sábado, 20 de janeiro de 2007

BABEL

Violência, nudez, conteúdo sexual e consumo de drogas estão entre as indicações da classificação do filme Babel, do mexicano Alejandro González Iñárritu. Com Brad Pitt, Cate Blanchett e Adriana Barraza em papéis principais, o filme retrata um mundo global e cruel, em que um pequeno acontecimento num sítio pode ter consequências graves noutro. Uma espingarda oferecida por um japonês que caçou com um marroquino acaba por ser usada para atirar sobre uma americana, impedindo esta de regressar aos Estados Unidos, onde a ama dos filhos vai ao México para o casamento do seu próprio filho e se vê impedida de regressar ao país onde trabalha.

Claro, a história é muito mais complexa do que isto, mas o importante é fixarmo-nos nalguns pormenores. Por um lado, a reflexão sobre o desenvolvimento das sociedades. Em Marrocos, vive-se ainda pela sobrevivência. Adolescentes guardadores de cabras experimentam os ritos de passagem: a puberdade e a manifestação das pulsões sexuais aliam-se à procura de afirmação e reconhecimento de força física inerente aos adultos que o uso correcto da espingarda poderá proporcional. E, ao mesmo tempo, o modo honrado como o guia recolheu a mulher americana ferida e o marido e recusou uma recompensa monetária traz-nos a um universo são em que os valores morais e espirituais ainda prevalecem.

O mesmo americano mostra a sua violência em país estrangeiro, pela demora em ver a sua mulher ser socorrida. Quase ao mesmo tempo, os seus pequenos filhos estão presentes em cenas de violência perpetradas por concidadãos seus a mexicanos que entram na fronteira. O imperialismo americano está presente neste contraste. Uma outra imagem de comparação que me ficou (dentro da ideia de imperialismo) é o uso da força e da violência da polícia. Um país menos desenvolvido (Marrocos) e um país desenvolvido (Estados Unidos) têm a mesma estrutura mental de polícia: perseguir, violentar, resolver rapidamente mesmo que independentemente dos danos colaterais. Mas as vítimas são os cidadãos dos países menos desenvolvidos: em casa ou na fronteira do seu país.

As histórias sobre o Japão mostram outra violência, a das palavras, das imagens e do silêncio. Talvez sejam as mais perturbadoras e, em simultâneo, as mais ternas. A sexualidade está patente de uma forma mais cruel que nas cenas entre marroquinos e entre mexicanos (nível mais perto da normalidade, se assim se pode chamar). No retrato que Alejandro González faz do Japão, nota-se uma grande decadência de costumes, em que a uma sociedade de abundância corresponde uma grande falta de afectos. A principal história no Japão também anda em torno da puberdade e do relacionamento com o Outro (sexual), com a procura de aceitação da diferença (reconhecimento, entre os rapazes, da condição de surda-muda da rapariga).

Apesar da desigualdade no olhar os vários países desta Babel - não em edifício onde os homens falam as línguas mais estranhas mas a nível planetário -, há um olhar moderno: as televisões, os helicópteros e, em especial, o belíssimo travelling do plano final, lembrando as elegantes naves do filme Guerra das Estrelas ou os filmes de Wim Wenders. E o corte som-silêncio quando a rapariga surda-muda entra numa discoteca. O silêncio num momento de grande ruído mostra o quanto diferente é o mundo interior e o mundo exterior, em que a pele do indivíduo guarda uma fronteira quase tão igual à fronteira física entre países.

A Babel é, pois, um filme sobre as diferenças e as fronteiras que se estabelecem entre os homens e dentro do indivíduo, quando o corpo humano começa a crescer dentro de si - a passagem do estado de criança para o de adulto.

Sem comentários: