quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Página 1 (a minha investigação)

O programa Página 1 nasceu em 2 de janeiro de 1968, a emitir na Rádio Renascença. Certamente o programa mais importante da história da rádio em Portugal, Página 1 resultou de parceria entre a Rádio Renascença e a revista católica Flama.
Em horário nobre (19:30-21:00), atingiu um vasto auditório jovem e com consciência política, através de música pop, soul e baladeiros (Manuel Freire, António Macedo, Fausto Bordalo Dias), crónicas de rádios internacionais e rubricas sobre automobilismo, cinema e teatro. O programa, com indicativo musical composto por Miguel Graça Moura (Pop Five Music Incorporated), deu ainda a conhecer a música espanhola de Patxi Andion, Joaquín Díaz e Manolo Díaz. Deste último, o programa passou regularmente La Juventud Tiene Razón (1969), proibida pela televisão espanhola, uma espécie de hino de revolta política.
O programa organizou iniciativas de grande projeção pública. Uma delas foi o acampamento da juventude nas Caldas da Rainha (junho de 1970). Os milhares de participantes a ouvir música de Adriano Correia de Oliveira, Fausto e José Jorge Letria foram vigiados à distância por elementos da Guarda Nacional Republicana montados a cavalo. Outra iniciativa foi o espetáculo na Escola dos Salesianos (Estoril), em agosto de 1970. Sob pretexto da não autorização oficial, a polícia invadiu o perímetro da festa e bateu em quem encontrou, incluindo o filho do primeiro-ministro Marcelo Caetano. O inquérito oficial reconheceu exagero nas agressões [imagem em baixo retirada do Jornal de Notícias, 5 de setembro de 1970]. Das emissões ao vivo, destacou-se a realizada em novembro de 1971 no cinema Roma (Lisboa), a estrear discos de José Mário Branco e Sérgio Godinho. Como os músicos viviam exilados em Paris, no palco colocou-se um gravador de música em vez de cadeiras e microfones.


O núcleo do programa foi constituído por José Manuel Nunes (realizador e locutor), Adelino Gomes (jornalista), Homero Cardoso (diretor comercial da Flama e produtor do programa) e Moreno Pinto (técnico), depois substituído por José Videira. Duas colaborações fundamentais foram Fernando Tenente (Porto), angariador de música ainda não editada e lançada pelo programa, e Viriato Dias, repórter parlamentar que registou intervenções do grupo parlamentar liberal [imagem abaixo retirada da revista Rádio & Televisão, 22 de abril de 1972)].


A entrada do jornalista Adelino Gomes para o programa foi significativa, com muitas reportagens e apontamentos noticiosos. Ele recebeu também convite para organizar o serviço noticioso da estação. Mas, a 6 de setembro de 1972, Página 1 seria proibido pela censura (e o programa Tempo Zip, dirigido por João Paulo Guerra). O jornalista comentara na véspera o massacre de atletas israelitas por comando palestiniano nos Jogos Olímpicos de Munique, repetido no segundo programa. No texto, o jornalista afirmou que se tratava de um episódio da guerra do Médio Oriente, que começara em 1948 com a expulsão dos palestinianos árabes do território em que viviam. No apontamento, Adelino Gomes citava uma notícia em que o presidente Nixon chamava ignominioso ao ato, embora autorizasse que aviões bombardeassem aldeias, diques e hospitais do Vietname do Norte nessa mesma noite.
Muitas das chamadas recebidas que entupiram os telefones de Rádio Renascença seriam para felicitar o jornalista. Mas a reação da Secretaria de Estado da Informação e Turismo foi a suspensão imediata do programa (e Tempo Zip), atitude marcante na história da rádio portuguesa. A condição para a retomada dos programas implicou o despedimento de Adelino Gomes e de João Paulo Guerra. Foi ainda imposta a criação de um serviço de censura externo na estação.
O conselho de gerência, em documento interno de 26 de setembro de 1972, condenara o texto de Adelino Gomes, por não permitir intervenções em oposição ou desacordo com a política do Estado e por o jornalista se subtrair ao trabalho de fiscalização (eufemismo a cobrir a palavra censura). Logo depois, surgia um documento de normas de procedimento de censura, determinando aprovação da gerência e tempo de antecedência a apresentar apontamentos e reportagens.
Página 1 recebera um prémio de rádio pela Casa da Imprensa (1971). A título excecional, a mesma Casa da Imprensa atribuiu o prémio de Reportagem Radiofónica a Adelino Gomes (1972). A cerimónia de entrega do prémio decorreu em espetáculo promovido no Coliseu dos Recreios apenas a 30 de março de 1974. Segundo o relatório da Polícia de Segurança Pública de Lisboa, a sala estava superlotada, predominando a juventude e elementos conhecidos da CDE. Na ocasião, o jornalista diria: “tive o prémio do melhor locutor da rádio, mas fui despedido por ter dito algumas coisas e por pretender dizer muitas coisas que vocês deviam saber”.

Depois da saída do programa Página 1, Adelino Gomes trabalhou na Deutsche Welle. Regressado no final do verão de 1973, foi substituído na rádio alemã por José Manuel Nunes, também a sofrer pressões políticas. Luís Paixão Martins ficou como locutor de Página 1 até março de 1975, quando o programa acabou.

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