Por Tudo e por Nada é uma peça de Nathalie Sarraute, com encenação de Jorge Silva Melo, tradução de Jorge Silva Melo e Pedro Tamen, desempenhada por João Meireles, Pedro Carraca, Andreia Bento e António Filipe, cenografia e figurinos de Rita Lopes Alves, para os Artistas Unidos.
Dois homens, muito amigos desde sempre, discutem sobre os que os desuniu. O primeiro pergunta ao segundo o que aconteceu. Este recusou num momento e confidenciou depois: são apenas palavras. Um "Que bom" dito por um despertou azedume e afastamento do outro. Teria sido a entoação, a forma como ele se expressara.
H1: Ouve lá... Queria fazer-te uma pergunta... Foi um bocado por isso que vim... Eu queria saber... Que é que aconteceu? Que é que tu tens contra mim?
H2: Eu? Nada... Porquê?
H1: “A vida está ali... simples e tranquila”... “A vida está ali simples e tranquila”. É Verlaine, não é? H2: É. É Verlaine. Mas porquê?
H1: Verlaine. Isso mesmo.
As palavras despertam significados porque as compreendemos de uma dada maneira. Criam aproximações ou, na maioria das vezes, promovem incompreensões. A peça de Nathalie Sarraute confronta-nos com a realidade quotidiana: o que as palavras querem dizer do modo como são ditas. Puro domínio semiótico, a percorrer em Peirce ou Barthes. O segundo homem, conhecido por se zangar e se afastar das pessoas "por tudo e por nada", procura explicar as razões porque aquele "Que bom" transformara a velha amizade numa rejeição profunda. Falou em cilada, ratoeira, de superioridade intelectual do outro. Ciúme, incompreensão, disse este. Os vizinhos do segundo homem foram chamados para testemunhas e nada conseguiram extrair da entoação "Que bom". Exagero, excesso, terão pensado e dito. E foram-se embora porque lhes pareceu rídiculo o fundamento do afastamento do homem.
Nathalie Sarraute (nascida Natalyia Ilinichna Tcherniak, Ната́лья Ильи́нична Черня́к, em Ivanovo, perto de Moscovo, 1900-1999), filha de uma família letrada da burguesia judia, deixou a Rússia quando os seus pais se separaram e a mãe foi para Paris. A infância é partilhada entre esta cidade e São Petersburgo. Estuda inglês e história em Oxford, sociologia em Berlim e direito em Paris. Casa com Raymond Sarraute em 1925 e exerce advocacia até 1941, então afastada pelos tribunais nazis. Antes já escrevera um romance mas é em 1953, com o seu Retrato de um Desconhecido, prefaciado por Sartre, que começa a ser conhecida no mundo das letras.
Fotografia: Artistas Unidos
Dois homens, muito amigos desde sempre, discutem sobre os que os desuniu. O primeiro pergunta ao segundo o que aconteceu. Este recusou num momento e confidenciou depois: são apenas palavras. Um "Que bom" dito por um despertou azedume e afastamento do outro. Teria sido a entoação, a forma como ele se expressara.
H1: Ouve lá... Queria fazer-te uma pergunta... Foi um bocado por isso que vim... Eu queria saber... Que é que aconteceu? Que é que tu tens contra mim?
H2: Eu? Nada... Porquê?
H1: “A vida está ali... simples e tranquila”... “A vida está ali simples e tranquila”. É Verlaine, não é? H2: É. É Verlaine. Mas porquê?
H1: Verlaine. Isso mesmo.
As palavras despertam significados porque as compreendemos de uma dada maneira. Criam aproximações ou, na maioria das vezes, promovem incompreensões. A peça de Nathalie Sarraute confronta-nos com a realidade quotidiana: o que as palavras querem dizer do modo como são ditas. Puro domínio semiótico, a percorrer em Peirce ou Barthes. O segundo homem, conhecido por se zangar e se afastar das pessoas "por tudo e por nada", procura explicar as razões porque aquele "Que bom" transformara a velha amizade numa rejeição profunda. Falou em cilada, ratoeira, de superioridade intelectual do outro. Ciúme, incompreensão, disse este. Os vizinhos do segundo homem foram chamados para testemunhas e nada conseguiram extrair da entoação "Que bom". Exagero, excesso, terão pensado e dito. E foram-se embora porque lhes pareceu rídiculo o fundamento do afastamento do homem.
Nathalie Sarraute (nascida Natalyia Ilinichna Tcherniak, Ната́лья Ильи́нична Черня́к, em Ivanovo, perto de Moscovo, 1900-1999), filha de uma família letrada da burguesia judia, deixou a Rússia quando os seus pais se separaram e a mãe foi para Paris. A infância é partilhada entre esta cidade e São Petersburgo. Estuda inglês e história em Oxford, sociologia em Berlim e direito em Paris. Casa com Raymond Sarraute em 1925 e exerce advocacia até 1941, então afastada pelos tribunais nazis. Antes já escrevera um romance mas é em 1953, com o seu Retrato de um Desconhecido, prefaciado por Sartre, que começa a ser conhecida no mundo das letras.
Fotografia: Artistas Unidos