sábado, 25 de março de 2006

CULTURAL STUDIES – I

[entrada baseada no meu texto “Indústria cultural, tecnologias e consumos”. In Carlos Leone (org.) (2000) Rumo ao cibermundo? Oeiras: Celta]

Os investigadores do Birmingham Centre for Contemporary Cultural Studies desenvolveram trabalho empírico e qualitativo da apropriação diária dos produtos culturais, no que designaram por prazeres do consumo. Um dos fundadores dos cultural studies, Stuart Hall, operou um modelo de interpretação das mensagens televisivas, pelo qual um “leitor” codifica e descodifica o “texto” difundido. Hall identificou três posições na descodificação de um texto televisivo: 1) aceitação de uma leitura preferida, a comunicação perfeitamente transparente, 2) questionar limitado e negociado da matéria, 3) rejeição das definições apresentadas, procurando encontrar quadros alternativos de referência.

A teoria deslocou a importância da produção para o consumo, espaço de apropriação, transformação e investimento de significados. Produtores, consumidores e formas de comunicação localizam-se num circuito cultural. Assim, a realidade da cultura de massa é mais criativa do que Adorno e os seus colegas escreveram, mas a modernidade está para além da cibercultura e do virtual apregoada pelos “filhos” de McLuhan, pois a realidade tem existência física.

Tecnologias e consumos domésticos

Uma das teorias relacionando a tecnologia e a sociedade é designada por determinismo tecnológico, em que a tecnologia é algo que se desenvolve fora da sociedade. À medida que chega a tecnologia, ela tem um impacto na sociedade. A teoria, em que a tecnologia se julga o motor da mudança social e da formação da sociedade, de modo determinista, associa tecnologia e máquinas, com artefactos tangíveis e físicos: o automóvel, a fábrica de produção em série, os circuitos electrónicos. Mas, a teoria determinista ignora os processos de formação social da tecnologia em torno dela. O momento de chegada de uma tecnologia é crucial, um tempo de combate. O aparecimento de uma tecnologia processa-se dentro de um contexto de tecnologias prévias.

O lar apresenta-se como uma unidade social, cultural e doméstica, tomando parte activa no consumo de objectos e significados dos membros que constituem os membros da família e unidade económica complexa em si, naquilo a que Silverstone, Hirsch e Morley chamaram economia moral. A tecnologia impregna a vida doméstica – podemos dizer que as tecnologias de informação se converteram no elemento central da família e da sua cultura. Basta atentarmos no lugar ocupado, primeiro, pela rádio e, depois, pela televisão, aparelhos cujo destino inicial e principal foi o consumo doméstico.

Do computador à internet: construção de identidade e terceiro lugar

O computador e a internet constroem um outro lugar onde podemos estar. Oldenburg defendeu o conceito de terceiro lugar (após o lar e o local de trabalho), enquanto espaços informais de encontro público. O bierstube alemão, a taberna italiana, o bistro ou café francês e o pub inglês são lugares servindo uma comunidade. Neles, encontram-se pessoas com interesses semelhantes mas também diferentes, juntando pessoas em diversas formas de associação. A alegria que manifestamos quando nos encontramos num destes lugares reside no facto de que poucos espaços servem tão bem. É o caso do café com esplanada. Área mais importante do café, com parte do passeio ocupado por mesas e cadeiras, na esplanada as pessoas conversam e apreciam o movimento.

Na cultura das comunidades virtuais, as pessoas experimentam e partilham experiências com formas variadas de comunicação e de modos de representação. Se uma comunidade real emprega códigos não verbais para acompanhar as expressões verbais – numa mistura de gestos, vestuário, etiqueta, expressões ou sotaques, produzindo sentimentos, atitudes e comportamentos –, os participantes na rede virtual recriam ambientes e aceitam regras não escritas nem visualizadas, facilitando o contacto entre pessoas que normalmente não o fazem, por timidez, distância geográfica ou qualquer outra forma de inibição.

A um sentimento de pertença emocional e ideal de projecto comum, a comunidade virtual acrescenta um lado de efémero, de ausência de organização ou composição cambiante. Os cultores do ciberespaço consideram a rede electrónica como espaço do sagrado, lugar privilegiado para observar o reencantamento da tecnologia, dado o fascínio de a máquina fazer coisas que não entendemos muito bem como ela as executa. Além disso, os defensores da cultura do ciberespaço exponenciam a rede enquanto meio descentralizado de comunicação que ultrapassa fronteiras nacionais e com centenas de milhares de editores e de autores.

1 comentário:

Anónimo disse...

RS, não conhecia este seu texto emocionante que perscruta aquele ‘terceiro lugar’ onde se permite, como em nenhum outro espaço: colmatar a necessidade lúdica de pertencer a um grupo sem peias nem teias organizativas; utilizar, sem inibição, todas as formas histriónicas de criativa ‘composição cambiante’; e, fundamentalmente, magicar de uma forma dessacralizada, o que, convenhamos, poderá constituir uma catarse essencial à saúde mental de uma sociedade onde as crenças e os mitos continuam a crescer.
MJE