domingo, 8 de março de 2015

Yvone Kane

Após a morte da filha, Rita Moreira voltou ao país africano onde viveu a sua infância. Ela reencontraria a mãe, Sara, médica, que não abandonara o país após a sua independência. O raccord entre a morte da filha de Rita e o seu regresso a África é muito subtil, quase imperceptível, do mesmo modo que a sua motivação para a investigação do assassinato da antiga guerrilheira e activista política Yvone Kane não aparece bem esclarecida. Isto enquanto a mãe, a morrer de cancro, procura saber o que se passa com Jaime, o adolescente que ela adoptara e passava por um período não controlado de afirmação pessoal.

Neste cruzamento de histórias, encontro uma mesma razão: explicar o fracasso das relações raciais na pós-independência colonial. Há sinais que nos levam a Moçambique, onde o filme foi parcialmente filmado, como os volantes dos automóveis à direita, mas a história da morte da antiga guerrilheira remete-nos para a vida de Sita Valles e Angola. Sita Valles era militante do Partido Comunista Português e foi presa na sequência de uma tentativa de golpe de Estado em Maio de 1977, sendo assassinada em agosto na prisão de Luanda.

Se o passado agora em revisão era violento, como mostram os edifícios em ruínas (missão onde Sara ainda trabalha, hotel no litoral onde Rita espera o contacto para saber mais informação sobre a morte de Yvone), o presente é igualmente violento. A relação racial ainda se ressente desse passado colonial, e de modo muito evidente.

No texto de promoção do filme escreve-se sobre cicatrizes da História e dos fantasmas da guerra, em que não é possível a redenção e o esquecimento. Eu prefiro destacar a qualidade da fotografia, os momentos de alguma ação com outros momentos em que o tempo parece parado, na inexorável fixação da vida e da incapacidade humana de contrariar os dias e as reações dos outros seres humanos.

Escrevi aqui não muito bem sobre outro filme de Margarida Cardoso com a mesma atriz Beatriz Batarda (A Costa dos Murmúrios, em 3 de Dezembro de 2004), onde se pode ler: “Para mim, há má condução de actores e actrizes. Beatriz Batarda parece que soletra as palavras, como se aprendesse a língua ou corrigisse a pronúncia. E a história até é interessante, o elenco bom, mas com um ritmo lento”. Mas este representa, na minha leitura, um filme bem mais maduro. Embora não exista igualmente esperança, no outro filme havia a futilidade e o vazio de uma mulher bonita levada para a guerra por ser casada com um oficial, agora há a procura de compreender o passado.

Realização de Margarida Cardoso (2014), elenco com Irene Ravache, Beatriz Batarda, Gonçalo Waddington, Mina Andala e Samuel Malumbe, fotografia de João Ribeiro, países filmados Portugal, Brasil e Moçambique.

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