Saiu em 2014, mas só agora faço uma referência ao livro coordenado por Carla Baptista, que representa um mapa das principais tendências e evolução do jornalismo cultural impresso. O trabalho baseia-se na análise de conteúdo às notícias das primeiras páginas dos jornais Público, Diário de Notícias, Correio da Manhã, Jornal de Notícias, Expresso e Visão em dez anos (2000-2010), cobrindo dois grandes acontecimentos culturais (Porto 2001 e Guimarães 2012, este já fora do decénio) e em 20 entrevistas a diretores, editores e jornalistas da área da cultura.
Carla Baptista, que assina o primeiro texto, constata a redução quanto a número de suplementos culturais, número de críticos e espaço e visibilidade dada à área cultural no período estudado (2000-2010). Indica ainda uma maior aproximação aos valores da indústria e do valor comercial dos conteúdos. Para a autora, o jornalismo cultural é do domínio dos textos curtos (e também ensaio), dada a escassez do tempo de produção, foge aos temas eruditos e aos géneros da crítica, ensaia uma luta entre o cultural sagrado e o económico profano e reflete uma certa rebeldia estilística. Como conclusão, a autora indica que os jornais não são todos iguais em termos de cobertura da cultura. Se o Público se destaca, no Correio da Manhã há um peso maior da cultura popular, caso das festas religiosas. Do ponto de vista temático, dominam a música (27%), o cinema (20%) e a literatura (17%). Os protagonistas são indivíduos (64%), em detrimento das instituições (14%). Lisboa domina geograficamente (39%), o que significa um desligamento da imprensa face à tendência de maior capacitação cultural descentralizada.
O segundo texto pertence a Teresa Mendes Flores, que estuda o destaque da imagem nas primeiras páginas dos jornais estudados. Ela refere que, ao longo do decénio, a imagem fotográfica teve um relevo crescente, caso do Diário de Notícias, que faz depender a notícia da existência de imagem. A força da imagem subiu 13,2% no decénio. Na década estudada, há uma saturação, entendida como a grande quantidade de informação veiculada em simultâneo. Os jornais onde a área da cultura é mais importante são os que mais imagens produzem porque são os que mais destacam a cultura. Curioso o facto mais relevante na primeira página ser a fotografia do obituário.
O terceiro texto pertence a Dora Santos Silva, que estuda dois subgéneros na cultura – review (resenha) e roteiro, em substituição da crítica tradicional. A investigadora parte da ideia que o jornalismo contemporâneo opera um contínuo entre arte, cultura popular, estilo de vida e consumo, admitindo áreas como publicidade, moda e gastronomia. Isto conduz à inclusão do “jornalismo de serviço” ou “utilitário”, onde a cultura serve para decisões práticas do quotidiano. A review (resenha), subgénero da crítica, visa dar uma ideia resumida da obra, com o propósito de informar (e não educar). Uma das características diferenciadoras deste subgénero é a ausência de juízos de valor. Por seu lado, inserido no género utilitário, o roteiro ou guia diz respeito à programação e listas de teatros, filmes e outros eventos, juntando elementos de reportagem (que informa) e elementos da review (que incita a uma ação). Em Portugal, roteiros e reviews abundam nos suplementos de lazer. Dora Santos Silva chama a atenção para uma nova dimensão performativa do jornalismo cultural, que remete para um cenário menos autoral e menos legitimado.
O livro contém outros textos de igual interesse, como o de Marisa Torres da Silva, que estudou o estilo informativo e as práticas discursivas do jornalismo de música e conclui pela escrita que vagueia entre a informação, a interpretação, a crítica e a análise, Celiana Azevedo, que observou o Diário de Notícias e procurou definir as funções do jornalista da cultura, atendendo a que a crise financeira resultou em despedimento de jornalistas, diminuição de páginas e diminuição do tratamento da cultura, Helena Vieira, que destacou a presença frequente de figuras da cultura e conclui que o jornalismo cultural se constrói em torno de figuras, como realizadores, cantores e escritores, e Maria João Centeno trabalha a cobertura jornalística das capitais europeias da cultura, para quem a imprensa intervém no impacto dos eventos culturais na imagem das cidades e atrai e estimula o consumo entre os visitantes, mas não estimula a reflexão sobre as políticas culturais.
Leitura: Carla Baptista et al. (coord.) (2014). Cultura na Primeira Página. Lisboa: Mariposa Azual
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