quinta-feira, 11 de maio de 2006

UMA NOTA DE ARGUÊNCIA

Uma dissertação de mestrado é uma excelente ocasião para troca de argumentos sobre matérias que interessam aos membros do júri e ao candidato. Por isso, trabalho uma ideia expressa na página 13 da presente dissertação [de Victor Amaral, sobre Temas e fontes na imprensa regional da cidade da Guarda, hoje à tarde defendida na Universidade do Minho], onde se escreve sobre a influência do jornalismo e das notícias na vida das pessoas.

O ponto de partida é o da necessidade social, cultural e política da notícia. Evoco dois momentos. Um deles leva-nos a épocas ainda sem imprensa, rádio, televisão, computadores ou satélites. No século XVIII, o preço das matérias-primas vindas do ultramar era acompanhado o melhor possível por comerciantes e industriais. Primeiro, graças a navios mais velozes - se os havia -, com os informantes a chegarem antes dos navios de carga e darem as notícias: preços, situação política, catástrofes, boas colheitas. A gestão do risco tinha uma relação inversamente proporcional ao conhecimento de um assunto, como mostra Deborah Lupton em Risk (1999). O surgimento de companhias de seguros caminhou a par do risco dos empreendimentos e da informação. Depois, com o telégrafo e os cabos submarinos, as notícias chegavam quase em simultâneo do ponto de ocorrência (periferia) a Londres (centro) - quando se tratava do império britânico. Mas, como informação privilegiada, ela era reservada, confidencial, apenas para alguns. Como a informação é poder, a bolsa de valores de Londres reagia a notícias ou rumores, mesmo que os navios de carga ainda não tivessem chegado ao Reino Unido.

O outro momento lembrado é o do café enquanto espaço de troca de informação, como escreveu Habermas (Espaço público, original de 1962). Pela leitura de jornais (informação séria) e pela passagem de boatos (informação de risco), a sociedade acedia à notícia. Hoje, o café do século XVIII transformou-se no ecrã do televisor e do computador. O grupo material de discussão de ontem adquire a virtualidade da ligação à internet. E, da crença da agulha hipodérmica, com a mensagem mediática a atingir todos com profundo grau de persuasão, chegou-se a um ponto de menor influência dos media. Lazarsfeld foi o cultor principal desta teoria dos efeitos limitados.

Depois, a forte presença da televisão no quotidiano levou os analistas da sociedade de massa a recuperarem alguns princípios dos efeitos ilimitados. Um acontecimento é mostrado em perspectivas diferentes, podendo ter significado ou o seu contrário, criando efeitos negativos de identidade. A abundância de informação não é, assim, caminho para uma boa escolha (Anthony Smith, Books to bytes, 1993).

Se não tivermos notícias, ficamos com ansiedade. Isto aplica-se à necessidade de sabermos o tempo que vai fazer amanhã para prepararmos a roupa a vestir, o que se passa com o familiar que partiu para longe ou com o salário que vai ser depositado na conta bancária. Eu consulto nos jornais as cotações dos filmes, a partir da atribuição de mais ou menos estrelinhas ou bolinhas a um dado filme. A opinião do crítico de cinema na peça que escreve no jornal é fundamental para eu decidir. A notícia é mais do que uma categoria de informação ou uma forma de entretenimento – ela é conhecimento e produz segurança.

Diz-se que a crise dos jornais em termos de vendas se deve ao pouco tempo para a sua leitura. Queremos notícias rápidas, fornecidas nos ecrãs gigantes da rua, no telemóvel ou no servidor da internet. Mas continuamos a precisar de uma selecção de notícias, seja o editor tipificado por David Manning White (1950) ou o RSS dos blogues.

Num belo livro, Mitchell Stephens (A history of news, 1997: 298) destaca o presente e o futuro das notícias. O qual começou com o alfabeto e se prolongou no papel, imprensa, comunicação electrónica, audiovisual, satélites, computadores. O alfabeto aperfeiçoado pelos gregos serviu já 95 gerações; o seu último desafio reside no computador. Mas a imprensa continua a exercer fascínio, coabitando com os media electrónicos. E destaco aquele número - que ilustra o tempo longo - para servir de contraponto à euforia dos defensores do jornalismo on-line.

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