O título é já um programa: Humanidade(s). Considerações radicalmente contemporâneas. Se a palavra considerações remete para uma opinião bem formulada e defendida, o advérbio de modo radicalmente imprime uma orientação precisa mas enérgica. Explico melhor: o que o livro de Isabel Capeloa Gil aponta é para a universidade, a sua avaliação hoje e a produção do conhecimento. Há uma ideia muito interessante que a autora - antiga diretora da Faculdade de Ciências Humanas e atual vice-reitora da Universidade Católica Portuguesa com os pelouros da investigação e internacionalização - desenvolve: a escadaria das letras (pp. 29-38). O Palais Académique de Paris IV (Sorbonne) tem um vestíbulo que dá para duas escadarias, a de letras no lado direito e a das ciências no lado esquerdo. Isabel Capeloa Gil coloca aqui uma distinção de saberes, entre o "inútil" e o que fornece produtividade. Ao longo do texto, de modo exaustivo e profundo, a autora combina pensamento filosófico e relatórios e estudos de mercado sobre a realidade que fala.
A palavra radicalmente no título tem, dentro do livro, um significado preciso, o de combater a hegemonia do conhecimento dito científico e elevar o saber das humanidades e das ciências sociais. Na atribuição de bolsas e projetos de investigação, o pote das humanidades e das ciências sociais tem vindo a ser mais pequeno e quase residual. No subcapítulo a que chamou de dilemas contemporâneos, a autora recolhe evidências que contesta de modo veemente apesar de elegante, quando indica que a universidade ameaça ser a nova fábrica que produz graduados em termos de avaliação, impacto e empregabilidade, como se as competências do estudante universitário fossem calculadas como um bem económico puro.
Isabel Capeloa Gil defende que as humanidades constituem a base de qualquer projeto epistemológico, em que qualquer ciência (humanidades ou pura), porque feita por seres humanos, tem valores e identidades reconhecidas social e culturalmente. O corte provocado nomeadamente pelo positivismo permitiu alargar o fosso entre as duas posturas culturais - a ciência que estuda a natureza e a ciência que reflete e problematiza. O seu livro é um programa, como escrevi acima, mas é também um manifesto de luta contra a depreciação cultural das ciências sociais e humanidades. Sem estas não há pensamento mas apenas máquinas e lucros.
No começo do livro, a autora refere, julgo que ironicamente, o aparecimento de um novo género de produção académica, a jeremiada (lamentação longa e profunda). É contra isto, contra o quase desprezo pelas ciências humanas, que o livro surge, daí as "considerações radicalmente contemporâneas".
Leitura: Isabel Capeloa Gil (2016). Humanidade(s). Considerações radicalmente contemporâneas. Lisboa: Universidade Católica Editora, 68 p., 4,50 euros. Parceria com a Fundação Cupertino de Miranda
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