sábado, 22 de outubro de 2005

4º CONGRESSO DA SOPCOM (III)

Para mim, ouvir (ou ler) José Pacheco Pereira é um encanto, tal a sua heterodoxia e riqueza de perspectivas. Desta vez com um pessimismo tecnológico, conquanto ele entenda que as tecnologias não causam, por si só, efeitos sociais. O político e historiador - mas também filósofo -, na mesa alargada a outros pensadores como Prado Coelho, apresentou uma lista de seis tendências [coisas, como lhe chamou] que estão a mudar o espaço público da sociedade nas democracias modernas, industriais e ocidentais.

sopcom4.JPGEm primeiro lugar, refere-se à digitalização do mundo, na sequência do que Negroponte anunciara, a passagem dos átomos aos bits. A viragem do mundo analógico para o digital ocorre na imagem, na música, nos vídeos e, um dia, nos cheiros. Como efeito, há a fusão num só continente, o da perda da propriedade e da posse, a dissolução da autoria. E, ainda, da individuação. O pensamento desalinhado de Pacheco Pereira leva-o a falar na nova luta de classes: os mais ricos voltam para o analógico: os relógios como status de riqueza, as aparelhagens de hi-fi analógicas.

Como segunda tendência, o orador aludiu à biologização dos "devices" [mecanismos], cada vez mais próximos do corpo humano, em aparelhos portáteis ou no ecrã plano que se pode estender a todos os compartimentos da casa. As máquinas entram na roupa e no corpo (caso de cegos que vêem a partir de câmaras). E distinguiu o telemóvel como o "device" que mais mudou a sociabilidade nos anos mais recentes. Hoje é má educação não estar presente, não atender. O telemóvel erode os movimentos pessoais, faz um escrutínio voluntário.

O mundo já não é o da sociabilidade. Regredimos à aldeia global (não no sentido mcluhaniano), porque se reduz o espaço público. Terceira tendência menos clara, quanto a mim, embora carregada de metaforismo, Pacheco Pereira fez a referência ao PowerPoint que usamos nas comunicações aos congressos, que remete para os domínios da retórica e da argumentação. A aldeia global é-a no sentido da perda da privacidade, também visível nos blogues, onde há pessoas que expõem a sua vida. É possível reconstituir as vidas, a partir destes diários. E a internet está cheia de pathos individual, de angústias, o que remete para a quarta coisa, em Pacheco Pereira.

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A manipulação da memória é um tema que eu já ouvira ele falar. Nomeadamente o programa da Microsoft, o MyLifeBits, que começou por ser uma ideia de digitalizar álbuns de fotografias mas pode terminar como sendo um backup (cópia) da nossa vida. E esta - em todos os actos de um indivíduo - pode arquivar-se num disco duro. O medo dele é o roubo que se pode fazer das memórias das vidas das pessoas, com todas as possibilidades de chantagem.

Como sequência, o orador elencou a mediação de software, a capacidade de controlar a busca de software. Escolher o que quisermos a partir de uma oferta vasta de software pode significar exclusões sociais. Daí ele ter referido, de novo e no mesmo discurso, à luta de classes. Os mais ricos obterão mais e melhor informação através de literacias específicas. E, de passagem, embora sem fazer uma ligação coerente a meu ver, destacou o efeito dos reality-shows enquanto consumo que "dá" felicidade (simular, encontrar o par para casar, reencontrar gente que se perdeu).

No seu texto, José Pacheco Pereira frisou os pontos essenciais da democracia: pathos, logos e ethos, emoção, razão e ética ou virtude, afinal as grandes descobertas que os gregos nos legaram. Ora, disse o orador, a sociedade moderna é dominada pela demagogia, isto é, por um dos elementos. E o consumo dos novos media (em busca do prazer e da satisfação) leva a uma degradação da democracia em demagogia. Certamente, ele teria em vista a situação mundial mas casos recentes da história portuguesa.