De repente, parece que se descobriu o cinema português. Os últimos números de espectadores que li indicam 70 mil para Os Maias – Cenas da Vida Romântica, filme de João Botelho, e mais de 25 mil para o Os Gatos Não Têm Vertigens, filme de António-Pedro Vasconcelos, na primeira semana. A crítica não tem realçado muito os dois filmes, mas os números inspiram confiança.
Num, há um olhar político, recuperando um grande romance de Eça de Queirós, como se não tivessem passado cerca de 120 anos desde a sua publicação. Portugal, a bancarrota e o olhar do centro do país, então o Chiado ou o corredor Chiado-Passeio Público, não parecem muito diferentes. Nas telas pintadas por João Queirós, que substitui muito bem a reconstituição dos sítios históricos, há uma grande poesia. Claro que, na época, o café da Brasileira não existia, mas a corrida de cavalos vale pela representação e pelo pintado, um verdadeiro simulacro que encanta. Se Eça pertencia a uma estética realista, João Botelho desconstrói. O João da Ega (Pedro Inês) é uma personagem bem conseguida, aquela que vive do que tem e do que obtém de empréstimo e, em simultâneo, fala e consegue convencer os outros da sua visão do mundo. Faltou-lhe apenas escrever o livro como fresco dessa cultura. A abertura do filme (com Jorge Vaz de Carvalho a fazer de narrador-leitor) e o fim (em que tudo parece mudar mas fica tudo igual) são momentos bem conseguidos. As personagens dos irmãos incestuosos, Carlos da Maia (Graciano Dias) e Maria Eduarda (Maria Flor), são igualmente bem trabalhados.
Fruto da parceria na produção luso-brasileira do filme, João Botelho apresentou já a versão brasileira do seu filme no Festival de Cinema do Rio de Janeiro. A co-produção recebera uma parte do financiamento da Agência de Cinema do Brasil (Ancine).
Por seu lado, o filme Os Gatos não Têm Vertigens, de António-Pedro Vasconcelos, partiu da ideia de "Todas as respostas estão por escrito", num contexto de crise financeira e até de valores. Na minha perspectiva, o realizador conseguiu fazer um filme muito equilibrado e agradável em termos de ritmo de narrativa. Há uma terna história de compreensão e afecto de uma recém-viúva por um rapaz que atingiu a idade adulta mas com um futuro social e profissional complicado, dada a origem familiar e social. Rosa (Maria do Céu Guerra) descobre um grande potencial de romancista em Jó (João Jesus), jovem expulso da casa do pai e que encontra a casa de Rosa (o seu terraço) através de endereço encontrado na sua mala roubada pelo grupo a que pertencia aquele rapaz. Depois, e numa inversão da situação, ele deixara os seus cadernos no terraço, o que levou à curiosidade de Rosa. O mau ambiente social e financeiro em casa de Jó e nas suas relações, o jovem vê reproduzir-se na família de Rosa: a filha Luísa (Fernanda Serrano) e o genro (Ricardo Carriço).
Segundo António-Pedro Vasconcelos: "Para este filme, questionei-me muito sobre que história faria sentido contar num momento de crise como o que vivemos. Isso levou-me a pensar muito no Frank Capra e no Vittorio De Sica, que fizeram filmes em momentos de crises terríveis, mas sem deitar as pessoas abaixo. A questão é que o Capra tinha o Roosevelt e nós temos o Cavaco. É um bocado diferente. O neorrealismo partiu de coisas atrozes como a guerra e o fascismo, mas havia um horizonte de esperança. Hoje as pessoas não têm esse horizonte, mas não queria fazer um filme a dizer amem-se uns aos outros e sejam uns gajos porreiros. Julgo que esse equilíbrio é a chave do sucesso do filme" (http://www.dn.pt/inicio/artes/interior.aspx?content_id=4161934).
Num, há um olhar político, recuperando um grande romance de Eça de Queirós, como se não tivessem passado cerca de 120 anos desde a sua publicação. Portugal, a bancarrota e o olhar do centro do país, então o Chiado ou o corredor Chiado-Passeio Público, não parecem muito diferentes. Nas telas pintadas por João Queirós, que substitui muito bem a reconstituição dos sítios históricos, há uma grande poesia. Claro que, na época, o café da Brasileira não existia, mas a corrida de cavalos vale pela representação e pelo pintado, um verdadeiro simulacro que encanta. Se Eça pertencia a uma estética realista, João Botelho desconstrói. O João da Ega (Pedro Inês) é uma personagem bem conseguida, aquela que vive do que tem e do que obtém de empréstimo e, em simultâneo, fala e consegue convencer os outros da sua visão do mundo. Faltou-lhe apenas escrever o livro como fresco dessa cultura. A abertura do filme (com Jorge Vaz de Carvalho a fazer de narrador-leitor) e o fim (em que tudo parece mudar mas fica tudo igual) são momentos bem conseguidos. As personagens dos irmãos incestuosos, Carlos da Maia (Graciano Dias) e Maria Eduarda (Maria Flor), são igualmente bem trabalhados.
Fruto da parceria na produção luso-brasileira do filme, João Botelho apresentou já a versão brasileira do seu filme no Festival de Cinema do Rio de Janeiro. A co-produção recebera uma parte do financiamento da Agência de Cinema do Brasil (Ancine).
Por seu lado, o filme Os Gatos não Têm Vertigens, de António-Pedro Vasconcelos, partiu da ideia de "Todas as respostas estão por escrito", num contexto de crise financeira e até de valores. Na minha perspectiva, o realizador conseguiu fazer um filme muito equilibrado e agradável em termos de ritmo de narrativa. Há uma terna história de compreensão e afecto de uma recém-viúva por um rapaz que atingiu a idade adulta mas com um futuro social e profissional complicado, dada a origem familiar e social. Rosa (Maria do Céu Guerra) descobre um grande potencial de romancista em Jó (João Jesus), jovem expulso da casa do pai e que encontra a casa de Rosa (o seu terraço) através de endereço encontrado na sua mala roubada pelo grupo a que pertencia aquele rapaz. Depois, e numa inversão da situação, ele deixara os seus cadernos no terraço, o que levou à curiosidade de Rosa. O mau ambiente social e financeiro em casa de Jó e nas suas relações, o jovem vê reproduzir-se na família de Rosa: a filha Luísa (Fernanda Serrano) e o genro (Ricardo Carriço).
Segundo António-Pedro Vasconcelos: "Para este filme, questionei-me muito sobre que história faria sentido contar num momento de crise como o que vivemos. Isso levou-me a pensar muito no Frank Capra e no Vittorio De Sica, que fizeram filmes em momentos de crises terríveis, mas sem deitar as pessoas abaixo. A questão é que o Capra tinha o Roosevelt e nós temos o Cavaco. É um bocado diferente. O neorrealismo partiu de coisas atrozes como a guerra e o fascismo, mas havia um horizonte de esperança. Hoje as pessoas não têm esse horizonte, mas não queria fazer um filme a dizer amem-se uns aos outros e sejam uns gajos porreiros. Julgo que esse equilíbrio é a chave do sucesso do filme" (http://www.dn.pt/inicio/artes/interior.aspx?content_id=4161934).
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