Para José Miguel Sardica, em aula recente, a história e o jornalismo (e a comunicação) têm interesses comuns e seria vantajoso aprenderem os métodos e os objectivos de uma e outra disciplinas. Ele começou por referir um texto de Barbie Zelizer, Explorations in Communication & History, onde se destaca essa articulação.
Um livro de Asa Briggs e Peter Burke (A Social History of the Media. From Gutenberg to the Internet) também foi identificado, pois é necessário aos estudiosos de comunicação e cultura levarem a história a sério. Para quem faz história do mundo contemporâneo, os jornais (e os media em geral) são elementos imprescindíveis. Vasco Pulido Valente fundou os seus estudos de história na imprensa da época, na leitura e releitura com crítica. A imprensa, apesar de não ser a verdade da época, reflecte, é um mediador, um repertório de cores e vozes de uma época. Os melhores livros de história (History em inglês) são os que narram. Ora, as histórias escritas nos media (stories em inglês) seguem uma narrativa, uma história. O comunicador ou jornalista narra o momento de hoje, o historiador narra o passado como se fosse um comunicador do que aconteceu hoje. Por outras palavras, o comunicador é o historiador do momento presente. O historiador e o jornalista usam técnicas de análise comuns.
Uma discussão sempre presente no trabalho do jornalista é a objectividade, a sua neutralidade e imparcialidade. O que não acontece, do mesmo modo que ao historiador. Aqui, há uma vantagem do historiador sobre o jornalista. Como o seu objeto está distanciado do tempo, as paixões do momento e as conclusões precipitadas atenuam-se. Como dizia Paul Veyne: a história é a actualidade política arrefecida.
José Miguel Sardica, nessa aula, apresentou cinco eixos de trabalho e um apontamento final sobre a interrelação historiador/jornalista:
1) Objecto. O historiador estuda acontecimentos mas também estruturas. Os acontecimentos são constituídos por factos relevantes, que o historiador monta numa narrativa. O historiador é uma espécie de comunicador de fim de semana. O historiador faz informação e opinião. Já o jornalista analisa igualmente o acontecimento. O historiador ensina que a distância faz ver a floresta, ao passo que o jornalista vê a árvore (José Mattoso). A comunicação (e o jornalismo) não estuda átomos mas pessoas, ideias, a atividade humanista.
2) Método. A história tem duzentos anos de método, fixado na heurística (pesquisa) e na hermenêutica (interpretação). A heurística permite identificar arquivos, espólios, ler cartas e documentos, o corpus. Exerce sobre os objectos as suas operações. O jornalista e o comunicador fazem perguntas às fontes, avaliam a relevância e o carácter acessório, hierarquizam os documentos enquanto desconfiam das fontes. A história oral é o método da entrevista usada pelo jornalista. Logo, há métodos que são parecidos para o historiador e para o jornalista. Ao comunicador falta o rigor da heurística. O historiador não escreve sobre fontes anónimas, o que acontece com frequência ao jornalista.
3) Linguagem. O comunicador ensina muito ao historiador. Este tem um jargão académico, aquele incorpora na melhor história um estilo curto, conciso e claro. A mediatização da história levou o historiador a procurar comunicar melhor com o público. Para A. J. P. Taylor, deve ultrapassar-se o hermetismo do historiador e ser claro como o que se escreve nos jornais, o que não quer dizer superficialidade.
4) Função social. Há autoridades diferentes: o mundo do historiador é a academia, onde se guarda a memória. O comunicador é o guardião da polis, do bem comum, da res-publica, agenda-setter da sociedade actual, da cultura cívica, do civismo.
5) Contributos recíprocos. O jornalista não é historiador, nem este aquele. As áreas são distintas mas aproximam-se pelos métodos. Como fechar o ciclo? O comunicador potencia a capacidade de interpretar o real se tiver maior cultura histórica, enquanto o historiador terá melhor qualidade quando comunicar melhor. O historiador e o comunicador podem juntar-se na comunicação organizacional, no marketing e nos recursos humanos. Para António Hespanha, a história é a gestão de conflitos, pelo que o historiador pode ensinar como, noutras organizações e noutros momentos, a comunicação gerou consensos e negociou. A história é a aprendizagem dos conflitos antigos para resolver os casos de agora.
Apontamento final Paul Veyne (1971). Como se escreve história. A história não é uma ciência. A sua maneira de explicar é compreender. O que não é diferente do que faz o jornalista ou o que lê as notícias.
José Miguel Sardica é professor associado da Universidade Católica Portuguesa, onde ensina História da Imprensa e da Opinião entre outras disciplinas. Editou nomeadamente O Século XX Português (2011), A Regeneração sob o Signo do Consenso. A Política e os Partidos entre 1851 e 1861 (2001) (prémio da Academia das Ciências de Lisboa), Duque de Ávila e Bolama. Biografia (2005) e A Europa Napoleónica e Portugal. Messianismo Revolucionário, Política, Guerra e Opinião Pública (2011).
