terça-feira, 21 de setembro de 2004

CIRCULAÇÃO CIRCULAR DA INFORMAÇÃO

Os jornalistas descrevem o mundo com os seus óculos, há uma separação entre pólo intelectual e pólo comercial nos jornais e existe a circulação circular da informação - eis três ideias ou metáforas presentes em Pierre Bourdieu no seu conhecido livro Sobre a televisão (1997, em edição portuguesa da Celta). Pelo primeiro, ficamos a saber que os jornalistas não olham o mundo tal como ele é, mas dão-nos a informação a partir dos seus conhecimentos, da sua realidade subjectiva. Eles operam uma selecção e uma construção (p. 12). Aliás, isso acontece com qualquer um de nós. O que quer dizer que a objectividade é um valor muito difícil de alcançar pelo jornalista. Pela segunda ideia, Bourdieu chama a atenção para a passagem de um jornalismo inicial, feito por homens para quem o lucro não era o motor essencial do jornal, para uma actividade comercial, em que a publicidade paga é o elemento principal. O jornalismo é uma actividade económica, como outra qualquer.

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Por circulação circular da informação, uma aparente tautologia, Pierre Bourdieu começa por afirmar que ninguém além dos jornalistas lê tantos jornais (p. 18). É uma espécie de jogos de espelhos que reflectem mutuamente e produzindo um efeito de encerramento. Escreve ele: "para fazer o programa do jornal televisivo do meio-dia, preciso de ter visto os títulos do das vinte horas da véspera e os diários da manhã, e para fazer os meus títulos do jornal da tarde preciso de ter lido os jornais da manhã" (p. 19). Este é um dos princípios do agendamento, em que uns acabem por se citar aos outros.

A minha alusão à obra do já desaparecido Bourdieu tem a ver com o jornal A Capital. Com nova direcção e novo layout, o jornal possui uma página de citações de blogues. No passado dia 16, coube a vez de uma mensagem deste blogue merecer a honra de post do dia, o da véspera, dia 15. Eu intitulara o post Centros comerciais: comprar com agrado. Tratava-se da leitura de um texto estimulante de Turo-Kimmo Lehtonen e Pasi Mäenpää sobre esse tema.

A Capital transcreveu na íntegra o meu texto e colocou a assinatura do autor, entrando no jogo de espelhos que falava Bourdieu. Ao ler no formato de jornal de papel, os meus olhos dirigiram-se, de imediato, para a coluna do centro, onde aparece escrita a seguinte frase: [...] havia disponibilidade de se disponibilizarem". Nunca na vida deixaria escapar uma repetição de vocábulos ou da mesma raiz, se olhasse para o papel, ou me distanciasse do texto. Isto denota, pois, a rapidez da escrita da mensagem, sem o copy-desk necessário. Por vezes, posso produzir erros de português, por simpatia de teclas próximas, ou esquecer-me de um acento.

Claro que fiquei contente por ver o texto citado no jornal. Mas quero reflectir em dois pontos. O primeiro é o de destacar a facilidade em se preencher uma página. Basta um jornalista procurar nos vinte ou trinta blogues que produzem informação acutilante - segundo os seus critérios jornalísticos de valor-notícia - para ocupar esse espaço vazio, e em pouco tempo de pesquisa. O segundo é a afirmação da importância da blogosfera na pesquisa diária dos jornalistas, a par de outras fontes de informação como as agências noticiosas ou o serviço de agenda.

[O meu obrigado a João Morales e Cristina Ponte que, usando meios de comunicação diferentes, me chamaram a atenção para a página de A Capital]

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