quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

TEORIA HIPODÉRMICA EM DEZ PONTOS

A teoria da agulha hipodérmica indica que a iniciativa parte sempre do comunicador e os efeitos recaem exclusivamente sobre o receptor. A propaganda significa um efeito directo, total e duradouro. Indico dez pontos (alguns críticos) sobre a teoria hipodérmica.

1) O receptor não é passivo. Os cultural studies falam em receptor activo, capaz de (re)construir narrativas, caso das novelas. Os teóricos das redes sociais e da wikipedia falam em trabalho colaborativo, cultura participativa, produtilizador,
2) Pressupõe um quadro de raridade dos media, de emissão de um para muitos, mundo de tecnologia analógica (ver quadro da aula anterior). Na tecnologia digital, com multiplicidade de canais (rádio, televisão), mas especialmente com a capacidade de criar meios (sítios, wikis, blogues, redes sociais), cada utilizador transforma-se em produtor de conteúdos, gerando a rede, o conjunto de interligações,
3) A teoria decorreu num período de aumento de regimes ditatoriais e violentos na Europa, criando território teórico para a aceitação da propaganda e da sua eficácia, quer na Primeira quer na Segunda Guerra Mundial. Os Estados Unidos, a Rússia Soviética e o Japão não escaparam à influência da rádio (Roosevelt, nos Estados Unidos, usou frequentemente a rádio para comunicar com os seus concidadãos; a rádio teve um efeito enorme sobre os americanos para a mobilização na Segunda Guerra Mundial),
4) Havia ainda poucos estudos empíricos. Assumia-se pacificamente a ideia da influência e da persuasão dos media no curto prazo. Na época, o meio tinha um peso fundamental. Mais tarde, McLuhan diria que o meio é a mensagem, numa alusão típica à confluência de significante e significado (para utilizar conceitos da semiótica),
5) Para a Europa, a teoria hipodérmica associava-se à penetração das obras americanas (cinema, música, televisão). Formava-se a ideia de um gosto único, o da comunicação de massa. Nomeadamente o cinema, com a sua criação de estrelas (star system), reflectiu e ampliou a ideia da massa, influência e efeito directo e ilimitado: modos de vida pareciam ir ser assimilados.
6) Isso ocorre também devido à bifurcação de uma actividade: a publicitação de ocorrências. Propaganda (no sentido político) e publicidade (de produtos) cresceram a par. Nascem profissões como a de relações públicas, que fala por uma instituição enquanto porta-voz, em ligação à ideia de marca. Propaganda, publicidade, relações públicas, acções de mediatização e promoção, marca – eis algumas palavras chave da época,
7) Quero realçar o papel da rádio. Ao contrário do jornal, que implica saber ler e dominar conceitos, a linguagem da rádio é mais próxima do ouvinte, mais directa e franca. Além disso, tem um sentido de actualidade e do directo que o jornal não tem. A rádio transmite música e entretenimento, chega a casa do ouvinte sem custo (não há o pagamento de um valor diário como o jornal). Algumas estações começariam a ter uma relação de proximidade, caso das rubricas de discos pedidos. A rádio chegava a todo o lado, pois a cobertura visava ser nacional, sem as dificuldades da distribuição da imprensa (viaturas, postos de recepção dos jornais, venda, remessa dos jornais não vendidos, pagamento dos exemplares vendidos, o que complexificava as operações na perspectiva contabilística),
8) A teoria hipodérmica, apesar dos reflexos na Europa, é uma “invenção” americana. Os Estados Unidos são o país dominante antes e depois da Segunda Guerra Mundial, há uma grande autoconfiança nas suas estruturas políticas, económicas e culturais. As indústrias dos discos, do cinema e da rádio (e depois a televisão e a internet) têm um enorme desenvolvimento nos Estados Unidos – tecnológico, cultural e económico. A confiança do consumo – vender internamente e esportar para o mundo – valoriza a ideia de massa e de influência e persuasão,
9) Com vantagem, a teoria hipodérmica é a primeira teorização sobre comunicação de massa. Ela marcou de modo indelével a análise que fazemos sobre os media. Se quisermos, ela tem igual (ou mais) peso que a semiótica, a teoria crítica e a escola dos cultural studies. Resta comparar o impacto dela face à teoria optimista e utópica dos defensores das redes (internet, redes sociais, telemóveis), que, de certo modo, retomam a ideia de influência, mas agora associados à dispersão, à globalização, ao indivíduo e ao gozo pessoal, à escolha múltipla e à juventude,
10) Retomando ideias anteriores, a teoria hipodérmica tem significado cultural, económico e técnico. Técnico, porque assiste a inovações e aplicações tecnológicas de grande impacto (cinema, rádio). Económica, porque cria fileiras de actividades e de empresas, no que hoje designamos por indústrias culturais. E culturais, por via disso, porque a massificação cria valores, gostos, consumos que, sem homogeneizar e harmonizar totalmente o mundo, torna identificáveis os objectos do mundo: Coca-Cola, McDonalds, o presidente americano, os Jogos Olímpicos, o futebol. Por isso, cria hábitos, horários e períodos: festival de Cannes, de Bayreuth, globos de ouro, campeonato mundial de futebol. Massa e cultura interligam-se desde essa teoria.

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