segunda-feira, 19 de setembro de 2005

Uma perspectiva importante: o pensamento de Miège (I)

La pensée communicationnelle é um livro de Bernard Miège, já com dez anos de edição. O que se segue é uma síntese do texto do professor de Grenoble, dividido em quatro mensagens, fundamental para quem estuda teorias da comunicação e pretende ganhar a compreensão das indústrias culturais.

Para a formação do pensamento comunicacional, o essencial é investigar, através de etapas transversais, os elementos que constituem o pensamento comunicacional. Este participa, ao mesmo tempo, da reflexão especulativa e da produção científica, articulando as reflexões dos novos especialistas e dos provenientes de certas profissões (engenheiros de redes, publicitários, jornalistas, especialistas de estratégia, conceptualizadores dos serviços telemáticos), atenta às mudanças na política dos Estados, estratégias profissionais, técnicas e práticas desenvolvidas pelos agentes sociais.

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miege3.jpgO estatuto do pensamento comunicacional é organizador de práticas científicas, reflexivas ou profissionais; responde a pedidos oriundos dos Estados e de grandes organizações e inspiradora de mudanças que intervêm nas mesmas organizações; acompanha as mudanças nas práticas culturais e nas modalidades de difusão ou de aquisição de conhecimentos.

Miège considera que há três correntes fundadoras do pensamento comunicacional: 1) modelo cibernético, 2) contributo empírico-funcionalista dos meios de massa, 3) semiótica.

O modelo cibernético

As primeiras definições da comunicação insistem mais ou menos nos mecanismos que favorecem o desenvolvimento das relações humanas, e particularmente nos fenómenos de simbolização, do mesmo modo que sobre os mecanismos de transmissão de conteúdos; a comunicação é um processo e o resultado dos processos. No final dos anos 40, implanta-se o modelo canónico da comunicação: o esquema Emissor-Canal-Receptor, que simboliza a ligação espácio-temporal e a transferência das formas.

O esquema canónico foi objecto de ajustes sucessivos (caso do fenómeno de retroacção, ou de feedback), devido a autores pertencendo a horizontes teóricos diversos. O importante, porém, é notar que supõe a existência de uma ligação física (canal), permitindo transmitir mensagens que se diferenciam dos meios da sua transmissão, e, sobretudo, susceptível de dar conta dos vários tipos de comunicação. Esta teoria canónica, descrita por Shannon e Meyer-Eppler, implica um emissor, um canal físico, um receptor e um repertório de signos. A teoria da comunicação é, na sua essência, uma teoria estruturalista: ela pretende decompor o universo em parcelas de conhecimento, ser capaz de estabelecer um repertório, refazer um modelo, simulacro desse universo, aplicando regras de articulação ou de interdição. A teoria nasceu do quadro técnico - o do rendimento das mensagens telefónicas. O mecanismo de retroacção designa um mecanismo caracterizado por uma reacção do efeito sobre a causa. O efeito depende igualmente da própria estrutura do dispositivo.

A que influências foi submetido o esquema canónico? Para os matemáticos, é à teoria matemática da comunicação, de Claude Shannon e Warren Weaver, surgida em 1949, que se atribui o essencial dos méritos. Os dois engenheiros, trabalhando nos laboratórios Bell e inscrevendo as suas reflexões na linha dos físicos Carnot e Boltzmann, propuseram uma fórmula permitindo passar da entropia (desordem) à informação. Esta consiste na emissão de signos e de mensagens, anula ou reduz a entropia, e a informação recebida por um sistema aberto é a medida da redução da incerteza ou da desordem. De facto, a medida da informação assenta numa simples ideia de base: nós somos informados a partir do momento em que nos dirigem uma mensagem não conhecida ou que compreendemos muitos dos elementos novos ou imprevisíveis. O valor da mensagem é medido por uma certa grandeza, definida como sendo a "informação", e que pode apreender-se como sendo a quantidade de novidade transmitida ao receptor. Critica-se a Shannon e Weaver não levarem em conta a interacção com o receptor e o papel das redes de comunicação ou o negligenciar a componente semântica das mensagens. Claro que a teoria dos dois matemáticos visava tratar os fenómenos perturbadores que são os ruídos em qualquer canal, e propor uma teoria que melhorasse o rendimento da cadeia informacional.

Reconhece-se também o papel central de Norbert Wiener. Cybernetics or control and communication in the animal and the machine aparece em 1947 e The human use of human beings em 1949, inscrevendo-se numa tendência de investigação inaugurada pelo matemático britânico Alan Turing, ligado às primeiras máquinas informáticas. A cibernética (ou teoria dos sistemas gerais), cujas linhas fundamentais pertencem a Wiener, é uma ciência dos organismos humanos e não-humanos saída da aproximação dos comportamentos dos organismos biológicos e dos dispositivos técnicos, e uma arte de governar ou conduzir os negócios do mundo. Assenta num método (a constituição de modelos permitindo simular o funcionamento de sistemas semi-aleatórios) e no emprego de ferramentas desenvolvidas a seguir: a retroacção e a complexidade. A informação, segundo Wiener, é um nome para designar o conteúdo do que muda com o mundo exterior à medida que nos adaptamos e que aplicamos os resultados da nossa adaptação. Designa-se, ainda segundo Wiener, o campo inteiro da teoria do controlo e da comunicação, assim como as máquinas dos seres vivos sob o nome de cibernética, tirado do grego Knbernhts, que é sinónimo de piloto. Os órgãos de governação de um navio são, de facto, uma das formas mais precoces e melhor desenvolvidas dos mecanismos de acção de retorno.

Observa-se que, em matéria de comunicação, se recorre cada vez menos à análise sistémica no sentido estrito. Raros são os que pretendem que a característica primeira dos seres humanos, a sua essência, seja tratar a informação. As problemáticas aparecidas nos anos oitenta mostram os limites e o reducionismo do pensamento sistémico. Por seu lado, o modelo cibernético continua, com os desenvolvimentos da informatização, a ocupar um lugar importante nas reflexões sobre a comunicação, de modo prioritário nos especialistas das tecnologias da informação e da comunicação.

Leitura: Bernard Miège (1995). La pensée communicationnelle. Grenoble: Pug
Outros livros de Miège: La société conquise par la communication (1989). Grenoble: Pug
Les industries du contenu face à l'ordre informationnel (2000). Grenoble: Pug

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