Escrevia aqui a 18 de Dezembro de 2007: "O altifalante do regime. A Emissora Nacional como arma de guerra no conflito colonial, dissertação de mestrado de Carolina Ferreira, foi hoje apresentada e aprovada com a máxima classificação na Universidade de Coimbra. A autora propôs-se estudar o Estado Novo e a guerra colonial (1961-1974), a Emissora Nacional e o efeito das suas emissões na opinião pública. O seu ponto de partida foi o da rádio como arma de guerra no conflito colonial. Para isso, analisou a programação da rádio pública, a partir da revista Rádio e Televisão, as “Notas do Dia”, rubrica de opinião lida por João Patrício (período 1968-1970), ordens internas de serviço e inquéritos de audição (audiências). Carolina Ferreira criou uma grelha de cinco fases em termos de propaganda à guerra colonial por parte da rádio: 1) surpresa [quanto ao rebentar da guerra] e propaganda de integração, 2) entusiasmo/versão estatal [o tempo do refrão "Angola é nossa"], 3) conformismo/discrição [redução do número de programas sobre a guerra colonial], 4) esperança e dúvidas, mais a criação de colunas de opinião [1968, com a ascensão de Marcelo Caetano], e 5) descontentamento/reforço da mística imperial. A jovem investigadora concluiu que a Emissora Nacional teve um comportamento irregular na propaganda ao serviço do regime, no que ela considerou como o poder difuso da rádio (concepção bem distinta da teoria dos efeitos totais ou agulha hipodérmica, como se pensava no começo da radiodifusão, em que uma mensagem atingia total e duradouramente os receptores dessa mensagem)".
Agora, o texto sai em livro, editado pela MinervaCoimbra, em colecção dirigida por Isabel Vargues, docente da Universidade de Coimbra, e com prefácio de Adelino Gomes. Com um título levemente diferente (Os media na guerra colonial. A manipulação da Emissora Nacional como altifalante do regime) e uma capa muito bonita. O contributo da, desde 2003, jornalista da RTP (Coimbra) é fundamental para a compreensão da história da rádio em Portugal, que eu saúdo (e observo que parece haver uma especialização da Universidade de Coimbra em estudos sobre a Emissora Nacional, como a tese de doutoramento de Sílvio Santos, a aguardar publicação, indica). O que se segue é a minha leitura feita para a discussão pública dessa tese de mestrado no final de 2007. Sendo o livro baseado na tese (pelo menos no índice), julgo actuais os comentários.
O estudo tem como objecto compreender o papel da Emissora Nacional durante a guerra colonial de África. A pergunta inicial de Carolina Ferreira foi perceber se a radiodifusão portuguesa influenciou a opinião pública sobre a mesma guerra. Objecto e aquela e várias outras perguntas são de uma grande pertinência. Em segundo lugar, destaco a metodologia empregue. Há a nítida influência da investigação histórica, com análise documental e revisão bibliográfica. Esta última tem peso nos capítulos 1 e 2. Quanto a análise documental, destaco a leitura feita às notas de João Patrício e à programação, esta a partir da revista Rádio e Televisão, no terceiro capítulo. Faz também referência a análise qualitativa e quantitativa, presente igualmente no último capítulo. No texto, refere ainda que não empregou a metodologia de entrevistas. Em terceiro lugar, escreve sobre “análise sugerida pelos estudos culturais” (Douglas Kellner).
Em quarto lugar, destaco, enquanto leitor e investigador, o interesse pelos estudos empíricos desenvolvidos na dissertação. O estudo empírico inicial é o da análise das grelhas de programação das três principais rádios a partir da revista Rádio e Televisão. Carolina Ferreira escolheu três momentos (1961, 1968, 1974), num total de 630 grelhas, com subvariáveis na informação: geral, desportiva, rural, ultramarina, industrial, cartaz. É de um inequívoco interesse sabermos como era a rádio no período e se ela reflecte o peso do regime opressor. Sobre o segundo trabalho empírico, a análise de conteúdo das notas do dia de João Patrício, ele dá uma forte ideia da ideologia do regime.
