Textos de Rogério Santos, com reflexões e atualidade sobre indústrias culturais (imprensa, rádio, televisão, internet, cinema, videojogos, música, livros, centros comerciais) e criativas (museus, exposições, teatro, espetáculos). Na blogosfera desde 2002.
quinta-feira, 25 de julho de 2013
Um barbeiro na rádio
O programa dela na rádio tinha uma réplica num jornal da cidade. Ou, pelo menos, o mesmo título. Nessa altura, as emissões eram em onda média. Não estou em condições para garantir que ela foi a pioneira dos textos publicitários como hoje se conhecem (ou publi-reportagens): um enredo conduz lentamente ao produto a publicitar. Mas gostaria de puxar para mim essa relação social. Na altura, a rádio dela não tinha permissão oficial de emitir publicidade, mas a sabedoria daquela gente fizera uma inovação a partir de tal negação. A ideia era contar uma história, com personagens e sítios, para no fim revelar o patrocínio ao programa. Tipo: água de colónia, tinturaria, pastelaria. Ou uma mais prosaica Casa Carlos.
Num período curto, ela fez entrevistas a colegas seus da rádio, um deles autor de novelas radiofónicas. Era um tempo anterior ao da televisão, mas pelo êxito atual vê-se a força que tinha o género. Ao fim e ao cabo, contar uma história com personagens e sítios, como na publicidade.
Descobri que, da produção desse autor de novelas radiofónicas, há pelo menos uma que está publicada (com exemplares na Biblioteca Nacional e na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra). E que o autor escrevera vinte anos antes sobre barbeiros, com muita acutilância, tipo barbear, pentear e cortar cabelo, o que denota o conhecimento próprio da matéria. Acho que ele foi barbeiro antes de escritor de novelas de rádio, outra ilação que gostaria de chamar para mim. O saber acumulado num espaço público como a barbearia pode ter feito do profissional um excelente contador de histórias.
Parece bizarro, mas ele também dirigiu a revista de um grupo excursionista e recreativo. De igual maneira que a realizadora do programa de rádio dava recitais de poesia noutra emissora e publicou um romance, um diário escrito pelo namorado, com 23 anos, para a namorada, com 15, revisitar quando ele morresse. E a narrativa, de modo muito ambíguo, leva a pensar que o jovem morreu nessa altura. Paixão ideal mas curta como a primavera de uma andorinha; memória e fidelidade para sempre. Afinal, valores de uma época.
Aquela rádio parecia viver num devaneio puro. Ou de perplexidade. Então, a oposição ao regime concorrera às eleições, mas não obtivera nenhum deputado para a Assembleia, uma grande estranheza, digo. Talvez um dia escreva sobre a estação e os seus profissionais diligentes mas com um problema imenso de censura.