domingo, 5 de julho de 2015

Mar me Quer

A portuguesa Cucha Carvalheiro, que nasceu em 1948 e dirigiu o Teatro da Trindade (2009-2013), o moçambicano Alberto Magassela, que nasceu em 1966, e o angolano Daniel Martinho são os atores que entram na peça Mar me Quer, a partir de um conto do moçambicano Mia Couto, nascido em 1955, que este e a moçambicana Natália Luiza, nascida em 1960 e co-directora artística do Teatro Meridional, adaptaram.

As personagens são Mulata Luarmina e Zeca Perpétuo, já velhos e a viverem junto à praia, amigos porque vizinhos e sozinhos ao mesmo tempo, procurando estabelecer laços mais fortes para ficarem um com o outro, e Avô Celestiano, a sabedoria do tempo, já falecido mas que aparece nos sonhos de Zeca e o orienta a conquistar o coração daquela mulher. Se não o conseguir, o prémio é a morte. 75 minutos oníricos, como diria Natália Luiza enquanto aconselhava a desligar os telemóveis, antes da entrada na sala. A representação retomava a estreia da peça em 2001 no Teatro Taborda, em Lisboa. Catorze anos depois, os artistas e a encenadora estavam mais velhos mas mais conscientes da precariedade da vida e das suas situações. Em vez de usarem uma peça buscando o discurso social e político, mais apto para estes tempos difíceis, o Teatro Meridional, aqui em Lisboa, levou os espectadores a um espaço sonhável.

Valeu a pena. Eu sai do teatro calmo e a refletir no tema principal e nas ideias em torno desse desejo de harmonia entre duas pessoas já velhas mas sozinhas. Os segredos que existiam entre os dois foram-se esbatendo. Ele, que tinha medo das gaivotas porque empurrara a mulher para o precipício, ela porque fora a mulher que desaparecera no mar, com todos a julgarem que morrera. Assim, a morte e os seus agentes humanos estão presentes em toda a história. A passagem na vida parece uma experiência de dias e noites com relatos, amizades, histórias e sortilégios, sem que o tempo, como os ocidentais pensam, se encontre. O espaço cénico e figurinos de Marta Carreiras e a música de Rodrigo Leão contribuem para o deslumbramento desenhado pela fala dessas personagens às vezes irrealistas às vezes poéticas mas sempre compreensíveis e com uma alegria sadia mas comedida. Ainda outras vezes o uso das palavras diverte, porque cria trocadilhos e imagens mentais ricas.



Diz Mia Couto sobre este conto, aconselhado para o oitavo ano: "Um dia o padre Nunes me falou de Luarmina, seus brumosos passados. O pai era um grego, um desses pescadores que arrumou rede em costas de Moçambique, do lado de lá da baía de S. Vicente. Já se antigamentara há muito. A mãe morreu pouco tempo depois. Dizem que de desgosto. Não devido da viuvez, mas por causa da beleza da filha. Ao que parece, Luarmina endoidava os homens graúdos que abutreavam em redor da casa. A senhora maldizia a perfeição de sua filha. Diz-se que, enlouquecida, certa noite intentou de golpear o rosto de Luarmina. Só para a esfeiar e, assim, afastar os candidatos. Depois da morte da mãe, enviaram Luarmina para o lado de cá, para ela se amoldar na Missão, entregue a reza e crucifixo. Havia que arrumar a moça por fora, engomá-la por dentro. E foi assim que ela se dedicou a linhas, agulhas e dedais. Até se transferir para sua atual moradia, nos arredores de minha existência" (Leya). Ou ainda como escreve o autor: "Mas é pena eu e a vizinha não nos simetricarmos. Por que ambos somos semiviúvos: nunca tivemos companheiro, mas esse parceiro, mesmo assim, desapareceu" (primeiro capítulo do conto).

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