". Nessa coluna, "Política à portuguesa", que ele mantém desde há mais de 25 anos (ou desde o começo do jornal, não investiguei), ele apura o modo como começou a exercer o seu ofício de director: "O ambiente era estimulante mas simultaneamente duro e a questão do poder não estava resolvida. Havia regularmente plenários de redacção onde se faziam ajustes de contas e se exigiam cabeças". O arquitecto tratou da "normalização", reorganizando o primeiro caderno, e via Vicente Jorge Silva a lançar a "Revista", com "novos temas e inquietações".

É exactamente uma entrevista com Vicente Jorge Silva que termino esta ronda pelos meu clipping [entrevista publicada no Expresso em 10 de Fevereiro de 2001]. Da revista recorda ele: "A «Revista» do Expresso foi muito importante para mim nessa altura. Foi um trabalho feito com o António Mega Ferreira, que é uma pessoa muito estimulante, muito criativa. O conceito de «Revista» era inovador para a altura, não se baseava em modelo nenhum existente". Antes de ingressar no Expresso, Vicente Jorge Silva estivera no Comércio do Funchal, o jornal cor-de-rosa antes de 1974, nitidamente contra o regime de então. Depois do Expresso, seria um dos fundadores do Público e seu primeiro director, para quem o jornal "abriu uma janela, deixou entrar ar fresco na imprensa portuguesa".

Ora aqui está um bom tema de investigação: como evoluiram os jornais entre 1970/1974 e os finais do século? Que mercado, que problemáticas, que profissionais, que transformações tecnológicas? Qual o peso do Expresso em todas essas mudanças? Como conseguiu resistir aos tempos e tornar-se um jornal imprescindível, mesmo que digamos "vou deixar de o ler, pois só traz balões de ensaio" [notícias verdadeiras com tópicos inverosímeis destinados a apenas um determinado grupo de pessoas, para exercício de pressão]? O café da manhã de sábado sem ser acompanhado pela leitura do Expresso é amargo, é queimado, é aguado, não presta [aliás, um bom café de máquina é designado habitualmente por expresso, embora não me parece haver razão para sobreposição]!

2 comentários:

Anónimo disse...

Ao fds, vida que satura se atura lendo o Expresso (entre outros).

Mas o Expresso e o sentimento de que o fazemos há 33 anos ...

sabine disse...

António José Saraiva já era cronista antes de ir para director do Expresso (creio que ele escreveu isso no livro que refere).
Em relação ao jornal expresso, ficam aqui dois sentimentos meus, contraditórios: se nao existisse um jornal como este, era mau. Assim, existe, e é um calhamaço insuportável de se ler!