quarta-feira, 1 de novembro de 2006

PRADA VESTE DIABO


Observação prévia: não sou crítico de cinema - nem jornalista -, o que torna as coisas mais simples. Ou talvez não, porque julgo ser meta-crítico ou meta-jornalista, actividades de análise do que aqueles fazem, tarefa afinal complexa.

Isto a propósito do filme O diabo veste Prada, sobre o qual eu já escrevi
aqui, em 3 de Julho último. Editei então, baseado na leitura do jornal inglês Observer, de 25 de Junho, sobre esse filme realizado por David Frankel, com Meryl Streep no principal papel:

Trata-se da história baseada num romance de enorme sucesso em 2003, escrito por Lauren Weisberg, antiga assistente da directora da Vogue, previsível personalidade que o filme disseca. Este [...] trata de jornalismo e carreiras profissionais, para além de moda. Meryl Streep faz o papel de Miranda Priestly, despótica editora-chefe da revista Runway. As outras personagens principais pertencem à assistente de direcção, a qual aspira a um lugar futuro na prestigiada revista New Yorker, e a dois homens, um, o braço direito de Miranda mas que se passa para o lado da assistente, o outro, o correspondente ao proprietário da Vogue, Vanity Fair e New Yorker.

Agora, após ter visto o filme e lido as críticas (caderno "Actual" do Expresso, caderno "Y" do Público e "6ª" do Diário de Notícias), noto como as críticas podem levar ou impedir um leitor de ver e apreciar um filme. Os críticos do Diário de Notícias são radicais: embora o mais bem escrito de todos os textos sobre o filme, Eurico de Barros fala em futilidades, insolências e prepotências numa comédia satírica e de "denúncia" de "uma indústria que garante milhões de empregos em todo o mundo, e blá-blá-blá". Mau é como o crítico classifica o filme, no que é acompanhado pelos seus colegas de jornal João Lopes e Nuno Carvalho (Nuno Mexia não se pronunciou).



Já os outros jornais dão maior destaque a Meryl Streep, com entrevistas sobre o papel neste e noutro filme também em exibição em Lisboa. Fica-se a perceber melhor a interpretação dada pela actriz à personagem Miranda Priestly, ao contrário da escrita de Eurico de Barros, que não mostra qualquer interesse na actriz nem na personagem ("tipo de papel que a grande senhora faz com uma perna às costas, o ponto morto intelectual engatado e a pensar no que irá pedir à cozinheira para fazer ao jantar", ideias absolutamente a despropósito e destinadas a preencher apenas um espaço de escrita, parece-me).

Por mim, gostei dos 109 minutos do filme (indicação da distribuição), pois saí da sala leve e bem-disposto - e a sala, ontem à noite, estava praticamente esgotada, um sinal positivo para quem gosta de cinema. Afinal, o filme não mostra gente muito má mas apenas de mau feitio, sem agressões físicas ou psicológicas. Claro, a assistente, cheia de boa vontade e ingenuidade, mudou (de vestuário, de namorado, de gostos), mas, como numa história infantil, arrepiou caminho e voltou aos seus "valores" iniciais. O filme não nos conta quase nada da moda enquanto indústria em que as relações de mercado são muito violentas (capitalistas) e os seus representantes ou intervenientes (modelos, desenhadores, costureiros) são envolvidos numa permanente luta de sobrevivência pessoal e empresarial.

2 comentários:

Anónimo disse...

ao fim de tantos anos novo layout...tá giro.

Anónimo disse...

Conheci ambientes de trabalho absolutamente idênticos aos retratados no filme, onde são indispensáveis, tanto a extrema exigência de rigor na produção de 'conteúdos' como a aturada dedicação à 'camisola', em prol de 'lucro', 'estatuto' e 'clientela' - e daí?

Daí que se trata de alta competição, daquela que também existe, ente outros domínios, na bolsa, no desporto e nas artes performativas.

E daí que quem pretender profissões menos dependentes de uma relação escravizante, do tipo da que é magistralmente exemplificada no filme, deverá enveredar por outras 'lides', o que a assistente de M. Priestly acabou por fazer.