terça-feira, 28 de outubro de 2008

CHRIS ANDERSON


Na quinta-feira passada, o Público editou uma entrevista com Chris Anderson, o badalado autor de A cauda longa (e que eu aqui comentei em tempo oportuno). Não quis escrever sobre o assunto no momento, pois fiquei muito irritado com o que li – e iria escrever muito duro.

Aproveitando uma passagem por Lisboa, ele foi entrevistado (por João Pedro Pereira). A grande ideia do guru americano, director da Wired e a lançar em breve um livro chamado Free, é a da gratuitidade. Diz ele que a informação foi paga nos últimos 200 anos, mas agora o ADN dos jovens traz a marca da gratuitidade. Por exemplo, Anderson não compra jornais – a mulher compra apenas o New York Times ao domingo. A informação está toda na internet, e esta é gratuita. Diz de modo eloquente: "Quem tem menos de 25 anos nunca pagou para aceder a um site. E nunca pagará. Tudo o que é digital é obviamente grátis".

Quando li esta frase, fiquei a pensar duas coisas. Primeiro, o jovem e promissor jornalista deve ter dado um pequeno salto na sua cadeira de entrevistador, pois terá pensado que o seu emprego num jornal de papel está condenado. Se não interessa ler um jornal de papel, pois está tudo na internet, para que serve um jornalista que escreve num jornal de papel – é um emprego sem futuro. Foi pena que o jornalista não tenha sido incisivo e feito perguntas incómodas.


Lembrei-me do título de uma coluna de jornal do professor João César das Neves: Não há almoços grátis. É que alguém paga a informação digital. Professa Anderson que a informação, apesar de bem espesso, não tem custo acrescentado. O autor é pago pela publicidade; a publicidade cobre os custos de produção e ainda dá lucro. Possivelmente, um sítio deve ser um lugar onde autómatos escrevem ser querer retorno algum. Essa ideia luminosa ocorreu em 2000-2001, com a especulação das empresas dotcom – e elas desapareceram. Basta a performatividade das palavras – gratuito – para não haver custos.

Parece que ficou a Google, aliás a única empresa que Anderson cita. Se existir uma empresa a fornecer toda a informação, para que servem as outras? Mas parece que a Google não produz informação nova nem abrange a realidade de todo o mundo. Por arrastamento: se a gratuitidade está no ADN dos jovens, será que a dicoteca onde vão dançar lhes oferece de borla a bebida e a permanência? Ou o cinema lhes permite acesso sem pagar?

Ciclicamente, surgem gurus cheios de certezas. Lembro-me de Negroponte e das transformações da sociedade com a economia digital. Anderson é dos mais recentes e, por isso, dos mais escutados. Mas ele, como outros antes, não tem memória histórica. Por exemplo, pode-se comprar um computador portátil de pouca capacidade com 300 ou 400 euros. Ou uma impressora por 90 euros. O primeiro computador de mesa que comprei (com menos capacidade de memória que um CD-ROM) custou-me 300 contos (1500 euros), a primeira impressora 70 contos (350 euros). Os primeiros telemóveis eram pesados e inúteis, se os compararmos com os de hoje, e custavam pequenas fortunas. A geração anterior à minha comprou uma telefonia primeiro e um televisor depois e isso custou-lhe muito dinheiro. Hoje temos um televisor por divisão da casa, e quase não fazemos conta aos preços dos electrodomésticos. Com a massificação e o uso de tecnologias mais económicas, os preços dessas unidades baixaram.


Mas o aumento de serviços trouxe uma inversão e um encarecimento. A recepção de televisão não é gratuita como ele diz, pois se paga uma renda mensal para aceder aos canais de cabo, que são os mais interessantes e em maioria. Isto sem falar dos canais de desporto ou de cinema. O telemóvel é um aparelho barato, mas a obsoletização permanente desperta a vontade de trocar regularmente por um outro aparelho mais moderno. Isso custa dinheiro. Apesar dos preços das telecomunicações terem baixado drasticamente nos anos mais recentes, o dispêndio em telecomunicações é mais alto, porque recorremos a mais serviços.

Anderson poderia aplicar a sua teoria da cauda longa para explicar este fenómeno: com o tempo, um meio determinado fica mais barato, dada a massificação, mas os pagamentos crescem, por rotatividade de equipamentos e por oferta de serviços, que, depois, são descontinuados e substituidos por outros.

Possivelmente, a palavra Free do seu último livro quer significar não o gratuito mas a possibilidade de muitos o ouvirem e partilharem as suas opiniões, num mundo de muitas trocas de ideias e de perspectivas.


