De vez em quando sabe bem voltar a ler Roland Barthes (fi-lo, por exemplo, aqui, há pouco mais de dois anos). Ele colocou a linguagem ao serviço da semiologia. Na introdução ao texto Elementos de semiologia (1953-1964/1981), apresenta o campo de actividade desta ciência, partindo de Saussure: qualquer sistema de signos. A substância visual confirma as significações no reforço da mensagem linguística, casos de cinema, publicidade, banda desenhada, fotografia de imprensa.
Quando escreve sobre moda, parte da distinção entre fala (acto individual de selecção e actualização) e língua (instituição, sistema) e distingue três sistemas diferentes: vestuário escrito, fotografado, usado (ou real). O vestuário escrito numa revista de moda é ajudado pela linguagem articulada; a sua descrição nunca corresponde a uma execução individual das regras da moda, é um conjunto sistemático de signos e regras (Barthes, 1981: 92). O vestuário fotografado não aparece como signo abstracto, porque é usado por uma mulher individual. Já o vestuário usado (ou real) é constituído pela oposição de peças, adornos ou "detalhes", como usar um chapéu ou uma boina.
Em Sistema de moda (1967/1999), retoma a distinção. Os primeiros dois sistemas interligam-se. Por exemplo, o texto que acompanha a fotografia: "cinto de couro um pouco acima da cintura, a que uma rosa dá um toque de festa, sobre vestido leve, de shetland" (Barthes, 1999: 15). Já o terceiro sistema, o do sistema do vestuário real, não pertence ao âmbito da língua. Além de que não vemos senão um modo pessoal de usar o vestuário, um porte particular. Daí três estruturas distintas: verbal, icónica, tecnológica (esta porque o vestuário é composto de materiais físicos). A estrutura tecnológica aparece como um tipo de língua-mãe, a que as outras - as publicadas na revista de moda - são línguas mais próximas da fala.
Barthes desenvolve a ideia de shifter (aparelho; translação), do real à imagem, do real à linguagem, da imagem à linguagem (1999: 18). Do vestuário tecnológico para o icónico, o shifter é o molde de costura, o desenho que reproduz o fabrico das peças de vestuário, a que se acrescem os processos gráfico e fotográfico. A passagem do vestuário tecnológico ao escrito envolve a receita ou programa
de costura - o texto assinado na revista de moda, a recomendação. Em terceiro lugar, a transferência do vestuário icónico para o falado significa não desenhos de moldes ou textos de receitas de costura mas anafóricos da língua: "este" saia-casaco, "o" vestido de shetland.
Claro, como observa muito bem José Augusto Seabra na introdução a Mitologias (1957/2007), que traduziu, Barthes analisa a moda real e a moda escrita, optando nitidamente por esta. A moda tem a inevitabilidade da mediação da escrita. Ou, como escreve Barthes: "desde que se observa a Moda, a escrita aparece como constitutiva" (2007: XXXVIII).
Sem comentários:
Enviar um comentário