Em A Lógica da Escrita e a Organização da Sociedade, Jack Goody (Edições 70, 1987) considera a intersecção entre oral e escrito como tópico central na sua investigação. Outro objectivo foi ver os efeitos a longo prazo da escrita da sociedade. Muito do trabalho que Goody provém do seu, e de outros, trabalho na África ocidental. Goody deslocou-se muitas vezes ao Gana. Alguns conceitos que trabalhou seriam fronteira (p. 21), mudança (p. 22), obsolescência (p. 24), incorporação ou conversão (p. 26), universalismo e particularismo (p. 27) e especialização (sacerdotes e intelectuais, p. 32).
Nas sociedades religiosas compostas por homens eruditos,
especialmente quando estes profissionais controlam, de alguma forma, o
conhecimento proveniente do livro, pelo menos da Escritura religiosa, ocorre
uma forma de especialização (p. 33). Claro que o clero, como corpo distinto,
também aparece em sociedades orais sem escrita. Com a escrita, surge uma nova
situação - o sacerdote tem acesso privilegiado a textos sagrados. Como
mediador, ele possui uma ligação única com Deus. No princípio, era o livro, mas
o sacerdote lê-o e explica-o. Daí, as religiões baseadas no livro serem
frequentemente associadas a restrições nos usos e extensão da instrução. No
caso extremo, os sacerdotes são a única categoria de pessoas capazes de ler, situação em diferentes etapas da história indiana, quando a instrução
estava restrita aos brâmanes, e nos primeiros tempos da Europa medieval,
a seguir ao declínio da instrução laica com a queda de Roma. Na Inglaterra, clericus
acabou por se identificar com literatus e este com o conhecimento do latim,
o que trouxe privilégios. Os especialistas da escrita adquirem o controlo
inevitável de entrada e saída de um segmento de conhecimento (p. 34).
Goody, ao decifrar as influências da escrita na religião, fala de tendências (p. 194). O tema do livro é a influência de um modo de comunicação fundamental, a escrita, na organização social (p. 205). Com isto, Goody não pretendeu negar a relevância deste ou de outro meio de comunicação. Como influenciou a escrita a orientação política? (p. 107) As nações modernas estão muito dependentes da escrita para sistemas eleitorais, legislações, administração interna e relações externas.
O uso da escrita é-o também para o registo de mudanças de
estatuto social no ciclo de vida – nascimento, casamento, morte (p. 60). A
publicação toma muitas formas e aspectos nas culturas escritas, com mensagens
inscritas na pedra. As narrativas da Mesopotâmia insistem no grau em que a
economia e escrita estavam mutuamente dependentes (p. 67). A escrita era
utilizada fundamentalmente para a condução dos assuntos económicos – e não
tanto para a conservação do conhecimento pelos sacerdotes (como visto acima).
Mas os livros eram também usados nas contas dos depósitos do templo (p. 68). Os
registos incluem dádivas dos palácios reais e transacções a partir de
casamentos, adopções e testemunhos. O templo recebia a sua dotação do palácio,
que, por sua vez, arrecadava a receita, organizava a produção primária,
participava no comércio (p. 81). Sobre a escrita e a economia em África, em
observações feitas pelo próprio Goody, tome-se a simples questão do crédito (p.
103). Por exemplo, as mulheres ganesas forneciam comida a crédito a empregados
de um recinto de transportes. Tinham um número restrito de tipos de
transacções, devido ao esforço de memória em fixar os diferentes negócios, a
menos que houvesse um livro de contabilidade. A vantagem da escrita funcionava
também no domínio da prova e do acordo. A factura escrita fornece a
oportunidade de examinar e verificar o conteúdo, o que garante autoridade (p.
104).
Goody dedicou atenção a duas situações, uma com e outra sem
escrita – o Próximo Oriente da Antiguidade, onde apareceu a escrita, e a África
ocidental contemporânea, onde o seu uso tem proliferado nos últimos 75 anos (p.
9). Ele olha os colegas antropólogos – habituados a analisar um contexto
particular a partir do terreno e com atenção aos informadores – e os
historiadores e arqueólogos – que reconstituem situações ao longo do tempo e
estabelecem sequências cronológicas de desenvolvimento, o que o conduziu a uma terceira
hipótese, que seguiu, a de pegar numa sequência (ou tópico) e seguir o seu
trajecto variável no tempo e no espaço (p. 12). O autor estabelece a relevância
de alguns elementos (mas não a teoria funcionalista, onde tudo influencia tudo,
e a análise sociocultural). Na bibliografia, não há referências a Harold Innis,
Marshall McLuhan, James Carey ou Walter Ong. Mas cita E.L.Eisenstein (The
printing Press as na Agent of Change) sobre as implicações da imprensa e de
Sherry Turkle sobre o efeito dos computadores no espírito humano. Goody e I.P.Watt publicaram em 1963
um artigo (The Consequences of Literacy) na revista Comparative Studies in
Society and History. Neste artigo, exploram o significado do
desenvolvimento e do movimento da alfabetização. Ao discutir a mudança, e os seus benefícios, da
oralidade para a cultura escrita, Goody e Watt notam que “a natureza intrínseca
da comunicação oral tem um efeito considerável sobre o conteúdo e a transmissão
do repertório cultural” (p.2). A citação acaba por definir um contexto.
Leituras suplementares: Análise Social e Horizontes Antropológicos.
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