A fenomenologia é um modo de pensar que pode aplicar-se a qualquer campo académico, funcionando como crítica a ideias tomadas como garantidas (p. 9). O projecto da fenomenologia é questionar o significado de "vida". Scannell parte de Martin Heidegger com grande desenvoltura, do mesmo modo que se apoia em Raymond Williams. Este último, na sua análise da "longa revolução" na Grã-Bretanha, observou os benefícios económicos e tecnológicos na classe trabalhadora, em termos de rendimentos, bens, cultura e lazer. Daí, se referir em capítulos sucessivos ao mundo, ao indivíduo e ao tempo para avaliar o impacto da rádio e da televisão.
Para mim, o mais interessante é o seu discurso sobre a conversa (e a arte da conversação), nomeadamente nos anos iniciais da rádio e da televisão, quando a maioria da emissão era em directo (p. 104). Scannell analisa o programa radiofónico The Brain Trusts e questões importantes como falar em público, emissões com e sem guião, planeamento dos temas a discutir e sua condução ao vivo, sinceridade ao microfone e ontologia da voz. Esta aproxima o locutor ou seu convidado face ao ouvinte, personalizando ou tornando íntima aquela voz no altifalante da telefonia no lar de cada um.
Quanto à televisão, o autor estabelece uma comparação entre o programa americano Person to Person e o inglês At Home. A competência do locutor que entrevista em directo é relevada por Scannell, que nos leva à arte da conversação como foi cultivada desde o século XVII, em especial em França (p. 135). O objectivo do salão de cultura, frequentado por mulheres aristocratas interessadas em manter um serão agradável [Scannell não cita Habermas mas Craveri, The Age of Conversation, em 2005, texto que eu não conheço]. Igual valor têm a conversazione italiana, onde se discutiam arte, literatura e ciências, e o convite a "profissionais" da conversa, como Oscar Wilde na Grã-Bretanha, onde se dava a ideia do prazer espontâneo da troca de ideias num espaço. A conversa incluía anedotas e piadas sobre a época e os costumes. A rádio e a televisão recuperaram essas formas mais antigas de comunicação interpessoal e de grupo, do mesmo modo que adaptaram o olhar da câmara. Se o locutor olha a câmara de modo frontal é o renovar do espírito de contacto com o espectador (p. 149).
Scannell debruça-se ainda sobre a formatação do "ao vivo" e do uso de múltiplas câmaras de televisão na cobertura desportiva, empregues por exemplo na mostração de golos (ou uma falta grave), e a narrativa da catástrofe. Mas essa leitura fica para outra ocasião.
Leitura: Paddy Scannell (2014). Television and the meaning of live. Cambridge e Malden, MA: Polity, 264 p.
Para mim, o mais interessante é o seu discurso sobre a conversa (e a arte da conversação), nomeadamente nos anos iniciais da rádio e da televisão, quando a maioria da emissão era em directo (p. 104). Scannell analisa o programa radiofónico The Brain Trusts e questões importantes como falar em público, emissões com e sem guião, planeamento dos temas a discutir e sua condução ao vivo, sinceridade ao microfone e ontologia da voz. Esta aproxima o locutor ou seu convidado face ao ouvinte, personalizando ou tornando íntima aquela voz no altifalante da telefonia no lar de cada um.
Quanto à televisão, o autor estabelece uma comparação entre o programa americano Person to Person e o inglês At Home. A competência do locutor que entrevista em directo é relevada por Scannell, que nos leva à arte da conversação como foi cultivada desde o século XVII, em especial em França (p. 135). O objectivo do salão de cultura, frequentado por mulheres aristocratas interessadas em manter um serão agradável [Scannell não cita Habermas mas Craveri, The Age of Conversation, em 2005, texto que eu não conheço]. Igual valor têm a conversazione italiana, onde se discutiam arte, literatura e ciências, e o convite a "profissionais" da conversa, como Oscar Wilde na Grã-Bretanha, onde se dava a ideia do prazer espontâneo da troca de ideias num espaço. A conversa incluía anedotas e piadas sobre a época e os costumes. A rádio e a televisão recuperaram essas formas mais antigas de comunicação interpessoal e de grupo, do mesmo modo que adaptaram o olhar da câmara. Se o locutor olha a câmara de modo frontal é o renovar do espírito de contacto com o espectador (p. 149).
Scannell debruça-se ainda sobre a formatação do "ao vivo" e do uso de múltiplas câmaras de televisão na cobertura desportiva, empregues por exemplo na mostração de golos (ou uma falta grave), e a narrativa da catástrofe. Mas essa leitura fica para outra ocasião.
Leitura: Paddy Scannell (2014). Television and the meaning of live. Cambridge e Malden, MA: Polity, 264 p.
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