sexta-feira, 16 de abril de 2004

AUTOPROMOÇÕES

Desde há bastante tempo, decorre uma forte discussão sobre a autopromoção de programas televisivos. A SIC lidera, normalmente, esta iniciativa de publicidade aos seus programas. Mas tem-se omitido as autopromoções dos jornais, que me parecem igualmente gravosas. O Correio da Manhã tem uma campanha nos mupies sobre azulejos que acompanham as suas edições. O Público, ontem, na primeira página, quase constituindo uma manchete [hesito sobre o nome a dar aquele destaque, do meio da página para baixo], sobre um conjunto de discos a acompanhar as suas edições em breve. O texto, acompanhado por uma fotografia, até parece anunciar uma notícia. Contudo, não passa da promoção de discos, mas essa informação não estava devidamente assinalada como publicidade.

O Diário de Notícias de hoje é antológico nesse ponto. Tem 7,5 (sete páginas e meia) em 65 páginas [não conto o caderno de anúncios e os outros suplementos]. São 11,5% do espaço total do jornal ocupados em autopromoções! A concursos de automóveis, enciclopédia (três páginas!), jovens criativos (em parceria com outra empresa), livros (cinema, do 25 de Abril), filme e colecção de discos (em parceria com outra empresa).

Já anteontem me tinha referido ao assunto. As empresas jornalísticas estão a ultrapassar o nível do comedimento, dado o número cada vez maior de produtos que acompanham o jornal. Este deixa de residir num produto essencial - a informação -, mas perene, porque tornado obsoleto pelo jornal do dia seguinte, e passa a ser o canal de distribuição de produtos pretensamente culturais e de coleccionismo. Alienam-nos, porque sentimos necessidade de comprar e possuir. E fazem-nos esquecer os sítios onde eles se compram habitualmente - a discoteca, a livraria, a loja de utensílios decorativos.

SOBRE OS FÃS, DE NOVO

Neste local já escrevi sobre fãs. Hoje, quero voltar a ele e a um texto escrito por Joli Jensen. Para esta autora, a literatura sobre fãs dá-nos, frequentemente, imagens de desvio. Ele, o fã, que aparece como excessivo, perto do comportamento de louco, definido como resposta ao sistema das estrelas. Isto é, numa sociedade plenamente mediatizada, as celebridades ou vedetas funcionam como modelos para os fãs, envolvidos em “relações sociais artificiais” com aquelas.

No começo do séc. XX, termos da sociedade de massa, como alienação e atomização, adquirem uma ressonância profunda nos Estados Unidos urbanizados e industrializados. Ao benefício do progresso, celebrado por tecnocratas e industriais, opunha-se o pensamento de intelectuais e críticos sociais. Estes denunciavam o declínio das comunidades a par do crescente aumento do poderio dos media de massa. As comunidades viam-se como dando identidade, apoio e protecção. O refinamento da publicidade e das campanhas de relações públicas, o sucesso da propaganda no período da I Grande Guerra e o crescimento da popularidade do cinema e da rádio, trouxeram os receios de um poder imenso das técnicas de propaganda e da comunicação. Os públicos tornavam-se multidões e as multidões tornam-se turbas violentas. Assim, define-se a modernidade como uma sociedade de massa fragmentada e desagregada, em que se destaca o fã patológico, cuja vida está dominada pela fixação irracional na vedeta de cinema ou musical.

Depois, nos anos de 1950, associam-se imagens de adolescentes, fãs do rock’n’roll. Ao ler notícias sobre música popular e aos jovens, tornar-se-ia vulgar surgirem imagens de violência, bebidas, droga, sexo e questões raciais. O heavy metal seria um desses géneros de música juvenil violenta, ligando-se a cultos satânicos. Mas a violência incontrolável dos fãs também aparece no desporto, caso do hooliganismo. Caracteriza-se o fã como rápido aderente a comportamentos violentos e destrutivos.

Assim, e para resumir o texto de Jensen, a literatura sobre os fãs, vedetas e influência dos media diz-nos que aqueles sofrem de desadequação psicológica e são particularmente vulneráveis à influência dos media e ao contágio das multidões. O fã procura contacto com vedetas e famosos, sabe tudo sobre os seus gostos e preferências, de modo a compensar vidas desadaptadas.

Leitura: Joli Jensen (1992). “Fandom as pathology: the consequences of characterization”. In Lisa A. Lewis (ed.) The adoring audience. Londres e Nova Iorque: Routledge (edição digitalizada em 2003)

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