sábado, 16 de janeiro de 2010

ESCRITA, MEMÓRIA, ARQUIVO


Este é o título do mais recente número da Revista de Comunicação e Linguagens, da Universidade Nova de Lisboa, organizado por Maria Augusta Babo e José Augusto Mourão, docentes do departamento de Ciências da Comunicação daquela universidade.

Tem textos de Bernard Stiegler, Herman Parret, Maria Augusta Babo, José Afonso Furtado, Luís Lima, José Augusto Mourão, Porfírio Silva e Pedro U. Lima, António Fernando Cascais, António Guerreiro, José Manuel Bártolo, Maria João Baltazar, Inês Gil, Pedro de Andrade e outros.

Destaco o texto de José Afonso Furtado, director da Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian, que se propõe abordar uma teoria do documento, a qual remete "para o conjunto de propriedades que constituem, em diferentes casos, as condições necessárias e suficientes para que X (um suporte de inscrição genérico, que pode ir da argila a um ficheiro informático) seja Y (um documento)" (p. 55).

Os termos usados para designar o documento são variadíssimos, como aliás a definição anterior o deixa transparecer: informação, dado, recurso, ficheiro, escrito, texto, imagem, papel, artigo, obra, livro, folha, página (p. 57). O documento implica inscrição, associada a escrita e ao modo de fixar a memória e comunicar um pensamento ou acção (p. 61), o que significa também possuir exteriorização e fixação.

O autor dedica bastante espaço a observar e reflectir o suporte e a sua materialidade e a confrontar estes com o documento escrito fisicamente, no momento em que o papel perde o monopólio da existência do documento e o suporte perde a faculdade de apropriação directa (p. 64). De onde derivam três consequências: 1) a leitura e a sua escrita implicam uma máquina intermediária, uma interface, 2) quebra-se, por isso, a relação entre suporte e inscrição, e 3) dá-se um entrelaçamento entre os suportes e os sinais. A meu ver, esta terceira consequência é exactamente o oposto do enunciado pelo autor: no papel, o sinal era visto e interpretado; no computador, o sinal é codificado numa linguagem-máquina que outro, ou o mesmo, computador descodifica. Igualmente, José Afonso Furtado identifica a estabilidade ou permanência do documento (p. 67) - e o seu oposto, acrescento eu, no ficheiro electrónico, pois este precisa de uma máquina apropriada para ler o programa. A reflexão chama ainda a atenção para o problema da privacidade, dada a possibilidade de explosão do arquivo (p. 69), a multiplicidade de cópias. O que exige a criação de uma nova ética, conclui o autor (p. 71).

2 comentários:

marilia disse...

Muito bem. Fiquei com vontade ler a matéria.

Alexandra Vidal disse...

Realmente é um livro verdadeiramente pertinente.
Numa época em que se fala tanto em preservação digital urge trazer à discussão as questões éticas em torno desta matéria!!!
Parabéns e obrigada pela divulgação desta obra.