Para concluir o conjunto de apreciações gerais, realço a perspicácia de Carolina Ferreira quando se questiona se obras assinadas por Fernando Rosas, António José Telo e Fernando Dacosta (e que contêm excursos no domínio da rádio) estão fundamentadas em análises aprofundadas ou se se baseiam em conjuntos de impressões. Estudaram eles a rádio no período para se concluir ser a rádio (e a Emissora Nacional) um poderoso instrumento de propaganda? Para mim, as obras em que se apoia não analisam, porque desconhecem a rádio, apenas dão impressões. Se ninguém estudou verdadeiramente o impacto dos media, como se pode emitir um parecer, chegar a uma conclusão?
A meu ver, faltam ainda análises empíricas. O único autor que estudou a rádio (porque a viveu por dentro), Fernando Serejo, duvida da ideia de altifalante sonoro. Melhor dito, ele contesta a ideia de a Emissora Nacional ser o único altifalante do governo, escrevendo que Marcelo Caetano até preferia o Rádio Clube Português (Fernando Serejo, "Rádio - do Marcelismo aos nossos dias" (1968-1990), Observatório, 4, p. 69). No mesmo texto, Serejo destaca os profissionais oriundos da Rádio Universidade e que estariam na origem da renovação: Fialho Gouveia, Carlos Cruz, João David Nunes, Adelino Gomes, José Nuno Martins, Eduardo Street, José Manuel Nunes. E ainda o programa Jornal de Actualidades, que fugiu aos cânones habituais da informação da estação pública.
Fernando Rosas e J. M. Brandão Brito (Dicionário de História do Estado Novo, 2005) indicam limitações técnicas e profissionais gritantes que mantiveram a rádio portuguesa afastada dos grandes acontecimentos. Primeiro – será que os autores têm razão? Segundo, não será preciso contextualizar? Digo isto, porque Portugal pertencia à União Europeia de Radiodifusão onde questões técnicas eram discutidas; não acredito muito nesse grande atraso. Basta ver o arranque da FM na década de 1960, pouco depois de isso acontecer noutros países ocidentais. Os atrasos estariam noutro plano. Carolina Ferreira diz que as pessoas se recusaram ouvir a incansável propaganda emitida pela Emissora Nacional, mudando o “botão”. Refere os anos 1972-1973.
Posso especular: se o número de programas sobre a guerra baixou e aumentou a programação musical, isso – o altifalante – não foi razão para a perda da popularidade. A meu ver, o que se passou foi a inovação das rádios privadas, com um corpo de colaboradores mais jovens (sigo Serejo), usando outras técnicas de comunicação (mais informal e alegre), passando músicas novas. A audiência escapou de três formas: da rádio pública para as privadas, da OM para a FM, da rádio para a televisão. Ao mesmo tempo, as rádios dotavam-se de redactores de notícias, enquanto aumentavam os programas de autor ou de produtores. Isto para não falar de uma lenta feminização dentro da rádio e de novas estéticas (passagem da música francesa, italiana e espanhola para a anglo-americana).
Leitura: Carolina Ferreira (2013). Os media na guerra colonial. A manipulação da Emissora Nacional como altifalante do regime. Coimbra: MinervaCoimbra, 240 p., 19 €
Agora, o texto sai em livro, editado pela MinervaCoimbra, em colecção dirigida por Isabel Vargues, docente da Universidade de Coimbra, e com prefácio de Adelino Gomes. Com um título levemente diferente (Os media na guerra colonial. A manipulação da Emissora Nacional como altifalante do regime) e uma capa muito bonita. O contributo da, desde 2003, jornalista da RTP (Coimbra) é fundamental para a compreensão da história da rádio em Portugal, que eu saúdo (e observo que parece haver uma especialização da Universidade de Coimbra em estudos sobre a Emissora Nacional, como a tese de doutoramento de Sílvio Santos, a aguardar publicação, indica). O que se segue é a minha leitura feita para a discussão pública dessa tese de mestrado no final de 2007. Sendo o livro baseado na tese (pelo menos no índice), julgo actuais os comentários.
O estudo tem como objecto compreender o papel da Emissora Nacional durante a guerra colonial de África. A pergunta inicial de Carolina Ferreira foi perceber se a radiodifusão portuguesa influenciou a opinião pública sobre a mesma guerra. Objecto e aquela e várias outras perguntas são de uma grande pertinência. Em segundo lugar, destaco a metodologia empregue. Há a nítida influência da investigação histórica, com análise documental e revisão bibliográfica. Esta última tem peso nos capítulos 1 e 2. Quanto a análise documental, destaco a leitura feita às notas de João Patrício e à programação, esta a partir da revista Rádio e Televisão, no terceiro capítulo. Faz também referência a análise qualitativa e quantitativa, presente igualmente no último capítulo. No texto, refere ainda que não empregou a metodologia de entrevistas. Em terceiro lugar, escreve sobre “análise sugerida pelos estudos culturais” (Douglas Kellner).