Um livro de Asa Briggs e Peter Burke (A Social History of the Media. From Gutenberg to the Internet) também foi identificado, pois é necessário aos estudiosos de comunicação e cultura levarem a história a sério. Para quem faz história do mundo contemporâneo, os jornais (e os media em geral) são elementos imprescindíveis. Vasco Pulido Valente fundou os seus estudos de história na imprensa da época, na leitura e releitura com crítica. A imprensa, apesar de não ser a verdade da época, reflecte, é um mediador, um repertório de cores e vozes de uma época. Os melhores livros de história (History em inglês) são os que narram. Ora, as histórias escritas nos media (stories em inglês) seguem uma narrativa, uma história. O comunicador ou jornalista narra o momento de hoje, o historiador narra o passado como se fosse um comunicador do que aconteceu hoje. Por outras palavras, o comunicador é o historiador do momento presente. O historiador e o jornalista usam técnicas de análise comuns.
Uma discussão sempre presente no trabalho do jornalista é a objectividade, a sua neutralidade e imparcialidade. O que não acontece, do mesmo modo que ao historiador. Aqui, há uma vantagem do historiador sobre o jornalista. Como o seu objeto está distanciado do tempo, as paixões do momento e as conclusões precipitadas atenuam-se. Como dizia Paul Veyne: a história é a actualidade política arrefecida.
José Miguel Sardica, nessa aula, apresentou cinco eixos de trabalho e um apontamento final sobre a interrelação historiador/jornalista:
1) Objecto. O historiador estuda acontecimentos mas também estruturas. Os acontecimentos são constituídos por factos relevantes, que o historiador monta numa narrativa. O historiador é uma espécie de comunicador de fim de semana. O historiador faz informação e opinião. Já o jornalista analisa igualmente o acontecimento. O historiador ensina que a distância faz ver a floresta, ao passo que o jornalista vê a árvore (José Mattoso). A comunicação (e o jornalismo) não estuda átomos mas pessoas, ideias, a atividade humanista.
2) Método. A história tem duzentos anos de método, fixado na heurística (pesquisa) e na hermenêutica (interpretação). A heurística permite identificar arquivos, espólios, ler cartas e documentos, o corpus. Exerce sobre os objectos as suas operações. O jornalista e o comunicador fazem perguntas às fontes, avaliam a relevância e o carácter acessório, hierarquizam os documentos enquanto desconfiam das fontes. A história oral é o método da entrevista usada pelo jornalista. Logo, há métodos que são parecidos para o historiador e para o jornalista. Ao comunicador falta o rigor da heurística. O historiador não escreve sobre fontes anónimas, o que acontece com frequência ao jornalista.
3) Linguagem. O comunicador ensina muito ao historiador. Este tem um jargão académico, aquele incorpora na melhor história um estilo curto, conciso e claro. A mediatização da história levou o historiador a procurar comunicar melhor com o público. Para A. J. P. Taylor, deve ultrapassar-se o hermetismo do historiador e ser claro como o que se escreve nos jornais, o que não quer dizer superficialidade.
4) Função social. Há autoridades diferentes: o mundo do historiador é a academia, onde se guarda a memória. O comunicador é o guardião da polis, do bem comum, da res-publica, agenda-setter da sociedade actual, da cultura cívica, do civismo.
5) Contributos recíprocos. O jornalista não é historiador, nem este aquele. As áreas são distintas mas aproximam-se pelos métodos. Como fechar o ciclo? O comunicador potencia a capacidade de interpretar o real se tiver maior cultura histórica, enquanto o historiador terá melhor qualidade quando comunicar melhor. O historiador e o comunicador podem juntar-se na comunicação organizacional, no marketing e nos recursos humanos. Para António Hespanha, a história é a gestão de conflitos, pelo que o historiador pode ensinar como, noutras organizações e noutros momentos, a comunicação gerou consensos e negociou. A história é a aprendizagem dos conflitos antigos para resolver os casos de agora.
Apontamento final Paul Veyne (1971). Como se escreve história. A história não é uma ciência. A sua maneira de explicar é compreender. O que não é diferente do que faz o jornalista ou o que lê as notícias.
José Miguel Sardica é professor associado da Universidade Católica Portuguesa, onde ensina História da Imprensa e da Opinião entre outras disciplinas. Editou nomeadamente O Século XX Português (2011), A Regeneração sob o Signo do Consenso. A Política e os Partidos entre 1851 e 1861 (2001) (prémio da Academia das Ciências de Lisboa), Duque de Ávila e Bolama. Biografia (2005) e A Europa Napoleónica e Portugal. Messianismo Revolucionário, Política, Guerra e Opinião Pública (2011).
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