Nestas férias, conheci (ou conheci melhor) um barrista e um aguarelista. Nesses dois artistas/artesãos, verifiquei um percurso de vida bastante semelhante. Um encontrou a cerâmica por perda do posto de trabalho (encerramento da fábrica), outro começou a pintar aguarelas porque temia que a tecnologia eliminasse o seu trabalho (o computador). Ambos desenvolveram actividades do domínio das manualidades (tela ou papel, barro), sujeitos aos materiais (duas dimensões na aguarela, três dimensões no barro), autodidactas na produção e encontro de formas e de cores.
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Ambos são produtores e comercializam o seu produto criativo. Ou seja, trabalham no ateliê e deslocam-se ao local da exposição ou da feira, o que lhes permite um contacto directo e muito frequente com clientes. Tais relações permitem encomendas, mas não há um patrocínio ou mecenato directo. A pequena encomenda (uma peça a partir de ideia ou fotografia) pode levar o artesão a novas formas – o que significa um percurso variado ao longo da vida de criação, o que torna o estudo do artista mais difícil de estudar ao historiador e esteta.
Cenas populares num, retratos e paisagens noutro, são as formas mais habituais. O que permite, afinal, um estudo próximo, bem como o percurso pessoal e o envolvimento social de cada um. Os dois misturam tradição e inovação, mas estão muito atentos aos gostos dos clientes. Estes, do mesmo modo, possuem uma cultura média, gostando do realismo e do naturalismo e rejeitando possivelmente as vanguardas abstractas.
A aguarela encontra um lugar definido na casa, um espaço nobre. O boneco de barro coloca-se na prateleira, tem menor dimensão que a aguarela e não está fixo num local da casa, o que lhe retira carga simbólica. Por isso, um aspira ao estatuto de artista enquanto o outro assume a humildade do seu labor. Aliás, os preços praticados pelos dois criadores reflectem essa distinção.
Um dos artesãos é profissional independente há vinte anos – e está representado em colecções em vários pontos do mundo. O outro começou há quatro anos, mas a sua elaboração mais significativa é dos dois anos mais recentes – e o museu da Olaria tem à venda peças suas. A liberdade profissional e de opções estéticas pode encalhar na ausência ou diminuição de vendas, o que não garante um rendimento regular, apesar de não se verificar uma situação de intermitência.
O trabalho de ambos é isolado, solitário. O trabalho individual ilustra a actividade pré-moderna ou, pelo menos, não pós-moderna, com esta assente em divisão de tarefas, constituição de equipas, distribuição de competências e aplicação de conhecimentos numa das etapas da cadeia de valor. O artesão domina todo o processo de produção, encarrega-se da promoção e da venda. Ao invés, o consumo é baixo, a mudança de formas e conteúdos é lenta, a demanda dos clientes não exige inovação constante. O que significa baixos riscos e rendimentos, numa ecologia económica da conservação do património e sem crescimento significativo.
Os dois procuram a exposição individual ou o stand pessoal para expor e vender os produtos. Por vezes, recorrem a agentes que colocam os seus trabalhos, intermediários que cobram até 40% do preço de venda. O que inviabiliza a regularidade de tal exposição. Há ligação a entidades oficiais nos dois casos, tipo câmara municipal, associação ou IEFP, provada a necessidade de inserção para promoção e colocação das peças criadas.
Não apurei as reais condições de exportação destes produtos criativos, apesar de aguarelas estarem presentes em colecções estrangeiras. Mas parece-me que o seu consumo se destina a comunidades geográficas relativamente próximas dos criadores, com algumas excepções aquando da realização de exposições ou venda em feiras fora desses centros onde residem e trabalham os artesãos.
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