sábado, 18 de fevereiro de 2017

À noite, todos os gatos são pardos


Nos longos minutos iniciais, não sabia o que fazer: se me manter no lugar ou sair da sala. Não havia sons, do palco vislumbrava algo - pareciam-me lanternas, vestes longas. Os sons surgiram algum tempo depois, primeiro um ribombar de trovões, depois música repetitiva mínima. Algumas pessoas saíram da sala, eu tinha dificuldade de as acompanhar, pois estava no meio da antepenúltima fila. Outros espectadores ligavam o telemóvel - o que é expressamente proibido -, parecendo as luzes de pirilampo numa sala em quase completa negrura. A folha do espetáculo informa que à noite, quando a luz é fraca, os cones da nossa retina não têm sensibilidade e não distinguem as cores. No caso, nem as formas eu conseguia adivinhar. A mesma folha de espetáculo indica que a peça procura reinventar a perceção da interpretação de um movimento coreográfico em quase penumbra. O que eu via não correspondia a nenhuma penumbra mas a uma inversão de iluminação, porque a régie se situa na parte de trás da sala e vinha de lá bastante luz.

Um insucesso, repeti para mim diversas vezes. Da ficha técnica não consta o nome do responsável das luzes, por isso, culpabilizaria a direção técnica, o vereador da cultura e até o presidente da câmara, cujo nome aparece provincianamente na folha de sala do bailado.

Depois de meia sala ficar provavelmente nervosa com a situação, a música ganhou relevo, a luz apareceu no palco e as silhuetas ficaram mais esclarecidas. Afinal, não havia lanternas mas apenas as mãos que refletiam a escassa iluminação que caía sobre os bailarinos e as vestes longas que eu imaginara eram apenas movimentos dos bailarinos. Ficou um longo momento de puro deleite, com os movimentos dos quatro bailarinos sincronizados, ágeis e elegantes. Assim, gostei muito de La nuit tous les chats sont gris (À Noite Todos os Gatos são Pardos), coreografia de Laurence Yadi e Nicolas Cantillon, interpretada por Melissa Ugolíni, Marie Khatib-Shahidi, Sérgio Noé Quintela e Rosana Ribeiro, com música de Maurice Louca para a Companhia Instável.

Mas, por favor, na próxima coreografia, mudem a mesa da régie para outro lado. E não sejam tão rigorosos no conceito de penumbra. Da penúltima vez que eu estive na sala, não ouvi adequadamente o que os atores diziam na peça. Pensei: a minha audição está a ficar muito mal. Agora, passei a ter problemas de visão? Conselho: não vendam bilhetes das últimas filas. Ou indiquem que o espectador pode ter má visibilidade ou má audição - pelo menos, seria tudo mais honesto. E as cadeiras não são tão confortáveis como se julga a princípio.

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