quinta-feira, 21 de maio de 2015

Tran-missão

A palavra transmissão está contaminada pela teoria matemática da comunicação de Shanon e Weaver, que procuraram resolver problemas de ruído e qualidade de som nas ligações telefónicas. A peça do grupo Visões Úteis (Ana Vitorino, Carlos Costa e João Martins), agora no Rivoli (Porto) tem pormenores interessantes, como o uso de alguns adereços. A personagem Carlos diz tratar-se ainda de um ensaio, em busca de melhorar as linhas da peça. As parcerias do projeto agora no palco revelam pormenores ricos, como a recolha de frases ditas por populares nos autocarros da cidade, efetuada por alunos de Sociologia da Universidade do Porto. A importância de refletir sobre a identidade nacional, tipo "não participamos, pois não podemos alterar nada", porque "eles controlam tudo", culpando esses "eles", encolhendo sistematicamente os ombros e aceitando submissos a realidade social atual.


Mas o texto ainda não é eficaz, nomeadamente no terceiro ato, quando os atores se envolvem numa discussão sobre manter sobre a mesa ou deitar fora os livros (a teoria) e sobre Ho-Chi-Min - poeta ou revolucionário. A ideia de acordar os cidadãos para uma alteração social discute-se entre dois planos - os revolucionários e os reformistas, uma retoma do tema ensaiado vezes sem conta nos últimos cem anos. Não creio ser útil a discussão sobre pontos de vista antagónicos, porque o mundo é muito mais complexo (a minha crítica situa-se dentro do espírito de criação colaborativa, como os atores não cessam de dizer na peça). Há outras questões: uma ópera só com uma personagem? Como morreu a criança que tinha ideias muito maduras e que a personagem da peça ouvia de cada vez que voltava a casa e o obrigava a pensar?

Num momento, quando João, usando uma mensagem mais radical do que Carlos, fala num bomba e na necessidade de a fazer explodir, para mudar alguma coisa, o que leva aquele a afastar-se do palco, lembrei-me da peça A Casa de Ramallah, de António Tarantino, que vi em 2014 no teatro dos Artistas Unidos (Lisboa). O texto tinha qualidade literária, duro mas belo. Mesmo o texto de Zeferino Mota, A Revolução, que vi o mês passado no Teatro do Bolhão (Porto), garantia uma maior atração em termos de imagem. Aqui assume um papel mais panfletário, brechtiano sem ser Brecht.


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