O jornalista ainda ousou uma pergunta menos cómoda: falou-lhe na indústria dos automóveis. Mas o guru respondeu airosamente: 1) é possível haver carros totalmente gratuitos, 2) os automóveis trazem extras gratuitos. Não sei em que mundo ele vive mas é extraordinário como o jornal lhe tenha dado duas páginas impressas. Gracejando, quando ele falou em automóveis gratuitos, ele deve ter-se referido a motor, faróis, pneus, bancos, estrutura do automóvel, ar condicionado! Terei esquecido alguma coisa da lista do gratuito? Diz magnanimamente: um amigo dele oferece o carro e o cliente paga a electricidade. A minha pena foi ele ter-se esquecido de dizer o nome da empresa. E fala em água gratuita, no que me parece uma aposta igualmente difícil de cumprir. Eu moro num andar alto, daqui não vislumbro nenhum poço de água, tenho de pagar pela água que é elevada até às torneiras da minha casa. Pergunta ele candidamente: "e se essa pessoa nunca tiver pago pela água"? Estranho raciocínio. Pelo que li, o guru tem perfil de não pagador de impostos. Porque deve achar que o Estado ganha muito dinheiro com os impostos e porque não o redistribui equitativamente em serviços.

Depois, o senhor não tem paciência. Diz que o aborrece esperar 18 horas para receber as notícias. Em que mundo vive para demorar tanto tempo a receber informação? A rádio não lhe dá a informação ao minuto? A televisão não leva a imagem da actualidade? Só a Wired é que está conectada ao minuto? E tem uma versão superior ao que se acede gratuitamente. Aliás, o senhor conclui que nunca teremos um mercado inteiramente gratuito pois alguém tem de pagar. Então, para que falou tanto? Pagar por um bem que compramos já o sabíamos, não era preciso ele vir a Portugal e dizer isso.

Detesto a autosuficiência, a clarividência e a arrogância dos gurus que vêm dizer-nos o que fazer, porque o que fazemos está (parece estar) mal feito.

5 comentários:

Anónimo disse...

Excelente e oportuno comentário, caro Professor. Estive presente na Digital Business Conference e ouvi, com atenção, as palavras de Chris Anderson. Têm um certo efeito encantatório, mas é evidente que o editor da Wired pensa as suas teorias apenas em função do mercado no qual trabalha, o norte-americano, e especificamente o das newsmagazine e do online.

A extrapolação dessa ideias para outros mercados ou indústrias não funciona porque Anderson parte de premissas que simplesmente não se aplicam a outras realidades. Como no caso da indústria automóvel, ou da água.

Mas isto sucede mesmo no caso dos sectores tradicionais na indústria da comunicação.

A certo ponto da conferência, Ricardo Costa, da SIC, que também estava presente, colocou-lhe uma questão inteligente: se a SIC não consegue ter receitas suficientes com o negócio online para pagar as despesas de produção dos conteúdos para esses formatos (segundo Ricardo Costa, neste momento eles têm esses resultados), que soluções podem encontrar num futuro em que os consumidores pretendem aceder gratuitamente aos serviços e produtos dos media?

A resposta de Chris Anderson foi elucidativa: "não há muito a fazer, preparem-se para perder receitas, para se tornarem mais pequenos, para reduzir as estruturas".

Se o caminho da gratuitidade é esse, o que restará dos media? Num mundo sem meios de comunicação "tradicionais" (ou com poucos e pequenos meios tradicionais), os próprios agregadores online perecerão.

É difícil perceber como podem algumas pessoas ter tantas certezas sobre como percorrer a estrada longa e sinuosa com que nos deparamos - e onde ela termina.

Um abraço.

Anónimo disse...

Motivante e excitador as palavras do Prof. Dr. Rogério Santos. Com tantos estudos e pesquisas que são desenvolvidas nas Universidades, com tantos estudos comparativos, mesmo em tempo e espaço, não podemos nos jogar totalmente nas noções dos “gurus”. É sorte a nossa termos comentários como os do blogue I.C. para “salvar” as maiores descobertas “da última semana”.
Abraços

Anónimo disse...

"Arjun Appadurai Só nos resta dialogar com o "outro"

João Paulo Meneses disse...

Um pouco contracorrente, deixem-me alinhar duas ideias em defesa de Chris Anderson: não conheço o seu livro Free nem as suas ideias sobre a gratuitidade. Mas a sua teoria da cauda longa (que pouco ou nada tem a ver com gratuitidade) é brilhante, por interpretar muito bem aquela que é uma das principais consequências da digitalização: a possibilidade de viabilizar produtos para nichos, que de outra forma nunca saíriam dos armazéns para as prateleiras.

Rogério Santos disse...

Eu, quando li, defendi com entusiasmo o seu livro A Cauda Longa aqui no blogue. O que escrevi não põe em causa o livro mas o ar ligeiro com que fala de economia, e em especial num momento de grande ebulição financeira. Anderson é etnocêntrico, vê o mundo a partir da América, vê apenas a economia digital e não a economia real, da compra de pão, manteiga ou gasolina para o automóvel. Combina o anarquismo próprio de americanos mergulhados na net com o liberalismo do "mercado que regula a economia" - dois elementos que se está a provar que não se podem cruzar.