sábado, 18 de junho de 2011

ELA, DE GENET

Ela é uma peça de Jean Genet (1955), em apresentação no Teatro da Cornucópia, com encenação de Luís Miguel Cintra, e com este e Luís Lima Barreto, Ricardo Aibéo, Dinis Gomes e Manuel Romano na interpretação.

Ela é o Papa, a Sua Santidade (Luís Miguel Cintra). O fotógrafo (Ricardo Aibéo) pretende fazer a fotografia oficial do Papa. A atendê-lo está o Contínuo (Luís Lima Barreto), que mais me parece um mestre de cerimónias ou um chefe de gabinete pela pertinência e objectividade (e o seu oposto: a subjectividade) com que fala e argumenta. Toda a peça rola em volta da fotografia a tirar ao Papa e da importância desse gesto para o conhecimento mundial da sua figura. Em simultâneo, é uma discussão em torno do binómio ser humano/ser que representa Deus, do material e do espiritual. E ainda o confronto entre a doçura (os torrões de açúcar) e os soluços (ou prantos), a oposição entre alegria e tristeza, juventude e velhice, amor e ódio.

As peças de Jean Genet chocam muita gente, pelos temas, pela linguagem obscena, assustam porque põem os espectadores perante um mundo que sabem que existe (Roger Blin, no catálogo que acompanha a peça). Mas, por outro lado, as suas peças são desarmantes, porque provocam o riso e relaxam o público. Roger Blin compara Genet com Ionesco e Beckett. Genet não propõe soluções para os problemas, pelo que sente que qualquer ordem e organização são princípio de um constrangimento. Da peça e do autor, escreve Luís Miguel Cintra sobre o teatro do absurdo, a reflexão da vida, a encenação da morte. Em Genet, coloca-se a liberdade de pensar e de exprimir os seus pensamentos, quando os entende belos. Ele tolera mais os sofrimentos físicos e o desconforto mais do que o conforto. Sobre Deus, Genet acredita que acredita nele. A revolta dele, da sua infância, dos seus catorze anos, não foi contra a fé mas contra a sua situação social, uma condição de humilhado.

O artista é como Ela: a representação diária é como se estivesse a ver a um espelho. Será que sou igual, que venço a comunicação com o público, que supero as dificuldades? Ou sou o outro, o que aparece na fotografia, o que já morreu porque foi fotografado? A fotografia é da ordem do devir, do passado, do inantigível. Ao mesmo tempo, é a fotografia que perpetua, que aproxima, que parece dar um toque de humanidade e de vida.

Evoquemos, como no catálogo sobre a peça se faz, as pinturas de Diego Velásquez, Retrato de Inocêncio X (1650), e Francis Bacon, Estudo para o Papa Inocêncio X de Velázquez (1953).



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