quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Música gravada em Portugal

Hoje ao fim da tarde no Palácio Foz foi lançado o livro de Leonor Losa, Machinas Falantes. A Música Gravada em Portugal no Início do Século XX, uma edição da Tinta da China.

O livro divide-se em três partes: implantação do mercado de fonogramas no país, música gravada como prática social e mobilidade social da fonografia e criação de uma indústria nacional. Retiro da introdução, a seguinte perspectiva: "De modo interpretativo, este volume pretende constituir uma aproximação ao fenómeno de modernização do som, localizando-o no contexto cronológico, local e social de Portugal nas primeiras décadas do século XX" (p. 18) (sobre o trabalho de Leonor Losa já escrevi aqui). Como diria na sua apresentação do livro, a professora Salwa Castelo-Branco, o livro apresenta três níveis discursivos: texto, iconografia e disco com gravações antigas digitalizadas. Reforço que o livro, além do texto, tem uma muito boa qualidade gráfica com reproduções de capas de discos, publicidade e fotografias de artistas, nomeadamente, que o tornam um objecto a possuir.

Por seu lado, Rui Vieira Nery elogiaria a autoridade legítima da autora no livro, traduzida na segurança na pesquisa e reflexão. De ora em diante, obra de referência na matéria, o livro traça uma cronologia rigorosa da implantação da indústria discográfica, a sequência das marcas, a lógica empresarial, as estruturas do negócio e a sequenciação do repertório das músicas. O texto inclui ainda os processos técnicos da gravação sem ir ao pormenor tecnológico e discute as dinâmicas por detrás da discografia. Para Vieira Nery, a autora, além de etnomusicóloga, é uma historiadora da música e da economia, pois tratou das dimensões da produção, mediação e retalho da actividade discográfica. O meio século inventariado no livro revela um grande dinamismo, primeiro enquanto fenómeno restrito das elites urbanas com sede de modernidade pelo acesso às novas tecnologias, com o disco associado ao teatro e à dança de salão. Na fase posterior, nas décadas de 1930 e 1940, a indústria discográfica liga-se também à rádio e ao cinema sonoro, formando uma teia de indústrias culturais, culminando na terceira fase, em que surgem empresas dedicadas à produção de discos. Rui Vieira Nery nota ainda que, na questão dos conteúdos, o intérprete surge como elemento secundário se comparado com o meio tecnológico.


[Na mesa, da esquerda para a direita: Leonor Losa, Salwa Castelo-Branco, Rui Vieira Nery e Inês Hugon, representando a editora)]


Os dois apresentadores da obra destacariam a necessidade da preservação do património do registo sonoro. O disco, cujo suporte é frágil, precisa de ser guardado, registado e digitalizado. Os apresentadores destacaram igualmente a qualidade do trabalho do conjunto de investigadores do INET (Instituto de Etnomusicologia), de que a obra agora lançada é um exemplo. A importância da música gravada na configuração da indústria fonográfica foi um dos desenvolvimentos de investigação depois da publicação da Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX, dirigido por Salwa Castelo-Branco (ver aqui). Etapa seguinte, bastante avançada no presente, é o projecto de digitalização de música do começo do século XX e a pesquisa em torno das gravações em discos de goma-laca.

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