quinta-feira, 1 de julho de 2010

DUAS IMAGENS E MINHAS REFLEXÕES

O dispositivo (de "consulta" dos cavalos garranos) fez-me lembrar o consultório médico de final do século XIX, em que o médico é o auscultador, o consultor, o conhecedor do indivíduo doente (burguês), conversa com ele mais do que diagnostica. Ou que actua no hospital, observando anónimos e pobres, doentes de epidemias ou guerras, em camas sobrepostas e de higiene escassa, de olhos alucinados e desesperançados, corpos magros e sem identidade. Já no século XXI, o medidor de tensão é electrónico, a receita é escrita em computador ligado a impressora, o médico chama o doente através de um sistema de som. O médico especialista tem equipamentos electrónicos, digitais, opera através de robôs, dá mais ênfase às imagens holográficas (Monique Sicard) e às estatísticas do que ao corpo que se apresenta (Baudrillard). Se as plantas decoravam o consultório do século XIX, no século XXI a bata é um signo distintivo de poder e segurança (Foucault).

O recinto da achega de bois fixa uma cultura específica, a da terra - a agricultura. Na sociedade agrícola, o espectáculo não existe fora da produção, não há entretenimento como o da sociedade de consumo, há ciclos repetidos ao longo do ano, de sementeira e colheita, de abundância que esconjura a escassez. A luta entre animais (achega de bois) mostra os mais fortes, simbolicamente uma hierarquia de poder entre os proprietários. Ou, quando muito, lhes dá prestígio mesmo que frágil. Os animais que estão na praça de touros ostentam o ferro da ganadaria, espécie de cunho do anel que o patrão ostenta no dedo. Apesar de acontecimento anónimo, por desconhecido de todos os ausentes no combate entre animais, produz-se uma hierarquia. O animal velho ou fraco é abatido, não deixa história de sucesso.

Imagens de P.C., a quem agradeço, a primeira tirada entre Pitões de Júnias e Tourém, a segunda em Montalegre.

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