sexta-feira, 17 de março de 2006

"AMANHÃ, VAMOS AO VÍDEO"

A afirmação parece-me estranha, pois se costuma dizer "vamos ao cinema". Isto deduz-se das palavras de João Sousa Cardoso, coordenador das conferências Os dias de Janus, na Universidade do Porto - "O cinema tem os dias contados".

O texto de duas colunas hoje editado no Público (assinado por Miguel Lourenço Pereira, p. 36) dá conta desse acontecimento e regista dados para reflexão. Lê-se: "João Sousa Cardoso, autor do primeiro trabalho em Portugal sobre a história do vídeo (uma tese de mestrado à espera de publicação), reforçou a ideia de que «a película cinematográfica está a dar as últimas - o futuro é o vídeo»". Para este autor, o cinema e o vídeo irão conviver, como o VHS e o DVD; depois, a substituição da película pelo vídeo será natural. E Paulo Miguel Forte, outro dos presentes no evento do Porto, diria: "A grande vantagem do vídeo em relação ao cinema é que com ele todos os dias se pode filmar, montar, treinar. Com o cinema isso é impossível".

Entretanto, a Marktest divulgou ontem o estudo Bareme Cinema, contabilizando meio milhão de espectadores assíduos de cinema (frequência regular semanal). Lê-se: "Os dados mostram que, no Continente, são 2398 mil os portugueses com 15 e mais anos que costumam ir ao cinema. Este valor representa 28,9% do universo em estudo, mas apresenta uma grande diferenciação sobretudo se analisada a idade dos entrevistados. Entre os jovens dos 15 aos 17 anos, 67,5% afirma costumar ir ao cinema, tal como 67,5% dos jovens entre os 18 e os 24 anos. Uma análise do perfil dos indivíduos que costumam ir o cinema mostra que 50,1% são homens, 70,6% são jovens com menos de 35 anos, 45,2% são estudantes e quadros médios e superiores, 43,9% residem na Grande Lisboa ou Litoral Norte e 58,2% pertencem às classes sociais alta e média alta".

Pelo perfil dos espectadores regulares de cinema (classes abastadas, jovens, urbanas, estudantes e quadros superiores e médios), será fácil a aceitação da migração do filme em película para o vídeo. A "naturalidade" defendida por João Sousa Cardoso contempla, certamente, evoluções dentro do cinema - que a nós nos parecem naturais -, como a passagem do cinema mudo para o sonoro e do filme a preto e branco para a cor. O suporte, sendo importante, nomeadamente no embaratecimento da produção e na instantaneidade entre filmar e ver o filmado, não substitui a estética e a narrativa das imagens em movimento, a que nos habituámos desde 1895, com os irmãos Lumière. O prefixo cine (origem grega) na palavra cinema exprime a ideia de movimento, essencial na nossa cultura.

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