São 23 histórias deliciosas do jornalismo, desde o final da monarquia até ao pós-1974. Quase todos os jornalistas referidos no livro ficaram para a história e para a cultura nacional, como Ferreira de Castro, Félix Correia, Urbano Carrasco, Urbano Tavares Rodrigues, Maurício de Oliveira, José Mensurado, Eduardo Gageiro (foto-jornalista), Nuno Rocha, José Goulão e Carneiro Jacinto. Do ponto de vista político, estes jornalistas podem até ter visões diferentes, mas o que sobressai das histórias é o lado épico, divertido, ou até tendencioso e falso, umas resultaram de atos corajosos dos jornalistas, outras são embustes que levaram à publicação de notícias depois desmentidas, mas sempre resultado da paixão de quem escreve nos jornais de papel.
Por gosto pessoal, destaco as histórias em torno das fotografias do embarque da fuga do último rei de Portugal, do acompanhamento dos funerais dos regicidas de 1908, da entrevista ao membro do grupo que fuzilou Mata-Hari, à paródia em torno da "morte" de Peyradon e dos "árabes" que queriam comprar petróleo em Angola. E diverti-me ao conhecer as razões para o duelo entre dois jornalistas consagrados à época: Pinheiro Chagas e Magalhães Lima.
Gonçalo Pereira Rosa narra as histórias com um sentido quase policial, que nos leva a querer chegar até ao fim da mesma para saber que desenlaces ocorrem. Ele, que revela um sentido apurado de humor, tem muitas qualidades de escrita, quase ao nível do romancista ou da História romanceada: ao facto verdadeiro, ele junta pequenas cores de aguarela. Ao que junta duas outras características: fica a saber-se o que aconteceu ao jornalista ou à personalidade retratada, com uma curta biografia em cada história; imagens de jornal, fotografias da época ou desenhos modernos que nos remetem para os jornalistas ou personalidades. O que torna o livro um produto cultural muito interessante. Cada história ocupa uma média de 10 páginas, o que permite ao autor apresentar o facto, situá-lo no contexto do tempo e do espaço e trazer as histórias quase à atualidade, género "estes homens podiam ser nossos contemporâneos".
O autor acrescenta outra qualidade. Ele é um historiador - não das estruturas mas da micro-história. A ele interessa-lhe a ocorrência, a cintilação, o gesto - e depois junta, interpreta, avalia e anuncia. Parece inaugurar um género - o do historiador-jornalista. Não nos dá o ambiente pesado da redação, mas o lado do repórter, do que está em campo e julga apanhar a "cacha" que o pode tornar conhecido, mas nem sempre preocupado com o que ganha financeiramente. Repito: o autor é historiador, pois o seu livro recolhe dados obtidos nos arquivos da Torre do Tombo e da Biblioteca Nacional. Por vezes, cruzamo-nos nesses sítios fantásticos.
Uma única falha no livro: os jornalistas são do género masculino. Não há nenhuma história que mostre a perspetiva feminina?
Gonçalo Pereira Rosa tem o mestrado em Ciências da Comunicação e doutoramento em Sociologia, é professor na Universidade Católica e diretor da National Geographic portuguesa. Como leitor de livros de media, gostaria que a sua tese de doutoramento (sobre jornalismo e ambiente) fosse publicada tão depressa quanto possível.
Leitura: Gonçalo Pereira Rosa (2015). Parem as máquinas! Lisboa: Parsifal, 254 páginas, 16 euros
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