domingo, 18 de abril de 2010

WHAT A STORY

Elizabeth Bird (1997: 101) escreveu que as pessoas retêm como notícias aquelas com características memoráveis como o escândalo. Num outro texto, escrito em parceria com Robert Dardenne (1993: 276), concluiu que, apesar das notícias não serem ficção, elas contam uma história sobre a realidade, contêm partes sedutoras nas suas narrativas. Há um lado das notícias que nos espanta, que nos marca pela sua imprevisibilidade e impacto, que nos leva a dizer "que coisa estranha", "que tipo de história".

Isto vem a propósito do quadro noticioso que se fazia na quinta-feira a propósito do vulcão da Islândia. Uma pessoa avisada dizia-me que o mundo parecia estar a acabar, devido à sucessão de acidentes naturais mais recentes. Recordo os terramotos do Haiti e do Chile, a tromba de água na Madeira e no Rio de Janeiro, um pequeno tornado em Lisboa. Ela não se lembrava que os acidentes naturais fazem parte da natureza em si e que a televisão encontra imagens espectaculares nesses acidentes, de uma beleza inaudita mesmo que se trate da tragédia mais profunda, pelo que amplifica o efeito de um modo quase ensurdecedor.

Parece que a natureza quer rivalizar com as imagens prodigiosas do cinema de animação em 3D. Estas, afinal, não passam de pálida representação das possibilidades da natureza em mostrar simultaneamente o belo e o feio, que o fotógrafo e o cineasta captam esteticamente mas que o operador de televisão aproveita para impacto imediato.

O quadro noticioso do vulcão mudou rapidamente. Um assunto, para se manter no ar, precisa de novos enquadramentos, de novas histórias. Na sexta-feira, a questão natural tornou-se económica: os aviões que não podem voar, as pessoas que ficam retidas no aeroporto, Angela Merkl que não pode regressar à Alemanha, o presidente da República que vem de automóvel da República Checa até Barcelona, os comboios no canal da Mancha com lotação esgotada, os hotéis cheios em Paris. Hoje, a notícia aponta para uma situação económica na aviação pior que no 11 de Setembro de 2001 após o ataque que provocou a queda das torres gémeas de Nova Iorque. Num sentido mais prosaico, os países do sul da Europa, mais sujos (pig, no inglês), mantêm os vôos, que se tornam impossíveis nos países do norte, considerados mais limpos. De repente, o canal noticioso alargava-se com novas histórias.

Logo de imediato, esqueceu-se o quadro inicial da sucessão de acidentes naturais - ampliados pelas violentas imagens dos media, em especial a televisão, com um apelo inconsciente ao medo, como noutros casos ao escândalo - e passa-se a uma multiplicidade de histórias, o que torna (auto-)centrais os media na sociedade. A informação não se reduz à notícia mas amplia-se com a história.

Escreveram Bird e Dardenne (1993: 266) que as notícias criam ordem a partir da desordem, transformam o saber em contar. E traduzem o espanto do impacto do desastre natural, do escândalo e do crime numa história que nos leva a conversar e a recordar.

Leituras: S. Elizabeth Bird e Robert W. Dardenne (1993). "Mito, registo e «estórias»: explorando as qualidades narrativas das notícias". No livro de Nelson Traquina (org.) Jornalismo: questões, teorias e «estórias». Lisboa: Vega
S. Elizabeth Bird (1997). "What a story! Understanding the audience for scandal". No livro de James Lull e Stephen Hinerman (ed.) Media scandals. Cambridge: Polity Press

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