quinta-feira, 6 de junho de 2013

A visita

José Luiz Ribeiro, autor e director da peça A Visita escreve sobre o vaudeville, que é "um tipo de teatro que se caracteriza pelas entradas e saídas de personagens diante de eventos indeterminados". A história decorre numa casa onde estão alojados estudantes universitários (uma república), subitamente confrontados com dois problemas: a aposentação da empregada doméstica e a vinda da fazenda para a cidade, por causa de exames médicos, da tia de Micha, o jovem que tinha a responsabilidade do aluguer do espaço. Uma só casa de banho (banheiro), a falta de um quarto para alojar a tia Lola e o seu empregado (que aparentemente quase dizia "Sim, madrinha" mas revelou uma grande sagacidade na resolução de problemas) e o poder reivindicativo do novo ajudante da aposentada Luzia tornam a peça num grande momento de divertimento tendo por fundo questões sérias.

Retomo o texto do autor: a peça é uma "fábula que mostra o conflito entre o campo e a cidade, entre a religiosidade politizada [...] e a ascensão de uma classe que aprendeu a exigir seus direitos sem se preocupar com deveres". O tempo é de hoje, quando no Brasil se assiste a uma forte ascensão social, da classe D e E para a C1 e um em quatro estudantes universitários ganha uma bolsa. Além da muito recente disposição de as bolsas para fora do país se reorientarem para os países de língua inglesa (o que deixou o governo português em pânico há duas ou três semanas, mas me parece irreversível porque o Brasil quer ganhar competências, como já ouvi nestes últimos dias pessoas colocadas dentro da questão). A elevação económica e social precisa de ser completada pela educação, elemento sempre muito frágil como ilustraram os anos de muito dinheiro em Portugal e que não resolveram os problemas, apesar do aumento de licenciados no geral.

Além da questão interclassista há também uma razão racial, embora mais mitigada: a empregada é de cor e os empregadores são brancos, a tia Lola é a fazendeira branca e o seu afilhado é de cor. Entre a fazendeira e a empregada doméstica há uma antiga zanga, que, nos novos tempos, se procura reverter. E uma crítica política evidente, embora apontada à televisão. Os muitos canais de televisão emitem todos a mesma coisa, a novela que representa a cidade não é compreendida no campo e a novela que fala do campo não é entendida na cidade, como diz a fazendeira, que estudara na faculdade antes de ir para o campo e que abandonara as ideias revolucionárias (neste caso, parece colar-se à crítica de Adorno) para se tornar conservadora, porque descobrira a sabedoria do povo.

O grupo que representa a peça é o Divulgação, surgido em Juiz de Fora, Minas Gerais, em 1966, a partir de um grupo de estudantes da Faculdade de Filosofia desta cidade, realizando "um trabalho ininterrupto, que está fundamentado na pesquisa, no ensino e na extensão, visando o exercício da cidadania, através da participação cultural e da difusão e discussão de ideias e valores ligados à comunidade" (Márcia Falabella, 2004, Grupo Divulgação. O teatro como devoção, Juiz de Fora, Centro de Estudos Teatrais, p. 18). Em texto comemorativo de 40 anos de actividade, lembrava-se que, na década de 1960, a cidade tinha um forte movimento de teatro, trovadores, poetas, cinéfilos e músicos (Memória). O golpe militar de 1964 e o AI-5, em 1968, acto que estabelecia a censura nas indústrias culturais, estabeleceram dificuldades tornadas resistência. Lorca, por exemplo,seria representado, mas também Gogol, Górki, Gil Vicente (A farsa do velho da horta), Genet, Pirandelo, Camus e José Luiz Ribeiro. Este último já escreve peças há 50 anos. Foi muito bom conhecer o autor e falar com ele uns curtos mas memoráveis minutos antes do começo da representação.

  visita

[imagem retirada da página de Facebook de José Luiz Ribeiro]