Como esta professora escreve na nota prévia, ao longo de cerca de 40 anos de carreira profissional (1966-2005), ela escreveu textos para publicações periódicas em ciências sociais, textos para as disciplinas de sociologia que leccionou, textos para congressos, textos de projectos (livros e relatórios), textos com ideias para aprofundar e reflectir (p. 15).
Atravessou o grupo de bolseiros da Gulbenkian do Instituto de Ciências Sociais, chegou a investigadora coordenadora e foi presidente do Observatório de Actividades Culturais. A sociologia da Cultura foi a área onde a autora esteve mais ligada, desde a primeira disciplina com aquele nome na universidade portuguesa (1983), onde fez o doutoramento e as provas de agregação e onde organizou e dirigiu o observatório acima indicado. Nesse sentido, escreve, os textos agora publicados são o retomar da sociologia da cultura, e o consequente remeter para a sua carreira.
A primeira parte do livro aborda as diversas fases da sua carreira, quase no tempo da criação do GIS (Gabinete de Investigações Sociais), actual ICS, e da revista Análise Social, por Adérito Sedas Nunes (p. 19). Já na década de 1980, a autora acompanha o reconhecimento da sociologia como carreira, com a licenciatura do ISCTE, a institucionalização do GIS (ICS) e a constituição da Associação Portuguesa de Sociologia (p. 21). Se a terceira parte da sua carreira acompanha a década de 1990, com coordenação crescente de projectos e orientações, enquanto dedica atenção a temas como a convivialidade e o lazer (p. 26), o quarto período é o do Observatório de Actividades Culturais (p. 33).
A segunda parte do livro aborda os escritos ao longo da carreira, como as noções de cultura (grande cultura, popular, de massas) (com uma leitura cuidada da produção literária francesa sobre o tema), raridade e reprodutibilidade (onde escreve sobre Benjamin, Dorfles, Bordieu e Lipovetsky), novos mundos da arte e da cultura (com precisa referência à heterogeneidade dos públicos, em 1994 e que se repercute nos textos posteriores, como o que coordena sobre os públicos do Porto capital da cultura), a cultura mediática e as indústrias culturais, cultura dos ócios (onde define a composição das minorias cultivadas, 1995). Maria de Lourdes Lima dos Santos dedica o espaço central do livro a um texto de 1979 sobre intelectuais e artistas no século XIX (trabalho para a tese de doutoramento), a que se segue a conceptualização de públicos de cultura, a meu ver uma das melhores elaborações teóricas aqui presentes.
Público leitor, públicos do Festival de Almada, do teatro S. João e do Porto 2001, apresentações de outros tantos volumes editados pelo Observatório, e públicos da cultura (resultado de um encontro em 2003) adquiram, na época da publicação, uma grande importância na formação e discussão intelectual no país. No seguimento, a autora estuda a relação entre cultura e economia, nomeadamente o mecenato, de que faz uma resenha elaborada das políticas governamentais. Dos trabalhos que li da professora do ICS, o que mais me marcou foi "Indústrias culturais: especificidades e precariedades", de 1999. O ponto de partida foi a relação tripla das indústrias culturais com 1) as outras indústrias, 2) entre si e 3) as outras formas culturais.
Estudo das galerias de arte, políticas culturais nacionais e europeias, e transformações no domínio da cultura de 1974 a 2004 são outros temas a ler com atenção. A última parte da obra é dedicada a guiões das aulas, em especial as leccionadas entre 1983 e 1998. Aqui observa-se uma espécie de textura, de construção do tecido teórico, da experimentação contínua do trabalho do docente. Olhando estas páginas aprende-se muito como se processa a evolução e a maturação de um pensamento.
Leitura: Maria de Lourdes Lima dos Santos (2012). Sociologia da Cultura. Perfil de uma carreira. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 511 p., 30 €
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