Em quarto lugar, destaco, enquanto leitor e investigador, o interesse pelos estudos empíricos desenvolvidos na dissertação. O estudo empírico inicial é o da análise das grelhas de programação das três principais rádios a partir da revista Rádio e Televisão. Carolina Ferreira escolheu três momentos (1961, 1968, 1974), num total de 630 grelhas, com subvariáveis na informação: geral, desportiva, rural, ultramarina, industrial, cartaz. É de um inequívoco interesse sabermos como era a rádio no período e se ela reflecte o peso do regime opressor. Sobre o segundo trabalho empírico, a análise de conteúdo das notas do dia de João Patrício, ele dá uma forte ideia da ideologia do regime.
Para concluir o conjunto de apreciações gerais, realço a perspicácia de Carolina Ferreira quando se questiona se obras assinadas por Fernando Rosas, António José Telo e Fernando Dacosta (e que contêm excursos no domínio da rádio) estão fundamentadas em análises aprofundadas ou se se baseiam em conjuntos de impressões. Estudaram eles a rádio no período para se concluir ser a rádio (e a Emissora Nacional) um poderoso instrumento de propaganda? Para mim, as obras em que se apoia não analisam, porque desconhecem a rádio, apenas dão impressões. Se ninguém estudou verdadeiramente o impacto dos media, como se pode emitir um parecer, chegar a uma conclusão?
A meu ver, faltam ainda análises empíricas. O único autor que estudou a rádio (porque a viveu por dentro), Fernando Serejo, duvida da ideia de altifalante sonoro. Melhor dito, ele contesta a ideia de a Emissora Nacional ser o único altifalante do governo, escrevendo que Marcelo Caetano até preferia o Rádio Clube Português (Fernando Serejo, "Rádio - do Marcelismo aos nossos dias" (1968-1990), Observatório, 4, p. 69). No mesmo texto, Serejo destaca os profissionais oriundos da Rádio Universidade e que estariam na origem da renovação: Fialho Gouveia, Carlos Cruz, João David Nunes, Adelino Gomes, José Nuno Martins, Eduardo Street, José Manuel Nunes. E ainda o programa Jornal de Actualidades, que fugiu aos cânones habituais da informação da estação pública.
Fernando Rosas e J. M. Brandão Brito (Dicionário de História do Estado Novo, 2005) indicam limitações técnicas e profissionais gritantes que mantiveram a rádio portuguesa afastada dos grandes acontecimentos. Primeiro – será que os autores têm razão? Segundo, não será preciso contextualizar? Digo isto, porque Portugal pertencia à União Europeia de Radiodifusão onde questões técnicas eram discutidas; não acredito muito nesse grande atraso. Basta ver o arranque da FM na década de 1960, pouco depois de isso acontecer noutros países ocidentais. Os atrasos estariam noutro plano. Carolina Ferreira diz que as pessoas se recusaram ouvir a incansável propaganda emitida pela Emissora Nacional, mudando o “botão”. Refere os anos 1972-1973.
Posso especular: se o número de programas sobre a guerra baixou e aumentou a programação musical, isso – o altifalante – não foi razão para a perda da popularidade. A meu ver, o que se passou foi a inovação das rádios privadas, com um corpo de colaboradores mais jovens (sigo Serejo), usando outras técnicas de comunicação (mais informal e alegre), passando músicas novas. A audiência escapou de três formas: da rádio pública para as privadas, da OM para a FM, da rádio para a televisão. Ao mesmo tempo, as rádios dotavam-se de redactores de notícias, enquanto aumentavam os programas de autor ou de produtores. Isto para não falar de uma lenta feminização dentro da rádio e de novas estéticas (passagem da música francesa, italiana e espanhola para a anglo-americana).
Leitura: Carolina Ferreira (2013). Os media na guerra colonial. A manipulação da Emissora Nacional como altifalante do regime. Coimbra: MinervaCoimbra, 240 p., 19 €