domingo, 11 de março de 2012

Música e espetáculos (2)

O restaurante, naquela cidade costeira famosa pelo peixe pescado, anunciou a noite de fado a seguir ao jantar. Era uma nova iniciativa do restaurante a que se seguiriam outras, diria a produtora do sarau. Lentamente, os convivas chegaram e comeram bom peixe. Por volta das 22:30, os músicos e os fadistas aproximaram-se do pequeno palco improvisado num canto da sala. Eram três músicos (viola e guitarra) a acompanhar a jovem revelação feminina, deixando lugar posterior para o fadista mais veterano e conhecido. Depois do intervalo, o modelo complexificou-se com a entrada de fadistas amadores, oriundos da cidade e da região, que cantaram fados que os convivas do restaurante conheciam bem, por serem antigos e populares.

O antropólogo ali presente, a partir do exemplo observado, procurou reconstituir como seria um espetáculo popular, antes da massificação de ritmos modernos e vindos de fora do país, digamos um ambiente pré-1960 (apesar de nessa época já haver importação de discos e as rádios passarem muitos fonogramas estrangeiros). A fadista debutante apresentava-se antes do consagrado, fosse ao vivo ou transmitido pela rádio. A presença de cantores anónimos e populares visa(va) dar um sentido de maior unidade, de maior proximidade, entre o artista conhecido por outros espetáculos ou pelos media. Um restaurante é uma sala de pequena dimensão, que permite estabelecer o que Habermas chamou de espaço público, com formação de opinião pública. Neste caso, seria a apresentação de um estilo musical aceite por todos os convivas, partilhado e comungado por todos dentro da linha do que Benedict Anderson designou por comunidade imaginada. Mesmo sem conhecer pessoalmente o fadista consagrado, toda a gente já tinha o ouvido na rádio ou no disco ou visto na televisão.

O espetáculo é, assim, um espaço de progressão dos fãs, de afirmação de um conjunto de valores. Lembrei-me, e recuperei do meu arquivo de recortes de imprensa, a notícia impressa na revista Plateia (21 de fevereiro de 1967), a qual dava conta da abertura de uma casa de fado em Madrid (para ler adequadamente, clicar para a ampliar).

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